sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Ansiedade coletiva

O jogo [do Sporting] contra o Santa Clara para os oitavos de final da Taça de Portugal deixa-nos excelentes tópicos [para reflexão] que nos permitem perspectivar e [até] construir o futuro. Há um tópico obrigatório. É necessário repensar a forma como se insulta o árbitro. Insultar a mãe do árbitro não é a forma mais adequada de insultar o árbitro. Mãe é mãe, filho é filho. A galderice não é [necessariamente] má e aproveita à própria e a mais ninguém. Quando insultamos como insultamos [o árbitro] recorremos à galderice da mãe por que razão? Quando o árbitro é um choninhas, devemos tratá-lo assim e deixar a mãe em paz e sossego, ponto final.

Há um outro tópico incontornável. Aparentemente, a nossa equipa sofre de melancolia depois da saída do Rúben Amorim para o Manchester United [para não mais voltar]. Ninguém tem a certeza ou, pelo menos, tenho as mais sinceras dúvidas [não me passa pela cabeça o Harder a cantar: “Vais partir naquela estrada. Onde um dia chegaste a sorrir. Vais deixar abandonada. Essa flor que era amor a florir”]. Tenho é as maiores reservas quanto aos conhecimentos de psicanálise e de Freud dos comentadores da RTP1 para efetuarem o diagnóstico [mais correto]. Impressiona um pouco ouvir o Rui Malheiro ou o Bruno Prata a insistirem na ansiedade coletiva [doença com um quadro clínico complexo, imagina-se] para explicar um passe errado, um remate mal feito ou um frango. 

Mais uma corrida, mais uma viagem, mais um tópico. É possível que o melhor jogador seja exatamente aquele que não tenha sequer jogado? Até ao jogo [do Sporting] contra o Santa Clara, não, não era possível ou pensámos que não era possível, melhor dizendo. Depois deste jogo, se tivesse de escolher o melhor jogador em campo, escolheria o Esgaio sem qualquer hesitação, sem dúvida alguma [sim, o melhor jogador em campo, apesar de não ter jogado]. O Esgaio fez a sua melhor exibição de sempre. Podia ter efetuado uma exibição ainda melhor se não fossem quatro calmeirões a agarrá-lo com o árbitro a fazer vista grossa [e a pôr-se a milhas, não fosse o diabo tecê-las].

Os árbitros podem ser os melhores jogadores ou o melhor treinador de uma equipa? Mais um tópico que dá que pensar [profundamente]. Dois jogos [do Sporting] contra o Santa Clara e quatro “penalties” [reconhecidamente] por assinalar. Os dois árbitros tiveram mais influência no resultado do que os jogadores do Santa Clara. Os dois árbitros tiveram mais influência, muito mais influência do que o próprio treinador do Santa Clara [o que não é simples, tratando-se, como se trata, do (re)conhecido Jürgen Klopp das regiões ultraperiféricas marítimas, como nos foram explicando enquanto os jogos decorriam]. Se o Varandas tivesse juízo [que não tem] tinha aqui várias opções para substituir o João Pereira [a dez milhões de euros cada, mais IVA]. 

Ganhámos. Ganhámos por dois a um. Estamos nos quartos de final da Taça de Portugal. Foi injusto, muito injusto, perante uma equipa que jogou muito, muito mais e muito melhor. O azar é que o Conrad Harder e o Viktor Gyökeres não ligam ao que diz um Malheiro ou um Prata, uns ignorantes, uns boçais é o que estes escandinavos parecem. Quem não os conhecesse, podia julgar que não respeitam nada nem ninguém, que comem de boca aberta e estão sempre a lançar perdigotos. No entanto, quem os conhece, sabe que não é assim, sabe é que eles estão atrasados nas aulas de português. Mal compreendam o Malheiro ou o Prata, nunca mais deixarão as benzodiazepinas ou as fluoxetinas.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Tudo como dantes ou como sempre [ou tanto faz como tanto fez]

Ganhámos ao Boavista. Repito, ganhámos ao Boavista. Continuamos em primeiros e só dependemos de nós para passarmos o ano em primeiros. Tudo mudou, mas tudo parece na mesma. O João Pereira não serve e continuamos à espera de Godot, que não chega [nunca chega, se quisermos meter Samuel Beckett ao barulho]. Temos o presente, este presente, mas não nos chega, continuamos a idealizá-lo com o Abel Ferreira ou o Sérgio Conceição [de acordo com o que vamos lendo e ouvindo os sócios e adeptos do Sporting].

O jogo não começou nada mal para uma equipa que sofre de melancolia e um treinador sem habilitações. Cerca de meia hora de insistência e primeiro golo marcado [pelo inevitável Gyökeres]. Como vem sendo hábito, depois de marcado o primeiro golo, a equipa começa a sofrer de stress pós-traumático, revivendo momentos de felicidade com o Rúben Amorim e o dia da sua partida [para não mais voltar]. 

O Salvador Agra, essa promessa [permanentemente] adiada do futebol português, vai pelo meio-campo fora e, chegando ao bico da grande área, para, pensa, hesita e desfaz-se da bola, chutando-a para a molhada onde um avançado, que não marcava um golo desde que o Luís Montenegro é primeiro-ministro, cabeceia sem tirar os pés do chão e empata o jogo. Na defesa, é difícil saber quem esteve pior: se o Matheus Reis, o Eduardo Quaresma ou o Zeno Debast. Porventura, estiveram todos mal e quando assim é, então, a culpa costuma ser do treinador, a não ser que não disponha das necessárias qualificações, não se podendo qualificá-lo como tal.

Entrámos cheios de força na segunda parte, com tanta força que até o Maxi Araújo, que não tira os olhos da bola, por uma vez a meteu direitinha para o Trincão a encostar para a baliza e fazer o dois a um. O enguiço do Moreirense e do Brugge estava quebrado e nada mais havia a temer, pensava eu com os meus botões [o recurso a vários lugares-comuns numa mesma frase é característico de grandes autores portugueses, como o José Rodrigues do Santos ou o Jorge Nuno Pinto da Costa]. 

Pensava, mas pensava mal e os botões são os menos culpados. Biqueirada para a frente, Geny Catamo a perder de cabeça contra um adversário que tem mais dois palmos e meio, enquanto o Eduardo Quaresma ia passeando por ali, bola na área e Zeno Debast a aparecer tarde e a más horas a fazer a dobra, permitindo um remate maljeitoso e um frango de difícil execução do Franco Israel [a bola ia direitinha ter com ele e podia ter-se limitado a afastar-se, mas, não, preferiu atirar-se de cabeça para o chão e procurar defender a bola com as mãos, deixando-a passar]. 

O Franco Israel não é, nunca foi de confiança. Se fosse, não precisávamos de contratar o Vladan Kovačević, pensando que encontráramos a solução. A contratação de um novo frangueiro não faz do antigo frangueiro um bom guarda-redes. Entre um novo e um antigo [frangueiro], preferíamos o antigo. Por o preferimos não estamos a estabelecer uma hierarquia quanto à qualidade. É uma simples questão de hábito e o homem é um animal de hábitos, que nem sempre fazem o monge [mais um trocadilho destes e estou pronto a participar nos programas da manhã da TVI e da SIC]. 

Tinha nascido o enguiço do Boavista, voltei a pensar com os meus botões [mantenho uma relação muito coloquial com eles, em particular com uns botões de pele que tenho num caso verde de “tweed”]. O enguiço nasceu para logo ser quebrado pelo Trincão outra vez, depois de uma jogada que o João Pereira tinha encontrado nos apontamentos que o Rúben Amorim lhe deixou. Bem, depois, aconteceram coisas, as coisas habituais. O árbitro e o vídeo-árbitro não viram um “penalty” contra o Benfica [estava escuro, muito escuro, segundo nos comunicaram] e os do Porto desataram à bofetada no túnel do Estádio do Dragão. Tudo muda, tudo fica na mesma, não é bem assim que se diz, mas Lampedusa não é para aqui chamado.   

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Missão Impossível

Com a saída do Rúben Amorim para o Manchester United instalou-se a [grande] confusão no Sporting em pouco mais de uma semana. É obra! Assiste-se a uma luta de argumentos [mais emocionais do que racionais] entre sócios, adeptos e comentadores [com e sem cartilha]. Ainda não se chegou a consensos, mas para lá se vai caminhando: todos estamos gratos ao Rúben Amorim, aqueles que o queriam como treinador do Sporting e aqueles que simplesmente o abominavam. Não se pretende tanto agradecer-lhe, mas, por oposição, concluir que o João Pereira não serve e o Varandas ainda menos. 

O Rúben Amorim não se portou muito bem. Assumiu o compromisso de levar esta época do princípio ao fim, tendo como objetivo o bicampeonato. Assumiu esse compromisso perante os sócios, os adeptos e, pior do que isso, os jogadores, condicionando as suas opções. Apareceu-lhe uma daquelas propostas que acontece uma vez na vida. É complicada a decisão, todos nós sabemos bem o que isso é. Quantas e quantas vezes assumimos compromissos relativamente aos quais nos arrependemos? Arrependemo-nos, mas cumprimos, é a nossa palavra. 

É que se havia circunstâncias que podiam impedir o cumprimento desse compromisso, então não havia compromisso nenhum e tudo não passava de banha da cobra. Se havia essas circunstâncias e eram do conhecimento da Direção, então, não deveria ter começado a época sequer. Não se pode é constituir uma equipa de futebol para dar resposta às idiossincrasias técnico-táticas de um treinador como o Rúben Amorim e, depois, ficar com a criança nos braços.

A equipa do Sporting é uma obra de autor. No seu contexto, o Rúben Amorim é um género de Manuel de Oliveira do pontapé na bola. Não conheço nenhuma equipa que jogue como o Sporting. Não conheço nenhuma equipa que tenha um plantel como o nosso, constituído por 6 ou 7 defesas centrais, nenhum defesa lateral [mesmo contando com o Esgaio e o Fresneda], extremos que fazem de laterais e de extremos ao mesmo tempo e [só] três jogadores do meio-campo. Com a forma de jogar do Sporting e o seu plantel, que treinador [desempregado] com experiência e curriculum está disposto a pegar na equipa e fingir que é o Rúben Amorim, deixando tudo como está? Esse treinador não existe [ou ainda não existe, podendo ser o Rúben Amorim se continuar a perder jogo sim, jogo também]. 

Não era simples [nem isenta de controvérsia] a substituição do melhor treinador do Sporting dos últimos cinquenta ou sessenta anos. O Varandas devia ter sido claro quanto a isso e às dificuldades que por aí vinham. Não o foi, porventura porque os sócios e adeptos nunca costumam estar disponíveis para ouvir a verdade ou por amizade e deferência com o Rúben Amorim. Preferiu explicar-nos que estava tudo previsto e que o Rúben Amorim estava a ser clonado há muito tempo, como se isso fosse possível. O João Pereira foi corajoso e aceitou o desafio. Parece-me uma missão impossível, mas continuo a pensar que seria uma missão impossível para qualquer outro treinador.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Uma selecção chamada desejo

 

A selecção portuguesa de futebol que esteve no presente europeu é um produto de marketing e, ao mesmo tempo, sendo um produto de marketing, tornou-se um produto do marketing que sempre a envolveu. O seu jogador mais conhecido é, em si mesmo, uma marca, marca essa que ultrapassa em valor (arriscamos aqui um pedaço do nosso pouco valioso pescoço) a própria selecção, valor esse medido nos nossos dias em gostos, redes sociais, publicidade e anexos mais ou menos mensuráveis e disponíveis em ecrãs. A marca em causa, por outro lado, jogou no último ano num país que se quer fazer passar por um sítio onde se joga futebol e onde toda a gente pode ir à bola com farnel e lenço para protecção solar (desde que…). Trata-se de um trabalho bem pago e acessível a outras marcas mais ou menos reconhecidas no milieu. Nada disto é novo.

Jogar um europeu com uma marca lá na frente e o resto do grupo como um produto de marketing tem os seus riscos. Jogadores que são convocados (desde a fase de grupos) para supostamente relançarem as carreiras, outros que, após lesão nos clubes, fazem treinos de recuperação para estarem no ponto para os respectivos campeonatos, sem praticamente jogarem durante o europeu, fazem-nos pensar na eventualidade disto tudo ser uma ficção jocosa muito além dos nosso poderes de percepção.

Os jogos dizem-nos os entendidos, são demasiados tácticos, mas, na verdade, são um tédio que precede a táctica, e não o contrário, são jogos supostamente de laboratório em que os ratinhos são os espectadores, não na persona de consumidores, mas como parte de um mundo de especulação que ultrapassa o jogo da bola, corroendo-o definitivamente. E ninguém tem paciência para horas seguidas (seis?) sem um único golo marcado. Curiosamente, o manto do marketing encobriu esse pormenor num esclarecedor: merecíamos mais. Pois merecíamos.

 

Nota: Para mim o Manuel Fernandes não era uma marca mas lá que deixou marca deixou. A minha infância não seria a mesma sem ele.

Nota2: Por falar em capitão, Coates agora só em Montevideu. Vamos ver se as surpresas ficam por aqui neste longo defeso.  Venha lá esse campeonato. 

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Difícil, muito difícil

“Para nós, é tudo muito difícil”, lamentou-se o Rúben Amorim. Esta é a moral da história. Não, não houve decisão que pudesse cair para o lado do Porto que não caísse e também não houve decisão que pudesse cair para o nosso lado que tivesse caído. Esta apreciação também nos envolve: metemos um [Diogo] Pinto, metemos o St. Juste na bancada, metemos o Esgaio [a lateral esquerdo], metemos um jogador do qual ninguém conhece o nome [Koindredi], metemos os dois golos do Porto.

Num jogo com as principais figuras de Estado e arredores a assistir, vimos um treinador depois de expulso reunir os seus jogadores na bancada para dar instruções durante o intervalo do prolongamento. Foi uma singela mas não menos sentida e merecida homenagem ao Pinto da Costa neste momento de despedida em que assistiu ao último jogo do Porto como seu Presidente [da SAD, não confundir].

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Nem sempre a festa pode esperar

Há jogos que são pretextos. Quantos e quantos de nós não agendámos uma partida de futebol com os amigos com o pretexto de jantarmos [juntos]? A vitória ou a derrota pouco importava ou importava na exata medida em que determinava quem pagava o jantar. No passado sábado, este jogo [do Sporting] contra o Chaves tinha vários objetivos seguramente, mas o de se disputar uma partida relativamente à qual interessasse o resultado é que não: o Sporting [já] era campeão, o Chaves [já] tinha descido de divisão. Quem assistiu ao jogo queria festa e nada mais: a pirotecnia, a entrega da taça ou a despedida do Neto e do Ádan.  

Essa [falta de] interesse no jogo [propriamente dito] esteve presente desde o primeiro minuto. Talvez o árbitro fosse aquele a quem menos interessasse o jogo e, em contrapartida, o vídeo-árbitro aquele para quem este jogo ainda tinha razão de ser. Assim, o jogo não foi um jogo entre duas equipas de futebol, mas um jogo entre o árbitro e o vídeo-árbitro. O resultado não foi nada, mesmo nada equilibrado: o vídeo-árbitro ganhou de goleada. Cada decisão originava a sua reversão, com o árbitro acabrunhado a explicar aos espetadores a razão para decidir o contrário do que tinha decidido minutos antes uma e outra vez. Minutos e minutos de jogo parado enquanto se esperava uma e outra decisão [definitiva]. Um martírio!

O Chaves começou por dar um pequeno ar da sua graça. Para não perder a [recente] compostura de campeão, o Sporting reagiu e o resultado foi a primeira decisão do árbitro revertida pelo vídeo-árbitro e um “penalty” transformado numa bola ao ar. Jogada pelo lado esquerdo do ataque, centro, corte de um defesa do Chaves pela linha de fundo e segunda decisão do árbitro revertida pelo vídeo-árbitro e um pontapé de canto transformado num “penalty”. Recuperação da bola pelo Coates, contra-ataque rápido, o Gyökeres a galgar metros sobre metros, a rematar à baliza, a marcar mais um golo e terceira decisão do árbitro revertida pelo vídeo-árbitro e um golo transformado num livre contra o Sporting à entrada da sua área. Enquanto se preparava a marcação do livre, confusão na área, jogadores a agarrarem-se e cotovelada no peito do Hjulmand e expulsão do jogador do Chaves, sem direito e reversão desta decisão pelo vídeo-árbitro. Resultado [final]: três para o vídeo-árbitro, um para o árbitro.

Ah, estava a esquecer-me! Ganhámos por três a zero, com dois golos de Gyökeres e um de Paulinho. O Gyökeres estava tão interessado no jogo como o vídeo-árbitro e demonstrou o seu aborrecimento por o árbitro não o deixar continuar a jogar e a marcar mais um o outro golo, dando apenas dois minutos de descontos quando [só] a despedida do Neto demorou uns dez. É importante que se leve o trabalho a sério, que se leve o trabalho até ao fim, por respeito por quem está a assistir. É doença, é verdade, bem sei, mas eu sou dos que acreditava que podíamos chegar aos cem golos [e acreditava mesmo quando faltavam dois ou três minutos]. Quando está garantida, como esta estava [há mais de duas jornadas], a festa sempre pode esperar.

[Com esta vitória contra o Chaves, batemos o recorde de pontos, de vitórias e de vitórias em casa. O Benfica, segundo classificado, ficou a dez pontos e o Porto, terceiro, a dezoito. É uma época memorável. Se ganharmos a Final da Taça, contra o Porto, se conseguirmos a “dobradinha”, é épica. A nós resta-nos continuar jogo a jogo, crónica a crónica, até tudo se encontrar acabado por esta época. É preciso levar o trabalho até ao fim, como disse]

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Cumprir calendário

Os jogos do campeonato cumprem diversas funções, nem sempre as mesmas. Assegurar que se cumpre o calendário é a função, o objetivo de que nenhum jogo se encontra dispensado. Aliás, há jogos que servem única e exclusivamente para cumprir calendário, como o deste sábado [do Sporting] contra o Estoril. O resultado deste jogo, qualquer que ele fosse, não alteraria [no essencial] a classificação e os objetivos estabelecidos para esta época nem de uma nem de outra equipa: o Sporting era e é campeão; o Estoril não descia e não desce de divisão. Nada mudou, nada mudaria.

Jogos como este obrigam a preparação especial dos espetadores. Atendendo à recente conquista do campeonato e às festividades que se seguiram, isto é, em contexto de anticlímax, exigia-se preparação especial dos adeptos do Sporting. Ou o jogo era um prolongamento da festa e constituía um pretexto para essa festa ou, então, era preciso tomar uns estimulantes [um simples café, que fosse] para permanecer acordado. Estando em Braga e não participando na festa, restava-me a segunda possibilidade; e não, não estava preparado para a sonolência da primeira parte. 

O Rúben Amorim quis proteger [e bem] o Diogo Pinto, o guarda-redes substituto, do substituto, do substituto, e manteve uma defesa mais baixa com laterais menos subidos e com menos propensão para subir [Esgaio e Matheus Reis]. O Estoril tinha dois objetivos [complementares] que se mantiveram durante o jogo: estorvar o Sporting e bater no Gyökeres. Com uma equipa que não queria arriscar no ataque [e que parecia um pouco pesada, lenta, depois das festividades] e outra que mais não pretendia do que chatear [até mais não], o jogo gerava a emoção de um filme do Alain Resnais ou do Manuel de Oliveira.

A primeira parte foi isto o tempo todo, a segunda foi isto uma parte do tempo, até o Rúben Amorim meter o Nuno Santos e o Paulinho, substituindo o Matheus Reis e o Pedro Gonçalves. A partir destas substituições, passou a haver futebol, apesar do Gyökeres continuar a ser atropelado, sem remissão, sem condescendência. A inquietação, o bulício do Nuno Santos, acompanhado da vontade insaciável do Paulinho de marcar mais um golo que seja, começaram a desmantelar o lado direito da defesa até à desistência e à vitória final. Faltando objetivos, inventam-se outros para justificar que não se tratava de um jogo para cumprir calendário. Fizemos mais pontos e ganhámos mais jogos esta época do que em qualquer outra e ainda falta um [último] jogo. Estava encontrada a razão para se voltar ao Marquês e em força!

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Entremeada no Marquês [Parte 2]

[Descobrimentos]

Não sei se se pode dizer que o Rúben Amorim descobriu [novos] jogadores, como o Catamo ou o Bragança. Talvez a expressão mais correta seja inventá-los. É descobri-los enquanto jogadores, naquelas que são as suas qualidades técnicas e táticas, e colocá-los a jogar nas posições e nas circunstâncias mais surpreendentes. A vitória no campeonato muito se deveu a estas invenções e aos seus efeitos no alargamento da base competitiva do plantel.

[Todos contam]

As idas do Catamo e do Diomandé para o Campeonato Africano das Nações e do Morita para Taça Asiática pareciam dificuldades inultrapassáveis [tanto mais que St. Juste se lesionou pela quinquagésima sétima vez, embora ainda tenha recuperado a tempo de dar uma ou outra ajuda, sobretudo nos jogos contra o Benfica]. O Pedro Gonçalves recuou para o meio-campo, o Quaresma ressuscitou e o Trincão transformou-se num monstro. O momento [aparentemente] mais difícil transformou-se no mais produtivo. 

[Cautelas e caldos de galinha]

O Sporting necessitou de quase uma dezena de defesas centrais. Este número deve-se à tática, seguramente, que implica sempre o envolvimento de três centrais e a necessidade de os ir substituindo para manter ou alterar a dinâmica da equipa [são eles que determinam o ritmo de jogo, são eles que, subindo ou descendo, colocam a equipa a jogar mais ou menos pressionante, são eles que iniciam as jogadas e é através deles que o jogo chega à frente]. Mas dispor de várias alternativas foi absolutamente decisivo para evitar vermelhos e jogos em inferioridade numérica. Uma grande parte destas substituições entre centrais durante os jogos serviram para evitar [esses] males maiores. 

[Fazer o gosto ao pé]

Já tudo se disse sobre a influência do Gyökeres na vitória deste campeonato, pelos golos que marcou, pelas assistências que fez, pelos permanentes sobressaltos das defesas contrárias. Mas a onda de ataque, a onda de golos, arrastou a equipa e todos marcaram mais golos do que se esperava. É difícil marcar o Gyökeres, mas ainda é mais difícil marcá-lo a ele, ao Pedro Gonçalves, ao Trincão e ao Paulinho ao mesmo tempo. No final dos jogos, havia defesas que já só pediam descanso e que os deixassem em paz e sossego.

[Destruir a identidade]

Na época 1999-2000 ganhámos o campeonato, com o Augusto Inácio, e na época 2001-02 voltamos a fazer o mesmo, com o László Bölöni. Não descansámos enquanto não contratámos o Peseiro para que tudo voltasse a ser como era. Com o Rúben Amorim ganhámos o campeonato nas épocas 2020-21 e 2023-24. Não satisfeito, promete ganhar mais uma e outra vez. Um dia destes somos um clube como os outros, um clube que quer ganhar campeonatos como se não houvesse amanhã, tão-só. A identidade [perdedora] laboriosamente construída ao longo de décadas e décadas está em risco. Dentro de um ano ou dois o Peseiro está disponível? E o Silas? 

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Entremeada no Marquês [Parte 1]

Preparava-me para escrever mais uma crónica de mais um jogo do campeonato, mas as circunstâncias transformaram esta partida [do Sporting] contra o Portimonense num [simples] ponto como qualquer outro do caminho que nos levou ao título de campeão nacional esta época [2023-24]. Começando pelo fim, a conclusão é uma e uma só: o Sporting dá-nos muitas alegrias, mas o Benfica dá-nos mais, muitas mais. Vamos tentar, então, fazer uma entremeada, umas coisas sobre o jogo, outras sobre campeonato, outras ainda sobre as miudezas do quotidiano [futebolístico]. 

Passei o fim de semana [prolongado] em Londres, com a família. Passeei [muito] a pé, como deve ser percorrida e visitada uma cidade. Fiz o roteiro da carne assada turística, calcorreando Soho, Piccadilly, City, Southwark, Spitafields, Shoreditch, Notting Hill, Paddington, Kensington ou Camden. Estava [sempre] à espera de encontrar o Rúben Amorim a sair de uma entrevista e a entrar noutra, tal o seu estado de necessidade, aparentemente. Também estava à espera de notícias dele nos “pubs”, nos mercados ou na rua, tal o alarme social da última semana. Falei com muita, muita gente e ninguém, mas mesmo ninguém o tinha visto por estes lados [a maioria não fazia a mínima ideia de quem fosse o Rúben Amorim, sequer].

Às seis da tarde de sábado, encontrava-me em Gatwick [à espera do voo de regresso], mas com tempo, muito tempo para [tentar] ver o jogo. Vi-o no telemóvel, o que não é tarefa simples e isenta de controvérsia na análise dos lances mais duvidosos, pois, para mim, os rapazes do Portimonense deviam ter levado mais uns tantos amarelos. O árbitro não pensou o mesmo e castigou mais os jogadores do Sporting, que levaram amarelos ao ritmo de cada tiro, cada melro, mas também é verdade que não estava a ver o jogo no telemóvel [e essa deve ter sido a razão, possivelmente]. Bem, os amarelos [e os vermelhos] ajudam a ganhar ou a perder campeonatos, mas ainda não os ganham por si só, sendo necessário marcar [golos] para ganhar jogos e, assim, campeonatos. Quando se pensa em golos vem-nos à cabeça o nome de um jogador: Paulinho. Vem-nos pelos [golos] que marca e pelos que falha. Com ele em campo, o Sporting está sempre mais próximo do golo ou talvez não, dependendo [do dia, da hora ou da sua vontade associativa].

No sábado, era dia sim e só não foi um dia sim dos que ficam para a história porque o guarda-redes do Portimonense estava com o diabo no corpo. Há sempre a possibilidade de uma explicação mais técnico-tática: sem a responsabilidade de ser o goleador da equipa, como segundo avançado, atrás do Gyökeres, encontra-se mais solto, com menos marcação e pode surpreender a defesa. Por esta ou aquela razão, marcou um golo e ofereceu outro ao Trincão, depois de uma combinação brilhante pelo lado esquerdo com o Nuno Santos. Ao intervalo, o jogo podia a devia estar [mais do que] resolvido, mas o guarda-redes não estava pelos ajustes, como disse. Pouco a pouco, na segunda parte, a dúvida e a desconfiança podiam começar a instalar-se, mas o Rúben Amorim mexeu na equipa, substituiu quem tinha de substituir [Esgaio, Pote e Diomandé], e o jogo resolveu-se sem mais sobressaltos, ainda permitindo uns truques circenses do Bragança concluídos com um passe à maneira para o Gyökeres marcar o terceiro golo.

Jogo resolvido, atraso do avião em mais de meia-hora e regresso a casa tarde e a más horas. Domingo ficou-se à espera de Godot e, estranhamente, o Godot apareceu, o que não é suposto acontecer [na peça de Samuel Beckett]. Esperava-se que o Benfica não atirasse a toalha ao chão e levasse a disputa do campeonato até ao limite do possível. Não foi capaz e a festa fez-se no Marquês com uma semana de antecedência.

[Continua ou talvez não]

terça-feira, 30 de abril de 2024

Gyökeres quer e a obra nasce, ponto final

A vergonha tem ou deve ter limites. Há ou deve haver limites para se escreverem crónicas de jogos que não se vêem. Em [grande] parte, este jogo [do Sporting] contra o Porto foi mais um deles. Passei o fim-de-semana com uns amigos e amigas do tempo da universidade e do Instituto Superior de Agronomia em Ermidas do Sado. Regressei no domingo à tarde, ainda assim a tempo de ver os últimos vinte minutos do jogo. 

O jogo jogado não parecia concordar com o resultado [estávamos a perder por dois a zero]. Tínhamos a bola enquanto o Porto apenas corria atrás dela, nada de mais frustrante [e cansativo, para o corpo e para a mente]. Quando a perdíamos, rapidamente a recuperávamos. Atacávamos uma e outra vez, ininterruptamente. Não se criavam oportunidades, é um facto, mas havia insistência, persistência no ataque. Um golo podia baralhar o jogo, mudar tudo, era o que pensava ou desejava, o que os sportinguistas também pensavam ou desejavam. O pensamento, o pensamento analítico e a fé andam a par no futebol, no Sporting ou noutro clube qualquer.

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, disse-nos Fernando Pessoa. Não foi muito específico, convenhamos. Não parece razoável seguir uma lógica sequencial tão exigente em todas as circunstâncias, nem andar a incomodar Deus por tudo e por nada [muito menos com o futebol]. Há lógicas e sequências mais simples: no Sporting, o Gyökeres quer e a obra nasce, ponto final. Quis uma, quis duas e não pôde querer mais porque o Edwards não queria [de todo] e foi-se embora mais cedo. De uma derrota humilhante passou-se a um empate honroso em menos de um fósforo e o campeonato ficou ao virar da esquina. 

[Esta semana vou voltar a não ver o jogo, mas a escrever a habitual crónica desse jogo que não verei. É preciso continuar até ao fim, a não ver jogo atrás de jogo, mas a escrever crónica atrás de crónica de jogos que não vejo. Em equipa que ganha não se mexe e não, não estamos em tempos de arrependimentos] 

terça-feira, 23 de abril de 2024

Foi bonita a festa, pá

Conforme a época se aproxima do seu final e como perante factos não há argumentos, instalou-se uma certa resignação no futebol português, dando-se o título de campeão por entregue [e não se falando mais nisso]. Vai-se tentando destabilizar a preparação da próxima época do Sporting e pouco mais, com esta ou aquela transferência, incluindo a transferência do Rúben Amorim para o Liverpool [até ver, porque hoje também se falava no West Ham]. Neste jogo de domingo, contra o Vitória de Guimarães, estranhei, portanto, que a equipa não entrasse no estádio de camisola vermelha com publicidade ao Standard Chartered Bank. Percebi, então, que o jogo sempre era em Alvalade [e não em Anfield] e os adeptos continuavam a cantar o “My Way” [e não o “You'll Never Walk Alone”].

O Estádio de Alvalade está a transformar-se na Disneylândia ou na Feira Popular: abanam-se os telemóveis com a lanterna ligada, faz-se a onda ou a “Hola” Mexicana, grita-se, grita-se muito e festeja-se, festeja-se ainda mais, golo após golo até à vitória final. É pena que não se possam fazer piqueniques em Alvalade pois não faltariam famílias deitadas em mantas comendo pasteis de bacalhau e rissóis de camarão e desfazendo paulatinamente uma asa de frango de churrasco atrás de outra. Há alegria, mas é uma alegria tranquila, sem ansiedades. Há uma normalidade tão, mas tão normal, que até o Gyökeres resolveu molhar a sopa outra vez [duas vezes, aliás] para que essa normalidade fosse a mais normal possível. Não, não há notícias e essa é a boa notícia.

Os primeiros vinte e vinte cinco minutos ainda ameaçaram coisa um pouco diferente. A bola parecia que não queria andar e os jogadores também não. O torpor sportinguista foi de tal forma que o Vitória de Guimarães foi a primeira equipa a rematar com perigo à baliza [do Sporting]. O Bragança irritou-se com este arrojo vimaranense [não me lembrava de alguma vez ter recorrido a esta expressão] e resolveu fazer das suas [das dele, salvo seja]. Foi à esquerda do ataque fazer um centro tenso ao segundo poste, onde apareceu o Geny Catamo a receber a bola, a simular, a rematar e a acertar num defesa que estava especado na linha de baliza. Pediu a bola dentro da área, recebeu-a com o pé, atrapalhou-se com dois defesas e ressaltou para o Pedro Gonçalves a encostar para o primeiro golo. A acabar a primeira parte, o “tiki-taka” entre o Hjulmand, o Pedro Gonçalves e o Bragança acabou com uma bojarda do Gyökeres para o segundo golo.

No início da segunda parte, o Pedro Gonçalves desmarcou o Trincão dentro da área que, depois de uma receção excecional, passou para o Gyökeres empurrar a bola para a baliza e fazer o três a zero. O Vitória de Guimarães rendeu-se. O jogo estava resolvido, mas os adeptos e espectadores tinham adquirido bilhete para o tempo todo, para toda a segunda parte também. Como não havia necessidade de continuar a jogar à bola como se disso dependesse o resultado, a festa ficou ainda mais bonita [estava para acrescentar o “pá” do Chico Buarque]. Não faz sentido continuar a analisar a segunda parte, pois seria uma análise sobre a festa e as suas sociabilidades sportinguistas. Importante, importante é não nos confundirmos e confundirmos a festa dos adeptos com a festa dos jogadores e da equipa técnica. Esta festa [ainda] não tem razão de ser. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. É preciso continuar jogo a jogo, crónica a crónica, pois nada está decidido até tudo estar decidido.

sábado, 20 de abril de 2024

Estado da nação

 

Não há nada de invulgar nas notícias que desbaratam o plantel do Sporting, incluindo arredores e áreas adjacentes, como barracões velhos vendidos para o Liverpool ou o Arsenal de Londres. A única coisa verdadeiramente excepcional são estas notícias nascerem velhas, isto é, copiadas de outras, igualmente com os pés para a cova. Estamos em condições especiais de informar os sportinguistas sobre o verdadeiro estado da nação:

Antonio Adán: lesionado e quase vendido para uma liga de veteranos.

Franco Israel: possíveis interessados não faltam (isto não quer dizer nada mas ouve-se muito).

Ricardo Esgaio: Na iminência de ser vendido (risos).

Gonçalo Inácio: vendido desde o ano passado - não se sabe quem tem jogado em seu lugar.

Ousmane Diomande: vendido pelo menos desde a última CAN – substituído por um primo muito parecido, sem que se note grande diferença.

Jerry St. Juste: após a leitura de “A Rota da Porcelana”, livro escrito por Edmund de Waal, percebendo semelhanças com o seu própria trajecto, decide produzir e protagonizar uma série baseada no livro e na sua experiência, apenas não se sabendo se alguma lesão o impedirá de cumprir esse ensejo, fazendo justiça à sua fragilidade e beleza intrínsecas.

Eduardo Quaresma: Após aquela comemoração do golo contra ao Braga, Quaresma deveria ser parte da mobília, embora se saiba que até os barracões estão de partida.

Sebastián Coates: só sai quando aprender a falar qualquer coisa em português, como nomeadamente ou geringonça.

Luís Neto: coach de mística futeboleira e psicologia positiva, escreverá livros e verá o seu podcast correr mundo sem sair do banco.

Iván Fresneda: místico, perdão, futebolista espanhol: vende-se!

Nuno Santos: vendido ainda com o penteado antigo, isto é, sem cabelo.

Geny Catamo: vendido sem estar ainda comprado.

Matheus Reis: possíveis interessados não faltarão (assim é mais compreensível).

Morten Hjulmand: vendido.

Hidemasa Morita: 売られた

Daniel Bragança: vendido ao CDS (só pode ser pelo cabelo à foda-se).

Koba Koindredi: procura-se.

Pedro Gonçalves: a caminho da selecção de Trás-os-Montes.

Trincão: como diria o Jardel: um clássico é um clássico e vice-versa: vendido!

Marcus Edwards: como diria o Ronaldo: sem disciplina o talento não serve para nada: vende-se.   

Viktor Gyökeres: Gyökeres: vendido, várias vezes. Quem tem jogado é o Viktor com os resultados que se sabem.

Paulinho jogador: alvo de várias abordagens - fica nem que seja a roupeiro.

Paulinho roupeiro: recusa receber quaisquer emissários Árabes e de países com línguas esquisitas, diz que o seu coração não tem preço, embora vá a caminho de um pacemaker.

Rúben Amorim: desconhecido treinador sem habilitações vai a caminho de três ou quatro clubes de futebol (talvez os mesmos que tem comprado os barracões velhos), de duas agremiações de bairro e de um grupo de seminaristas com provas dadas na formação. Diz-se que são tantas as assinaturas que um imbróglio judicial se avizinha.

Hugo Viana: está em negociações consigo próprio e possivelmente com outros.

Todos os caminhos vão dar a Alvalade!

 

(tenho faltado aos treinos por razões profissionais e pessoais, afinal o plantel o ano passado passou para três elementos – todos em negociações para sair, vamos ver como corre daqui para a frente).

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Sem desculpas

Esgotadas as desculpas [que dava a mim próprio] para não ver os jogos do Sporting, mandei fazer a revisão ao “pacemaker” e fiz-me ao caminho, isto é, preparei-me para ver o jogo [do Sporting] contra o Famalicão. Os primeiros trinta ou trinta e cinco minutos foram entediantes, com o Sporting permanentemente a atacar e o Famalicão a defender como podia e não podia [ou não devia, mas podia]. O Pedro Gonçalves marcou um golo e um defesa não gostou e marcou-lhe os pitões no peito do pé um pouco mais tarde. 

Cada um marca o que pode e como pode e a mais não é obrigado. Os comentadores descreveram e explicaram muito bem explicadinha a calcadela [ou o calcão] no Pedro Gonçalves, não dispensando abundantes referências geográficas e anatómicas, embora esse diagnóstico não tivesse produzido qualquer conclusão prática [a palavra “penalty” não deve fazer parte do livro de estilo]. O árbitro não viu ou viu assim-assim e ficou à espera do que o vídeo-arbitro, o ajudante do vídeo-árbitro e o ajudante do ajudante do vídeo-árbitro pudessem ter visto. Não ficámos a saber se tinham [ou não] visto e o que tinham visto, se viram alguma coisa, mas não deixarão de nos explicar um dia destes, num programa de televisão perto de si. 

A partir dessa primeira meia hora, os jogadores do Famalicão passaram a padecer de uma doença com sintomas um pouco estranhos. Quando se aproximavam de um jogador do Sporting atiravam-se para o chão, rebolando agarrados à cara. Admiti que se tratava de uma doença contagiosa dos jogadores do Sporting e essa seria a razão para os amarelos que o árbitro lhes foi mostrando, sabendo [como sabe e todos sabemos] que o Rúben Amorim os substituiria na primeira oportunidade e eliminaria o risco de propagação da doença.

Na segunda parte, os jogadores do Famalicão vieram mais rijos e espevitados enquanto os do Sporting pareciam mais cansados e expetantes. Podia continuar neste ramerrame, descrevendo a inconsequência do Famalicão e a aflição do Sporting na segunda parte e como o resultado permaneceu. Poder, podia, mas não é fácil falar sobre tudo e sobre nada só para encher chouriços e cumprir esta promessa de continuar, jogo após jogo, a escrever crónica após crónica até ao final do campeonato. Faltam cinco jogos, cinco crónicas.

[Conforme este ou aquele jogador se foi destacando, assim a imprensa lhe foi arranjando destino para a próxima época. Pouco a pouco, deixaram de existir jogadores disponíveis para mais e mais notícias, mais e mais transferências. Sobrava o Rúben Amorim, mas até a ele já lhe arranjaram destino. O futebol, o jogo, pode esperar, enquanto se discute mais esta transferência]  

terça-feira, 16 de abril de 2024

Novo ansiolítico

“Não te esqueças de escrever o post sobre o jogo [do Sporting contra o Gil Vicente] que não viste”, foi a mensagem que recebi hoje, pela manhã. Não ver um jogo, não ler um livro ou não assistir a uma peça de teatro não é razão para não se falar como se se tivesse visto, lido ou assistido, embora não se deva começar por o admitir [como é este o caso]. Jogo a jogo, crónica a crónica, eu e Rúben Amorim começamos a ser um caso de estudo [muito] sério. É possível ganhar sem o Rúben Amorim? É possível ganhar o jogo seguinte sem a minha crónica do anterior? Ninguém quer arriscar, pois há coisas com as quais não se brinca, independentemente de o respeitinho ser muito bonito.

O chouriço vai-se enchendo sem se dizer coisa com coisa. Setecentos e vinte e sete caracteres [já] estão escritos e ainda não falei do jogo [que não vi]. No entanto, a paciência do leitor também tem limites e não se deve abusar. 

Não vi o jogo em direto, mas vi-o depois, em diferido, como se costuma dizer. Vi-o enquanto dormitava [na segunda parte, especialmente] e, portanto, foi como se não o tivesse realmente visto [na mesma]. O Nuno Santos está castigado, logo joga o Esgaio do lado esquerdo, a solução mais simples, mais óbvia. O Hjulmand também está castigado, logo joga o Daniel Bragança como se sempre tivesse sido titular. O Quaresma anda amuado por ter perdido a titularidade? Mete-se o rapaz e guarda-se o St. Juste para o jogo seguinte. O Coates está cansado? Mete-se o Diomandé e guarda-se igualmente o capitão para o jogo seguinte. Tudo muda, tudo permanece [na mesma]. Marcámos quatro na primeira parte e desistimos [ou descansámos, o que vai dar ao mesmo]. A única notícia é a não existência de notícias ou a notícia de que o Gyokeres não marcou [ou marcou, mas foi considerado autogolo do guarda-redes, como se fosse ele a cabecear para a sua própria baliza].

Há quem tenha insónias ou dificuldades em adormecer. Há medicamentos que ajudam a conciliar o sono e permitem um sono retemperador. Os nomes são [re]conhecidos. A partir de sexta-feira, o "Gil Vicente vs Sporting" passou a estar disponível para esse efeito. Há em gotas, em pomada ou em comprimidos. É remédio santo. 

[Este jogo foi um Lexotan, um Xanax ou um Sedoxil, mas desengane-se quem pense que também vai ser assim hoje, mais logo, contra o Famalicão. Difícil ou fácil pouco importa. O que importa, o que verdadeiramente importa é a vitória e, quanto isso, fiz a minha parte]  

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Um final feliz ou um guião que se escreveu sozinho

Vi a primeira parte do jogo [do Sporting] contra o Benfica para o campeonato no passado sábado. Não aguentei ver mais [vi a segunda depois do jogo acabar, em diferido]. Uns tantos árbitros portugueses conseguem transformar qualquer jogo num martírio, num suplício, tantas são as falta e faltinhas e os amarelos e vermelhos que tanto se mostram como se escondem. Nesta arte de arbitrar a toda a sela, o Artur Soares Dias é o “pináculo da perfeição”, como diria o Miguel Araújo, se tivesse que escrever uma canção. 

O jogo deixa de ser jogo e passa a filme de suspense, a “thriller”. Apita uma falta e ficamos a pensar se naquela considerou [mesmo] falta ou se é compensação pela outra que marcou à equipa contrária ou que não marcou à mesma equipa. Uma simulação corresponde a um amarelo, mas na simulação seguinte é falta ao contrário, sem amarelo. Deixa uma pista aqui, outra acolá e os espetadores que se desenrasquem a entender o enredo, embora o enredo não tenha princípio nem fim, sendo construído conforme as filmagens se vão desenrolando. Os factos confundem-se com as interpretações para que a ficção [o filme] possa começar a emergir. 

Os jogadores participam com vontade, mas ninguém lhes explicou que não são os artistas principais. Estão habituados a ser protagonistas, procuram comportar-se como protagonistas [mesmo quando desatam à chapada uns aos outros] e continuam a parecer os protagonistas para os menos avisados. O protagonista é um e um só e não, não partilha o palco com mais ninguém, nem com o vídeo-árbitro. O jogo é uma amálgama de cenas, de “takes” e de “frames” que a cada um compete editar ou montar, o melhor que saiba e possa. O resultado é o do costume porque o futebol português não precisa de emoção, de surpresa. Acabado o jogo vêm as explicações e as culpas e cada um procura a melhor explicação e distribuir as culpas e, assim, se constroem heróis e vilões.

Às vezes o guião foge ao guionista. Há três anos, um piscar de olhos maroto de dois miúdos [Matheus Nunes e Pedro Porro] mudou o enredo e o resultado. No sábado, um miúdo moçambicano encheu-se de fé e, como todo um estádio gritava, rematou com o pé trocado e trocou as voltas ao destino. De tempos a tempos, há quem acredite, jogo a jogo, que pode determinar o final e fazê-lo feliz.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Caminhando pela noite dentro

Não vi o jogo da segunda mão da Taça de Portugal [do Sporting] contra o Benfica ou não o vi em direto, melhor dizendo. Não estava com os melhores dos pressentimentos e resolvi dar uma volta a pé pela cidade, cumprindo o ritual dos dez mil passos diários a que me obriguei. Foi um dia frio e chuvoso e, à noite, embora deixando de chover, o tempo manteve-se frio e a ameaçar mais uma bátega a qualquer momento. Praticamente não se via vivalma ou um simples automóvel a passar e o silêncio revelava uma cidade suspensa no tempo enquanto o jogo decorria.

Com o telemóvel sem som, sem som de notificações, procurava interpretar o silêncio ou este ou aquele ruído, por mais reduzido que fosse. A meio do passeio noturno consultei a aplicação que mede os passos e a [extensão da] deslocação. Vi que tinha umas mensagens de uns amigos. Embora uma ou outra fosse mais enigmática, parecia haver uma crescente euforia. Não resisti e consultei o resultado: as equipas estavam empatadas, dois a dois. Conclui o resto do passeio com os sentidos ainda mais alerta. Não havia barulho e sem barulho o Benfica não podia estar à frente da eliminatória, mas podia tê-la empatado. 

Conforme me aproximava de casa, começou a aparecer um ou outro automóvel e uma ou outra pessoa a fazer o habitual passeio noturno com o cão pela trela. O jogo parecia ter-se concluído e continuava a não haver barulho numa terra de benfiquistas. Dois mais dois costumam ser igual a quatro, mas no futebol e no futebol português pode ser o que um homem quiser, se o homem tiver um apito na boca. Só quando cheguei a casa é que voltei a olhar para o telemóvel. Tinha mais uma série de mensagens de amigos e numa delas viam-se a festejar. 

Sentei-me e vi o jogo do início. A primeira parte foi do Benfica e a segunda mais repartida, com o Sporting a criar as melhores oportunidades de golo [dois golos e dois remates com o Gyökeres e o Paulinho isolados] e o Benfica a dispor da bola [mais tempo] e a atacar mais. Vi [e ouvi] a conferência de imprensa do Rúben Amorim. Interpretou bem o jogo a meu ver. O Benfica pressionou e pressionou bem e o Sporting teve dificuldades em circular a bola até se libertar para o ataque. O Benfica teve mérito, mas, sem o Pedro Gonçalves [e o Paulinho no seu lugar] e o Trincão em modo complicativo, a jogar para o seu umbigo, era certo e sabido que [mais cedo do que tarde] o Benfica recuperava a bola e intensificava a pressão. 

Com as substituições ao intervalo, o Sporting conseguiu libertar-se [mais] para o ataque, pelo Geny Catamo, baralhando as marcações da defesa e do meio-campo e deixando [mais] soltos o Gyökeres e o Paulinho. O Benfica insistia uma e outra vez nas jogadas pelo lado direito do ataque, onde o lateral direito [Bah] combinava bem com o Di Maria, neutralizando o Matheus Reis, nem sempre bem ajudado pelo Bragança ou pelo Morita por dentro, aparecendo o Neres a arrastar ainda a marcação do Inácio e abrindo a defesa para exploração de uma qualquer penetração do Rafa ou de um centro para o segundo poste. Conforme o tempo ia passando, o Benfica queria, mas não podia [nem conseguia, muito menos], o Sporting não queria ou queria, tão-só, que o jogo acabasse. 

[Tratou-se de uma boa partida de futebol porque o árbitro deixou jogar, apesar das permanentes simulações do Di Maria ou do Rafa. É estranho, muito estranho mesmo. Sportinguista escaldado de água fria tem medo e, portanto, atenção, muita atenção à arbitragem do próximo jogo no sábado] 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Assim e em forma de assim

Depois de alguns jogos, voltei ao Flávio para ver o Sporting contra o Estrela da Amadora. Costuma dizer-se que não se deve regressar onde se foi feliz. No Flávio já fui feliz, infeliz e nem feliz nem infeliz e, assim, posso sempre regressar. A média aritmética desta [in]felicidade é uma coisa em forma de assim, como diria o Alexandre O'Neill. No Flávio, o meu estado [de espírito] médio é este e o estado médio do futebol português não é melhor. Não havia razão para este jogo ser melhor do que a média, isto é, para que este jogo não fosse uma coisa em forma de assim também.

O início foi auspicioso: canto a favor do Estrela da Amadora, centro [tenso] ao primeiro poste, ninguém ataca a bola com determinação, ela passa e o Franco Israel sai da baliza para evitar o pior e consegue fazer pior do que o pior que pairava na sua cabeça quando decidiu o que decidiu. Se se sofre um golo deve-se sofrê-lo da forma mais inexplicável possível para que não se corra o risco de ser classificado como frango. O soco na bola foi efetuado de tal forma que gerou um efeito que, em vez de a projetar para a frente, levou-a a embater no poste da própria balizar e a permitir um cabeceamento, na recarga, para o primeiro golo [do Estrela da Amadora]. O Franco Israel propocionou-nos uma autêntica aula de física aplicada, uma aula de engenharia.

A resposta foi imediata. Havia um jogador de risco ao meio muito parecido com o João Félix. Tinha jogado do Barcelona, aliás. Um pastelão com fintas e fintinhas até perder a bola e nos fazer perder a paciência. Embora seja muito parecido, com o mesmo risco ao meio e tudo, há um jogador novo [Trincão, de seu nome] que não está para brincadeiras e joga como se não houvesse amanhã. Pegou no jogo e só descansou depois de lhe dar a volta, depois de o virar do avesso. Centro para a entrada da pequena área e cabeçada do Paulinho para o primeiro golo. Corrida em ziguezague pelo meio-campo fora, remate colocado à entrada da área, guarda-redes a defender como podia e Nuno Santos a empurrar a bola para a baliza. Em pouco tempo, em pouco mais de um quarto de hora, estávamos a ganhar por dois a um e a aguardar que o Gyökeres [também] molhasse a sopa, como habitualmente.

Na segunda parte, mais minuto, menos minuto, esperava-se pelo golo fatal, o golo da confirmação. Estranhamente, o Trincão, o tal rapaz novo, foi substituído pelo João Félix ou por outro do mesmo género [de risco ao meio]. Por isto ou por aquilo, por falta de jeito, por jeito a mais, o golo não apareceu e foi-se instalando a ansiedade que sempre antecede o “acontecer Sporting”. Sem direito a dois ou três “penalties”, Rúben Amorim teve que fazer as substituições que se impunham e o assunto do jogo passou a ser a possibilidade de uns tantos levarem cartão amarelo e ficarem indisponíveis para o jogo que se segue, contra o Benfica. A preponderância deste tema na análise antes, durante e após o jogo é bem reveladora do tal futebol luso em forma de assim. E foi assim e em forma de assim que o Sporting geriu o jogo até ao final sem um susto, um tremelique ou um remate do Estrela da Amadora.  

[Mais vale tarde do que nunca. Continuamos jogo a jogo, crónica a crónica, mais “penalty”, menos “penalty” do Benfica, mais confusão, menos confusão do Porto, mais árbitro, menos árbitro. É sempre assim, é sempre em forma de assim, é sempre esta estranha forma de vida] 

terça-feira, 19 de março de 2024

Narrativas

Cada jogo é um jogo e um jogo é um jogo, envolve aleatoriedade, sorte ou azar. No entanto, não se escrevem sucessivas crónicas sobre os jogos [do Sporting] sem uma narrativa que os integre, que lhes dê um sentido [de conjunto]. Essa narrativa está presente quando se vê um jogo e esse jogo não é compressível por si, sem uma interpretação dos jogos que o precederam e um exercício de prospetiva sobre aqueles que lhe irão suceder. Escreve-se a crónica de um jogo a pensar nos anteriores e nos que se seguirão. O objetivo é ter sempre razão, [re]interpretando o passado ou antecipando futuros  desejáveis [sempre que possíveis].   

Nesta altura, perguntar-se-ão sobre a razão de ser destes prolegómenos. Uma das principais razões é a necessidade de encher chouriços. Uma crónica de um jogo também é um chouriço. Nem sempre os jogos proporcionam as melhores partes do porco, mas tem que se encher o chouriço seja como for [e se não for possível encher um chouriço, enche-se uma alheira ou uma morcela]. Há jogos que não dão para mais do que um [metafórico] chouriço, é um facto. Outra razão [pueril também] é que pode fazer sentido dizer o que se vai dizer a partir do que disse ou a pensar no que [hipoteticamente] se vai dizer a propósito dos próximos jogos. Esta crónica não deixa de ser um chouriço, mas também não é plenamente compreensível sem a leitura das crónicas anteriores, especialmente das duas ou três últimas.

Essas crónicas deixaram [boas] pistas para o que ia acontecer neste jogo [do Sporting] contra o Boavista. A intervenção [um pouco] despropositada do Franco Israel no primeiro golo, o golo do Boavista, consolida a narrativa que se tinha construído. Essa narrativa é consolidada também no nervoso miudinhos dos jogadores e do Rúben Amorim após o golo, na embirração do árbitro, na asfixia do adversário até ao mata-leão, que permitiu o empate ainda antes do intervalo, na disponibilidade física da equipa e, especialmente, do Gyökeres para ir terraplanando o adversário até à sua capitulação. 

Quando se ganha por seis a um, não há muito [mais] para contar. O resultado autoexplica-se. O que talvez não seja simples de explicar é a substituição do Hjulmand [ao intervalo]. Quem tem um amarelo corre o risco de levar o segundo e deixar a sua equipa a jogar com menos um, foi assim que o Rúben Amorim explicou. Este texto dispõe de um subtexto, para nós, quem tem um amarelo num lance que não comete falta, que sofre falta, que é agredido sem que o adversário seja expulso, não pode disputar mais nenhum lance ou não acaba o jogo. Nós [adeptos do Sporting] achamos normal, a imprensa também. Mas como é que se explica esta normalidade ao Hjulmand? Em português de Portugal compreende-se bem, mas em dinamarquês da Dinamarca também? 

sábado, 16 de março de 2024

Desistir

Hoje, durante o princípio da tarde, acabei de ler “Desistir”, de Annie Duke, ex-investigadora na Universidade da Pensilvânia, ex-jogadora profissional de póquer [ganhou o “World Series of Poker”, seja isso o que for] e consultora de empresas. É de desconfiar de um livro que nos ensina a desistir e do qual não se desiste [de ler]. Esquecendo esta [legítima] desconfiança, é verdade que temos propensão para valorizar quem persiste, quem não desiste, quem é determinado, quando a coragem está na desistência, com [muita] frequência. Não nos damos conta de custos irrecuperáveis de tempo, de dinheiro ou de esperança [os economistas costumam designá-los por custos afundados] que não devem ser considerados na decisão de persistir ou de desistir. 

As competições europeias dispõem desses custos irrecuperáveis e as equipas, os treinadores e os adeptos não se dão conta. O Sporting passou a fase de grupos da Liga Europa, eliminou o Young Boys nos dezasseis-avos de final e encontrava-se no jogo da segunda mão dos oitavos de final, depois de empatar na primeira. Este esforço, este sucesso não produz qualquer efeito nas eliminatórias seguintes e numa [eventual] vitória final, quando ainda estão nesta competição o Liverpool, o Leverkusen ou o Milão. Desistir não constitui uma decisão absoluta, é [só] a melhor forma de escolher as coisas certas em que vale a pena insistir. Mas como atirar para trás das costas este passado e tomar a decisão certa? O Rúben Amorim sempre foi dizendo que a prioridade era o campeonato, que era preciso gerir a equipa e o esforço dos jogadores, blá-blá-blá. Para bom entendedor!...

Os jogadores seguiram à risca estas prioridades. Começaram devagar, devagarinho, como quem espera o fim da contagem dos votos dos círculos da emigração, as conversas do Presidente da República com os partidos políticos, a indigitação de novo primeiro-ministro, a formação de novo governo, a aprovação do orçamento retificativo, o aumento dos polícias para, por fim, se jogar contra o Famalicão. A equipa do Atalanta falhou duas oportunidades seguidas e os custos irrecuperáveis voltaram à memória dos jogadores. Zás-pás-traz e estávamos a ganhar por um a zero, com golo de Pedro Gonçalves, depois de assistência do Zicky Té, desculpem, do Gyökeres. Um golo com festejos menos animados do que alguns rituais fúnebres, quando se percebeu que o Pedro Gonçalves se tinha lesionado. A melhor maneira de desistir é estabelecer critérios de aniquilação, isto é, definir os objetivos que permitem medir o sucesso a curto, médio e longo prazo “a menos que”. Ficou evidente [para quem não tinha compreendido], que estávamos dispostos a ganhar o jogo e a eliminatória “a menos que” ficássemos com metade da equipa para o resto da época.

O intervalo serviu para refrescar a memória dos jogadores quanto às prioridades e aos critérios de aniquilação. Não se estranha, portanto, que aos quarenta segundos da segunda parte o St. Juste falhe o alívio e o Esgaio deixe o avançado do Atalanta passar-lhe por entre as pernas, ficando à sua frente e marcando o empate. Poucos minutos depois, o Inácio oferece a bola a um adversário, o Diomande fica petrificado e o St. Juste resolve colocar em jogo um avançado [marcantemente] tatuado para que pudesse fazer o dois a um. Uma parte da desistência estava consumada, mas ainda faltava muito tempo para o jogo acabar. Há quem ache que o Edwards e o Paulinho falharam umas três ou quatro oportunidade de golo. Não acho. Acho, sim, que estavam focados no campeonato e é difícil estar focado no campeonato e marcar golos a uma equipa com camisola azul às riscas pretas. À conta desta brincadeira, ainda íamos matando de ataque cardíaco a rapaziada de Bérgamo.

Os melhores jogadores de póquer são aqueles que mais mãos largam, que mais desistem. Na batalha [psicológica] entre segurar ou largar, os amadores seguram, enquanto os profissionais largam. O Rúben Amorim largou esta mão. Só os amadores é que seguram [sempre] para não perderem a oportunidade de confirmar se a deviam ter segurado ou largado, mesmo que as probabilidades estejam todas contra eles, chamando-se Liverpool, Leverkusen ou Milão. 

terça-feira, 12 de março de 2024

Nouvelle vague

Ontem, fui ao Theatro Circo ver “O Desprezo”, realizado por Jean-Luc Godard, com a inesquecível Brigitte Bardot. Anteontem, no domingo, vi o jogo [do Sporting] contra o Arouca. Em dois dias seguidos, vi duas obras de autor. Sim, sem dúvida, o Ruben Amorim [também] pertence à “nouvelle vague”, não a dos anos sessenta do século passado, mas a que inclui o Jürgen Klopp ou o Pep Guardiola. O jogo foi pensado como se de um guião de um filme se tratasse e os atores representaram os papeis que deles se esperava, tanto os do Sporting, como os do Arouca. Impressiona a capacidade de determinar o [próprio] jogo da sua equipa e, ao determiná-lo, determinar o jogo da equipa adversária. Enquanto uns [os do Sporting] representaram voluntaria e conscientemente, outros [os do Arouca] fizeram-no de forma involuntária e inconsciente ou como de simples figurantes se tratassem. O guião não podia deixar de considerar ainda o cenário, aquele campo [de futebol] elegível às ajudas agroambientais da Política Agrícola Comum.

A equipa do Sporting entrou a pressionar e a procurar marcar um golo enquanto o campo permitisse um futebol [razoavelmente] funcional. Marcou [pelo inevitável Gyökeres] e entregou a bola ao Arouca, para evitar contra-ataques e outros males [maiores]. Sem as habituais transições ofensivas, o Arouca tentou, porfiou, mas inconseguiu. Em todo o jogo, a equipa do Sporting cometeu uma falha, concedeu uma única abébia, que permitiu uma grande defesa ao Franco Israel. Essa capacidade de condicionar o jogo ofensivo do adversário e, assim, do expor aos sucessivos contra-ataques constituiu o essencial do guião. O resultado [só] ficou definido nos descontos, mas muito golo se desperdiçou e muita falta e fora-de-jogo preventivo se assinalou. E não, não esquecer o estado do campo: com um John Deere ou um Massey Ferguson na frente não precisávamos de esperar até ao último minuto para, enfim, descansar. 

[Depois do jogo, qualquer sondagem daria o Sporting como campeão. Como ficámos a saber no domingo também, as sondagens têm margens de erro e, portanto, prognósticos só final, parafraseando o João Pinto. No final, alguém ganhará ou talvez não. Portanto, é preciso continuar jogo após jogo, crónica após crónica, mesmo quando a inspiração falta ou a vontade é pouca ou nenhuma] 

sexta-feira, 8 de março de 2024

Ocupação de tempos livres

Havia [e não sei se continua a haver] os campeonatos do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres, ou INATEL, que substituiu a Fundação Nacional para Alegria no Trabalho, ou FNAT, do Estado Novo. Um jogo entre bancários, entre os do Banco Nacional Ultramarino e os do Banco Borges & Irmão, por exemplo, constituía uma oportunidade para levar os netos à bola e cavaquear com os amigos e antigos colegas de trabalho. As pessoas enquanto comunidades [auto] organizavam-se para a ocupação dos tempos livres e se relacionarem entre si. 

A transformação de tudo e mais um par de botas em entretenimento [este conceito onde tudo cabe, até a política ou a literatura] trouxe o mercado ou a economia para a relação entre as pessoas, entre pais e filhos, avós e netos, amigos ou colegas. No futebol, a UEFA e a FIFA dispõem do monopólio da organização da ocupação de tempos livres e da relação entre as pessoas [que deixam de ser pessoas para ser adeptos], às escalas europeia e mundial, respetivamente. A Liga Europa é um dos produtos desenvolvidos pela UEFA para esse efeito. Os [hipotéticos] vencedores encontram-se circunscritos e os jogos a meio da semana servem para diminuir o tédio ou a melancolia.   

O jogo [do Sporting] contra o Atalanta a meio da tarde de quarta-feira dispõe deste enquadramento. Vê-se um jogo destes quando se está na reforma e se acaba de ir buscar os netos à escola. Combina-se com os amigos da velha guarda umas bejecas e sandes de courato ou entremeada. No fim, bem, no fim ganha-se sempre, independentemente do resultado, ganha-se companhia, ganha-se alegria. 

Não estou reformado e, portanto, não vi o jogo [ou só vi os últimos dez minutos]. No final do dia, vi um resumo alargado [na televisão]. Dois ou três apontamentos ficaram na minha cabeça. A suprema humilhação de fazer engolir um golo do Paulinho ao lanche sem uma sandes a empurrar nem nada. A convicção de que, com a lesão do Adán, temos guarda-redes, isto é, temos um jogador com camisola diferente dos demais e a jogar a bola com as mãos à vontade. As hesitações são mais do que muitas; não sai à bola sempre que ela é metida por alto [num canto ou num qualquer outro centro]; a jogar com os pés constitui o principal avançado adversário. Para ser justo, também se precisa de dizer que tem reflexos e elasticidade excecionais. 

Com o empate, a eliminatória fica em aberto. Se a Liga Europa não interessa nem ao Menino Jesus, talvez mais valesse tê-la fechado, na quarta-feira ou na eliminatória anterior. Na perspetiva da ocupação de tempos livres, talvez sirva para uma excursão a Bérgamo. Há muito para ver, para visitar, assim os netos estejam para aí virados.

[Continuo a cumprir a minha missão, jogo a jogo, crónica a crónica. Não há cansaço, não há lesões, não há desculpas]   

segunda-feira, 4 de março de 2024

Ganhámos o jogo contra o Farense, ufa!

O Ruben Amorim voltou a mexer na equipa neste jogo [do Sporting] contra o Farense. Mexeu e tinha de mexer ou acabava com os juniores no próximo jogo contra a Atalanta para a Liga Europa, na quarta-feira. Se estou que não posso e se estou como estou só de assistir e escrever umas baboseiras, imaginem o que seria jogar dia após dia como se não houvesse mais nada na vida que valesse a pena. O problema não está em mexer perante a necessidade de mexer; o problema é que os que saem parece que não estão com grande saúde e os que entram sofrem de gota.   

O Ruben Amorim começou pelo Eduardo Quaresma com sucesso. Passou para o Trincão com sucesso também. Agora não para de tentar ressuscitar todo e qualquer Lázaro que lhe apareça pela frente, seja um St. Juste, um Paulinho ou um Edwards, tanto faz. É possível ressuscitar um. É possível ressuscitar dois, desde que seja um de cada vez. A partir de dois, só com milagres e essa ainda não é matéria que conste dos cursos de treinadores. 

O Sporting transformou-se num centro de reabilitação, é um facto. Uns estão lesionados; outros estão para se lesionar; outros estão a recuperar de lesão. Ninguém está com boa cara. O Ruben Amorim não faz o que faz por que quer ou por que o deseje; faz o que faz por que não há outra coisa que possa fazer e o que tem de ser tem muita força, mas ainda não está ao seu alcance ressuscitar todos e, muito menos, de uma só vez.

Vamos ao que interessa: ganhámos o jogo contra o Farense, ufa! 

[O Benfica levou cinco no Dragão. Estamos em primeiros com um jogo em atraso ainda. Estou com mais esperança no Benfica ou no Porto do que em nós. Por mim, adiava-se o próximo jogo e depois se pensava se se adiava o seguinte também para ver se conseguíamos chegar ao fim em primeiros sem voltar a jogar. Era o regresso ao jogo a jogo, que tão bons resultados nos proprocinou, mas, agora, do Benfica ou do Porto] 

sábado, 2 de março de 2024

Onze contra dez e onze contra onze

Não vi o jogo em direto [do Sporting] contra o Benfica para as meias-finais da Taça de Portugal [tinha um jantar marcado]. Vi o jogo em diferido. Ver um jogo nestas circunstâncias não é a mesma coisa. Vai-se a emoção e fica a razão, que me perdoe o António Damásio por admitir que possa existir uma sem a outra e vice-versa. Sabendo-se o resultado, é como fazer uma autópsia ou dissecar o cadáver de um girino, como quando andava no ciclo preparatório. 

Nestas circunstâncias, não vale a pena chover no molhado e descrever as jogadas, os lances mais ou menos promissores, os golos. Dissecar pressupõe ciência, método científico, colocar hipótese de trabalho e procurar confirmá-las ou infirmá-las, enquanto se mantém a mente desperta para novas ideias, novas hipóteses e novas demandas. Fui vendo o jogo e arrumando estas análises muito bem arrumadinhas na minha cabeça.

O jogo inicia-se com uma nova ideia, que foi desenvolvida por diferentes analistas e comentadores, durante e após o jogo. Tudo começa na [suposta] falta do João Neves sobre o Pedro Gonçalves, que devia originar a marcação de “penalty”. Quem está habituado ao andebol ou ao basquetebol, conhece a regra que determina a marcação de falta ofensiva. Um defesa desloca-se para onde pensa que os avançados vão efetuar o ataque, estaciona lá e espera pacientemente que esbarrem nele. 

Neste caso, temos o inverso da falta ofensiva ao quadrado. Não é falta ofensiva, porque é o defesa [João Neves] que esbarra no avançado [Pedro Gonçalves] e não o contrário. Não é falta, à semelhança da falta ofensiva, porque os avançados não devem estar onde se possa esbarrar neles. Parafraseando João Catatau, é como as regras de trânsito: o atropelamento só constitui infração se for numa passadeira [fora das passadeiras, a responsabilidade é do peão, que não seguiu o conhecido conselho do “pare, escute e olhe” antes de atravessar a estrada].

Havia ainda as duas seguintes hipóteses de trabalho relacionadas entre si. Encontrando-se o Benfica a perder, o adversário passa automaticamente a jogar com menos um? Se assim não fosse, então, encontrando-se o Benfica a perder e continuando a jogar contra onze, também acaba sempre por não perder?

O Sporting marcou o primeiro e nenhum dos seus jogadores deixou o campo. Marcou o segundo e tudo continuou na mesma, nenhum dos seus jogadores abandonou o jogo também. Folheando o livro das regras, verifico que para se jogar contra dez, contra menos um, é necessário que o árbitro proceda à respetiva expulsão. Foi uma epifania. Interroguei-me: “Será que os árbitros andam a expulsar os adversários do Benfica? Será que os adversários andam a atropelar jogadores do Benfica nas passadeiras?”

Quanto à segunda pergunta, tive que esperar um bom bocado mais, tal foi o desperdício da rapaziada do Sporting. No final, onze contra onze, o Benfica perdeu. Talvez assim se perceba melhor a chinfrineira no final do jogo. Há [ou havia, melhor dizendo] uma lei do universo que determina que ou o árbitro expulsa um jogador da equipa adversária ou valida um golo irregular ao Benfica, como na época passada. O Benfica é que não pode perder, sejam onze contra dez ou onze contra onze. Ora, afinal parece que não existe [mais] tal lei do universo, que o Roger Schmidt sempre pode perder contra o Ruben Amorim. O que se seguirá? As alterações climáticas? O fim do Mundo?

[Continuo a minha saga do jogo a jogo, crónica a crónica até à vitória final. Se não houver vitória final, não me podem culpar de nada. Culpem as regras do João Catatau, mas a mim é que não]

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Mais, sempre mais

A continuar assim, não tarda a pedir uma licença sem vencimento para continuar a ver jogos atrás de jogos e a escrever crónicas atrás de crónicas ou a juntar-me aos polícias, militares, funcionários de repartição, médicos ou professores que lutam por melhores condições de trabalho. A FIFA e a Liga simplesmente não respeitam os tempos de descanso necessários para que os bloguistas ou blogueiros [ou “bloggers”, não sei bem] se possam recuperar para o jogo seguinte e a crónica seguinte. Não há novas formas de ver os jogos ou novas ideias jogo sim, jogo também, quando se está permanenentemente à beira do esgotamento, do colapso. Com dificuldades, com muitas dificuldades, confesso, vou tentar dizer qualquer coisa sobre o jogo [do Sporting] contra o Rio Ave sem chorar [e sem me rir também].  

Este [tipo de] jogo constitui um clássico época atrás de época. O Sporting e o Benfica estavam empatados. Na próxima jornada, o Benfica vai ao Dragão. Se o Sporting ganhasse hoje, a próxima jornada poderia ser [quase] definitiva para o encaminhamento do campeonato. Era preciso evitar males maiores [ou definitivos, melhor dizendo], salvaguardando os superiores interesses do futebol português e arredores. O jogo foi organizado para defesa desses superiores interesses e esses superiores interesses foram salvaguardados como se esperava e se planeara, mais "penalty", menos "penalty", mais cartão amarelo, menos cartão amarelo, mas sempre com muitas faltas e faltinhas. Um jogo difícil tornou-se, assim, impossível [e não, não vou falar do árbitro]. 

Na primeira parte, contra o vento, fizemos um jogo razoável. Foi possível fazer o jogo habitual, construindo a partir dos centrais e empurrando o Rio Ave para a defesa. Apesar disso, muitas transições ofensivas se permitiram e, logo na primeira, um chouriço transformou-se num golo [e não, não vou falar do árbitro]. O Sporting reagiu bem, empatou, passou para a frente e, bem, quando se ia para o intervalo, o árbitro marcou “penalty” a favor do Rio Ave [e não, não vou falar do árbitro]. O jogador queixou-se da cara, mas deve ter sido das nossas caras de parvos [e não da dele], quando vimos um defesa rachar a perna ao meio do Trincão sem que nada fosse assinalado [e não, não vou falar do árbitro].

Na segunda parte, demorámos quase meia-hora a perceber o que se estava a passar [e não, não vou falar do árbitro]. Com o Rio Ave a pressionar alto e o Sporting a insistir no mesmo modelo de jogo, nem a avó morria, nem a malta almoçava. Era preciso sentido de urgência e nada melhor do que ficar a perder [o Adán foi altruísta ao arranjar um “penalty” absolutamente estúpido só para acordar a equipa]. Em desespero, percebemos que a melhor forma de jogar era em desespero de causa. Com o vento a favor, era preciso jogar comprido e procurar ganhar na frente, a primeira ou a segunda bola [e não, não vou falar do árbitro], ultrapassando a pressão do Rio Ave. Com o Coates na frente, essa tática do tudo ao molho e fé em Deus tinha condições para resultar. Resultou uma vez e poderia ter resultado mais uma ou outra, mas não, não esperem que fale do árbitro, pois não vou falar do árbitro. Percebido?

Foram-se os anéis, mas sempre ficaram os dedos [até ver]. Com um jogo em atraso, continuamos a depender de nós [e do Porto também] para chegar ao fim do campeonato em primeiro. Quinta-feira há mais. Depois de quinta-feira, há mais ainda, no domingo. Depois de domingo, há ainda mais na quarta-feira seguinte. Há mais, sempre mais um jogo, mais uma crónica, até o médico deixar ou a família me internar.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Um clube de croquetes ou a arte de ganhar com educação, com respeito

Não é simples jogar contra equipas de países neutrais. Países desses, como a Suíça, não se metem em guerras, nem em escaramuças fronteiriças sequer. As respetivas equipas de futebol metem-se em disputas, mas não deixam de ser de um país neutral por essa [simples] razão, não deixam de ser o que é da sua natureza ser, se me faço entender. Parece existir uma contradição, um oxímoro, mas trata-se de conciliar opostos, tarefa que só está ao alcance de países mais desenvolvidas, países que praticam arco e flecha em maçãs colocadas no cocuruto da cabeça. 

No jogo em Berna, ainda não tínhamos concluído se o equipamento do Young Boys nos fazia ou não lembrar a Abelha Maia e já eles tinham tratado de um autogolo e de um “penalty”. A equipa do Sporting reagiu mal, muito mal e, sem qualquer consideração pela natureza do adversário e do respetivo país, tratou de somar dois golos a seu favor imediatamente. Ainda deixámos marcar um golo, mas vínhamos da fossanguice do nosso campeonato e não tardámos a marcar o três a um e acabar com o jogo e a eliminatória. Não, não foi bonito. Não, não temos razão para nos orgulhar. Esperava-se que, na segunda mão, nos soubéssemos comportar, que soubéssemos respeitar e dar-nos ao respeito.    

Ontem foi completamente diferente para melhor. Ainda começamos com a mesma fossanguice e marcámos um golo. Bem, depois fomos exemplares. Não marcámos mais nenhum golo, mas não foi isso ou só por isso: falhámos bem, consistentemente bem; o que não está ao alcance de qualquer equipa. O Edwards a meio metro da baliza enfia um biqueiro na bola com toda a força e ela praticamente não se mexe. O Daniel Bragança a meio metro da baliza também acerta com a bola nas pernas do guarda-redes. O Gyökeres, o infalível Gyökeres falha um “penalty” [até quem não estava a ver o jogo sabia para que lado ele o ia bater]. Por fim, a cereja no topo do bolo: o “penalty” que o Edwards tratou de arranjar num gesto de reciprocidade que lhe fica bem. Um empate, um empate nestes termos honra-nos, honra-nos muito. 

A equipa aprende, umas vezes mais depressa, outras mais devagar, mas aprende. Comporta-se como se deve comportar em circunstâncias como estas, quando joga contra equipas de países neutrais, de países mais desenvolvidos, não comendo de boca aberta nem enquanto fala e não lançando, assim, perdigotos em todas as direções e sentidos. Mas o próximo jogo é contra o Rio Ave. É preciso desaprender e reaprender o que estava apreendido. Não se espera da rapaziada das Caxinas estes salamaleques, este marque vossa excelência, marque vossa excelência primeiro, se faz favor. Ninguém nos vai pedir desculpas por nos marcar um golo. Ninguém nos vai oferecer nenhum golo para ser educado. A não ser que um desprendido benemérito na bancada tenha contratado esses salamaleques só porque sim, só porque é do Sporting e quer que o Sporting [sempre] vença.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

É dia de jogo ou de ir ao cinema, tanto faz!

Há Sun Tzu. Há von Clausewitz. Há estratégia, enfim. É absolutamente genial a ideia de criar um equipamento próprio para o jogo de ontem e, logo, de um equipamento igual ao da Académica [de Coimbra], do clube do nem sim, nem sopas, do assim-assim, do não me comprometas. Não, ninguém prejudica um velho clube de velhos aristocratas que não têm clube [ou têm, mas não querem dizer]. 

O árbitro só começou a vislumbrar este embuste quando o Gyökeres reclamou dos permanentes empurrões de um defesa do Moreirense. O árbitro olhou para ele e esse olhar encerrava o dilema espaço-tempo. Será que uma pessoa pode ser duas, pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, pode voltar ao passado, matar o avô e regressar ao presente? Sim, o ligeiro franzir do sobrolho era o espelho do que lhe ia na alma: “Se marco falta, se assinalo “penalty”, estou a admitir que o Gyökeres joga na Académica. Terá deixado o Sporting? Joga no Sporting e na Académica? Será possível? Não, não marco nada, não vou passar por tolo. Finjo que nem o estou a ver”.    

A baralhação, o caos inicial também nos ofereceu o primeiro golo. Vendo a sua equipa de verde e branco vestida e o adversário de equipamento negro, o jogador do Moreirense não teve dúvidas de que lado se encontrava: foi à bola com a mão, com o tronco, com a canela e não descansou enquanto não meteu a bola na baliza. Era golo do Sporting e ele era o Gyökeres ou assim pensava [ser]. Os comentadores da SporTv viram-se e desejaram-se para decidir se era golo ou autogolo tal era a baralhação, o caos. 

O segundo foi um excelente golo da Académica, desculpem, do Sporting. O Trincão [sim, o Trincão, estão a ler bem], domina de peito, passa para o Catamo, desmarca-se nas costas, recebe mais à frente, passa para a entrada do Pote que passa para a baliza e faz golo, sem que a sua melena tremesse, se desmanchasse um poucochinho que fosse. Ou ele ou Edwards? Desde os tempos do Restaurador Olex que não se assistia a um duelo assim, entre um cabelo liso e uma carapinha. A carapinha já conheceu melhores dias, já esteve [mais] na moda. O cabelo liso com risco ao meio começa a ser o preferido dos betos [e dos verdadeiros croquetes, é preciso que se diga].

Com o resultado feito, os jogadores do Sporting dedicaram-se a um jogo popular. Os centrais vão passando a bola de pé para pé, devagar, devagarinho. Os jogadores adversários e, em particular, os seus avançados ficam [inicialmente] expetantes. Continuando este rola que enrola, os adversários acabam por se passar da cabeça e partir à desfilada para roubar a bola. Fartos de saber que isso vai acontecer, mais tarde ou mais cedo, os centrais atrasam a bola ao guarda-redes e voltam a fazer o mesmo um pouco mais atrás. Outras vezes, passam para a frente, abrem num flanco, variam para o outro, centram, criam uma hipotética oportunidade de golo, mas preferem recuperar a bola e atrasá-la para que tudo possa voltar ao início.

Uma vez tem piada. Duas também. A partir da terceira, tudo é preferível a continuar a ver aquele jogo da apanhada, da macaca ou da cabra-cega, pouco importa. Ao intervalo, desisti e fui ao Theatro Circo, ver “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos. 


[Ao ver Willem Dafoe a representar o papel do Dr. Godwin Baxter, médico e investigador vítima das mais incríveis e sádicas experiências científicas do seu pai, que os desfiguraram, reconheço que se é um pouco excessivo nas considerações estéticas a propósito de um Paulinho ou de um Slimani. O personagem principal tem uma cabeça que não pertence ao corpo que a suporta (e vice-versa) e essa relação entre corpo e cabeça que não combinam, para além de enxaquecas, origina incompreensões emocionais com aqueles que combinam corpo e cabeça (e vice-versa, também). Talvez seja por essa razão que embirro com este ou aquele jogador, cujo nome omito, pois uma alegoria é uma alegoria, tão-só]

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Jogo a jogo, crónica a crónica, até a polícia deixar

Anteontem, voltei a assistir a [mais] uma transmissão do jogo do Sporting [contra o Young Boys] comentada em polaco. Ao princípio estranha-se, mas depois entranha-se, tal o esmiuçamento da análise. Quando o árbitro não mostrou amarelo a um jogador do Young Boys, preferindo conversar e avisá-lo, logo nos explicaram que amanhã acordaria com uma cabeça de cavalo na cama e o árbitro à cabeceira [da dita] a fazer festas a um gato siamês aninhado no seu colo. Como os comentadores falavam muito depressa, não fiquei com a certeza se não acordaria também com o fantasma do Frank Sinatra a cantar o “My Way”. 

Em polaco, ficou explicado, muito bem explicadinho que a [simples] razão para o árbitro mostrar tantos amarelos [e um vermelho] aos jogadores do Young Boys [e o Sporting dispor de tantos livres] era as faltas que faziam [como se não houvesse amanhã]. Sem o habitual recurso aos especialistas nacionais e às suas complexas expressões e conceitos, como “intensidade” ou “imprudência”, fiquei a saber que dois mais dois é igual a quatro [começo a desconfiar que não só é como sempre foi].

A equipa do Sporting jogou a pensar no jogo seguinte contra o Moreirense. Colocou pouca intensidade no seu jogo, os jogadores evitaram disputar bolas divididas, enquanto esperava que a defesa do Young Boys se distraísse e deixasse o Gyökeres solto em situações de um contra um; mas a defesa não estava para brincadeiras e, sempre que podia, acertava-lhe o passo sem dó nem piedade. Seja como for, o Gyökeres mantinha a defesa recuada e segurava a bola na frente para que a equipa pudesse subir e respirar um pouco melhor. 

Em breves momentos, em dois fogachos, o Sporting fez dois golos: um autogolo e um golo resultante de uma “penalty”. Estamos naquela fase em que um simples pontapé meio na bola meio no chão acaba em golo e na descoberta de uma jazida de petróleo. Acontecer Sporting começa a não significar o que sempre significou, não fosse o Esgaio fazer o favor de nos recordar que, encontrando-se de boa saúde, manterá bem viva a [boa] tradição de um Polga, de um Nuno André Coelho ou de um Naby Sarr [o Adán ajudou um bocadinho, mas não vale a pena dizer seja o que for porque o uruguaio também não parece ser nada de especial].

Noutros tempos, nos bons velhos tempos [de um Peseiro, de um Sá Pinto, de um Paulo Sérgio, de um Couceiro ou de um Silas] a equipa do Sporting entraria com o coração nas mãos na segunda parte. Não entrou e bastou um par de minutos para o Gyökeres levar novo cacete e, na transformação do livre, o Inácio enfiar uma testada na bola que só parou dentro da baliza. O jogo estava concluído, embora ainda houvesse umas dezenas [largas] de minutos para jogar. Pouco a pouco, o Rúben Amorim foi desmontando a tenda, deixando o Gyökeres aborrecido pelo facto de só ter jogado cerca de sessenta minutos e necessitar, assim, de um pouco de “jogging” antes de ir dormir para compensar. Se se continuar como até agora, jogo a jogo, crónica a crónica, dificilmente os polícias da esquadra de Famalicão voltarão ao trabalho tão cedo.


[Não, ainda não foi desta que conseguimos jogar à Benfica. Jogámos contra dez, é um facto, mas não jogámos contra dez quando é mais útil, mais conveniente: quando se está a perder ou não se está a ganhar, pelo menos. Jogar à Benfica quando se está a ganhar não é jogar à Benfica, se é que me faço entender] 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Venham mais cinco

Por improvisos e trapalhices de vária ordem, vi o jogo [do Sporting] contra o Braga acompanhado de comentários em polaco. Em polaco, compreende-se muito bem a razão para o árbitro não mostrar qualquer amarelo aos jogadores do Braga na primeira parte. Aparentemente, se se assobiar permanentemente um jogador, mostrar-lhe um amarelo quando acaba de fazer uma falta merecedora disso corresponde a uma dupla penalização. Esta interpretação aplica-se a assobios e a outros mal-estares, como a má vontade da sogra ou um cozido à portuguesa que não tenha caído bem. 

Há males que vêm por bem e a condescendência foi de tal forma que deixou de haver margem de manobra para mostrar amarelo a quem quer que fosse, passando por uma arbitragem à inglesa [se não nos lembrássemos da expulsão do Diomande no jogo contra o Arouca]. Estou a acabar de traduzir tudo muito bem traduzido para enviar ao Conselho de Arbitragem ou à APAF de forma que apliquemos a melhores práticas internacionais [tem que se acrescentar mais um árbitro que faça de médico, mas, mais um menos um, ninguém nota].

O Artur Jorge, treinador do Braga, aplicou a receita que tão bom resultado obteve no jogo das meias-finais da Taça da Liga. Embora condicionando um pouco mais a saída de bola do Sporting, com o Abel Ruiz na frente, o objetivo continuava a ser o mesmo: não deixar o Gyökeres jogar, tocar na bola sequer, apostando as fichas todas na nabice finalizadora do Trincão, Pote e Companhia. Também o Cristóvão Colombo descobriu à América quando procurava encontrar um novo caminho marítimo para a Índia. Há resultados surpreendentes, mas é preciso compreendê-los, interpretá-los, para não se atribuir ciência ao puro acaso, à sorte, ou começamos a pensar que estamos na América quando chegamos à Trafaria.

Por [mais] paradoxal que possa parecer, não deixou de ter alguma razão, pois bastou uma hesitação, uma desmarcação, um passe e zás, lá estava o Gyökeres a molhar a sopa outra vez. Imaginem o menino à solta o tempo todo. Como diz o Pedro Azevedo, restava-lhe decidir se queria perder com mais ou menos golos do Gyökeres e a nós, sportinguistas, tanto se nos dá. Decidiu como decidiu e decidiu bem, pois o nosso selecionador nacional está com uma vontade enorme, uma vontade danada de convocar o Nuno Santos e o Pote [ou até o Trincão], dado ainda não ser possível convocar nenhum jogador do nosso campeonato para as seleções adversárias que possa ser expulso uma e outra vez. Enfim, o país ficou a ganhar, o país agradece.

A jogar desta forma, continuo a pensar que devíamos cobrar cachê à equipa adversária. Não parece fazer sentido os jogadores do Braga ou o seu treinador principal e os adjuntos verem jogar de borla. O único argumento a favor da atual situação é o lugar que lhes arranjaram: de pé praticamente o jogo todo [a precisarem de uma ou outra corridinha para desentorpecer as pernas]. Fica combinado que o próximo jogo é no Theatro Circo para que possam assistir a mais uma "performance" cultural como a de ontem, mas sentados, naturalmente. 

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Cobrar cachê

Vi o jogo [do Sporting] contra o União de Leiria a meio da semana [para os quartos-de-final da Taça de Portugal]. Costuma-se dizer que seja o que Deus quiser e a polícia deixar. A polícia deixou e Deus também deve ter querido, admitindo que se interesse pelo futebol português e por jogos realizados às tantas da noite no Centro de Portugal em particular. Como houve jogo e uma vitória é preciso escrever uma crónica para que suceda novo jogo e nova vitória [até ao fim dos tempos]. O tempo não tem sido muito e a disponibilidade ainda menos. Mas o que é prometido é devido [convém relembrar em época de campanha eleitoral] e, assim, o que tem de ser tem muita força.

Comecei a ver o jogo quando o árbitro estava a ver na televisão uma coisa qualquer que o vídeo-árbitro o tinha mandado ver, depois de assinalar um “penalty”. Ou as decisões implicam interpretação e são mais demoradas ou não implicam e é só necessário ver as imagens para logo se tomar uma decisão. O tempo que se demora é revelador que nada é tão óbvio como nos querem fazer crer e, portanto, admito que os árbitros [em número infindável] estivessem a discutir os níveis de colesterol, de triglicerídeos e de ácido úrico do Gyökeres. Jogo após jogo, continuamos a assistir a estas encenações, a estas macacadas [sem desprimor para os respetivos primatas]. 

Para terem mais certezas sobre a sua situação de saúde, decidiram medir-lhe o pulso, anulando a decisão anterior e marcando canto. Resultado [final], o Gyökeres está com uma tensão arterial de categoria e ficámos a ganhar por um a zero depois de um voo sobre os centrais, como o Rui Veloso cantava [quando não imaginava que quem voava sobre os centrais um dia iria voar sobre os centrais do Porto também]. Lançado pelo Nuno Santos, o Gyökeres resolveu confirmar a tensão arterial com uma corrida e um passe para o Pote passar para a baliza e fazer o dois a zero. Diagnóstico: a mínima está alta e a máxima ainda mais alta está. A terapêutica recomendada é correr, correr sempre, correr muito e muito depressa.

O jogo podia a devia ter acabado naquele exato momento. Evitava-se o desperdício de mais umas trezentas e quarenta e oito oportunidades de golo a somar às seiscentas e noventa e quatro do último jogo contra o Sporting de Braga. Apesar disso, tomando-lhe o gosto, o Gyökeres parece gostar de molhar a sopa de cabeça também. Ainda assim, o jogo não lhe parece ter corrido bem, tal o desalento com o [pouco] tempo de desconto concedido pelo árbitro. Pode não se tratar exatamente disso, mas da necessidade de demonstrar ao Rúben Amorim que pode contar com ele, que é uma alternativa fiável sempre que o Paulinho estiver lesionado, castigado ou [simplesmente] amofinado.


[Falando um pouco mais a sério, admitindo que se pode falar a sério do que não é sério, do que dá vontade de rir, o Sporting continua a jogar o melhor futebol de há muitos, muitos anos. Penso que se deve começar a cobrar cachê aos adversários para verem o que nunca viram. Pelo contrário, a nós, sportinguistas, ainda nos estão a dever algum pelo futebol do Peseiro, do Silas ou do Vercauteren.]  

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

#ondevaiumvãotodos# ou uma greve [em forma de] assim-assim

Há pouco mais de três anos, Artur Soares Dias [vídeo-árbitro] vislumbrou um leve roçagar da melena do Coates no borboto do punho da camisola do guarda-redes e vá de chamar o Luís Godinho [árbitro] para anular o golo no finzinho do jogo [do Sporting] contra o Famalicão. O Luís Godinho jurou que viu a melena, que viu o roçagar, que viu o borboto, que viu tudo o que Artur Soares Dias lhe disse que viu e o Sporting, bem, o Sporting empatou. Há males que vêm por bem e, assim, o “onde vai um, vão todos” da conferência de imprensa do Rúben Amorim acompanhou-nos até ao título.

Há anos, apanhámos uma greve de árbitros. No sábado, uma de polícias [não foi bem uma greve, uma propriamente dita, foi mais uma em forma de assim-assim]. Nunca mais apanhamos uma de trapezistas, de malabaristas, de palhaços ou de bicharada amestrada. Treinadores adeptos do “meia bola e força” ou do “bola para o mato que o jogo é de campeonato” costumam afirmar que, quem deseja assistir a um espetáculo, deve ir à ópera. Ora, por estas ordens de razão, quem quer circo, deve ir ao circo, a não ser que haja greve [dos artistas] ou o urso esteja constipado. 


[Os impactos da falta de polícia não são neutros no que aos resultados e classificações diz respeito. Nós, sportinguistas, sabemo-lo bem. No sábado, houve uma generalizada epifania. É estranho, não é?!]

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Ver futebol no café como quem vai ao cinema

Ontem era dia de ir ao Theatro Circo, ao cinema, ver “Folhas Caídas”, realizado por Aki Kaurismäki, finlandês que passa metade do ano em Viana do Castelo. O ritual de ir ao cinema não é, não pode ser o mesmo de ir ver a bola no Flávio [se tivesse pescoço para isso, nunca deixaria de ir ao cinema sem uma camisola de gola alta preta]. Chego à bilheteira e o filme está esgotado. Tento mostrar-me consternado, não me é permitida outra atitude [sim, ou melhor, não, não procuro parecer o tipo de pessoa que vai para os cafés ver a bola e escreve umas patacoadas sobre o que vê ou não vê, tanto faz]. Para que não restem dúvidas sobre a minha consternação, compro bilhetes para o filme da próxima segunda-feira [“Os Delinquentes”, de Rodrigo Moreno].

A atitude de quem se prepara para ir ao cinema não é a mesma de quem se prepara para ir ver a bola. Entro no Flávio ainda a tempo de ver o Trincão marcar mais um golo, depois do Edwards se embrulhar com a bola e dois adversários. Ainda com a atitude de quem vai ao cinema, procuro encontrar uma interpretação, uma explicação razoável para o que acabo de assistir. Não é simples compreender esta súbita vontade do Trincão de fazer o gosto ao pé jogo após jogo e mais do que uma vez por jogo, como ontem. Talvez Trincão tenha deixado de ter medo de existir, de encontrar a sua razão de ser, o sentido último de cada pontapé na bola, que carecia sempre de sentido, quanto mais de direção.

Com cinco a zero ao intervalo, não era de esperar uma segunda parte empolgante. Admitia até a possibilidade de julgamento no Tribunal Penal Internacional se ultrapassássemos o nosso melhor resultados dos últimos cinquenta anos. Esperava-me [esperava-nos] quarenta e cinco minutos de tédio. Recebo uma primeira mensagem “WathsApp” com notícias dos agricultores em França. Recebo outra com uma pequena chalaça: “É preciso acabar com a corrupção mesmo que se tenha de pagar algum por fora!”. Recebo a seguinte com um “link” para um guia metodológico para avaliação de políticas públicas. A meio de um jogo, uma mensagem destas de um sportinguista constituiu um pedido de socorro, na esperança de que alguém possa falar com o Gyökeres. Ou porque falaram ou porque não avisaram o Geny Catamo que o jogo tinha acabado, os rapazes do Casa Pia levaram ainda mais três [golos] de castigo.


[O meu amigo Pedro Almeida faz hoje anos, sessenta anos. Éramos amigos em Viseu e fomos, com um ano de diferença, estudar para Lisboa: eu agronomia, no Instituto Superior de Agronomia; ele economia, na Universidade Nova de Lisboa. Há muito que não nos (re)vemos. É, sempre foi, uma das mentes mais irrequietas que conheci e conheci muitas assim. Queria ser tudo, quase tudo na vida. Adorava escrever. Fazíamos noitadas a escrever à desgarrada. A partir de uma palavra ao acaso no dicionário, escrevíamos uma frase e depois outra e outra ainda até construirmos um texto. É a ele e a essa paixão inconsequente pela escrita que dedico esta postada, com um grande abraço pelo seu aniversário!]