segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Jogo a jogo, caixa a caixa de Sedoxil

Não é fácil comentar o jogo de sábado contra o Moreirense. Não é fácil porque ainda estou a sofrer dos efeitos de uma caixa de Sedoxil que mamei durante o jogo ["Varandas, pá, quando voltar a haver público, não esquecer de distribuir mexazolan à rapaziada, percebido?!"]. A mania de ir para o ataque, criar vantagem numa ala, estar em condições de meter na área, voltar para trás e para trás até chegar ao guarda-redes e começar tudo de novo transforma qualquer um num “serial killer”. Encontrar-se um jogador à entrada da área com tempo e espaço para rematar e vê-lo passar para o lado e ensaiar uma tabelinha leva a querer cortar os pulsos. Assistir à incapacidade do Sporar de reagir a tempo, de antecipar o lance, de chegar primeiro deixa-nos com uma enorme dor de cabeça depois de a enfiarmos uma e outra vez contra a esquina da parede. A interpretação do Lago dos Cisnes pelo nosso João Nureyev Mário no meio campo deixa-nos com vontade de enfiar o gato pela sanita abaixo ["Desculpa Ana, o gato é teu, mas esteve quase, quase; não, não sou um anormal e prometo que isto nunca mais me volta a passar pela cabeça, mas esconde o gato, por favor, esconde o gato"].

Só de escrever isto voltei a ficar à beira de mais um ataque de ansiedade [um momento, um momento para ir à casa de banho enfiar mais um Sedoxil e gritar ao espelho: “Ganhámos, Ganhámos!"]. Já passou, já estou melhor e escrevo já [“Ganhámos, porra, ganhámos! Toma César Peixoto, vai buscar! Palhinha, grande Palhinha!"]. Estava a dizer exatamente o quê? Sim, qualquer coisa sobre o jogo do Moreirense. Talvez sobre os comentários ao primeiro golo do Sporting. Há quem diga que houve cotovelo do “Pote”. Acho é que há dor de cotovelo de quem gosta de meter a mão no pote, sem aspas e caixa baixa. 

Fico-me pela “flash interview” e pela conferência de imprensa porque, de outra forma, torno a ventilar. O Pedro Gonçalves voltou a receber o prémio de melhor em campo e voltou a falar de equipa, equipa e mais equipa, sem o eu, nunca o eu. O Ferro falou, falou e falou, independentemente da pergunta, sempre com o processo, processo para aqui, processo para ali. O Rúben Amorim foi genial. É jogo a jogo, diz ele, e nós acreditamos, acreditamos que não há campeonato [esperemos que os do costume também se vão distraindo com essa de que não há campeonato, que não estamos a jogar campeonato nenhum, que estamos a jogar um jogo e depois outro, tão-só]. Fala do jogo a jogo e faz-me lembrar a minha infância, em Viseu, na Escola do Magistério Primário. Jogávamos contra os da Escola da Avenida. Jogávamos contra os da Escola de Massorim [os betos da altura]. Jogo a jogo, sem nenhum campeonato, pelo prazer de jogar, por uma vontade de ganhar maior, muito maior do que o medo de perder. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Tempos modernos e difíceis ou a eterna vitória do capital contra o trabalho

Ver o jogo do Sporting contra o Sacavenense para a Taça de Portugal na TVI, na televisão da Cristina Ferreira, gerava expetativa, muita expetativa. Esperei, esperei e nada. Nem o António Costa, nem o Marcelo Rebelo de Sousa, nem o Luís Filipe Vieira entraram em campo para fazer umas pataniscas de bacalhau ou uma simples entremeada na brasa. Em vez disso, parecia que estava a ouvir os Tempos Difíceis, de Charles Dickens, ou o Manifesto do Partido Comunista, de Friedrich Engels e Karl Marx. Os do Sporting representavam a burguesia, a classe dominante, os proprietários dos meios de produção, enquanto os do Sacavenense representavam o povo, os oprimidos e o proletariado. Parecia que o Sporting se encontrava a jogar contra o Fabril quando o Fabril tinha jogado contra o Porto. Segundo os comentadores, os do Sacavenense tinham acabado de deixar o Charles Chaplin sozinho na linha de montagem de Tempos Modernos, sem sequer mudar o fato de macaco. 

Mal o jogo se tinha iniciado e já o Nuno Santos tinha molhado o bico. Os comentadores tentaram transformá-lo num novo milagre mariano ao afirmar que o passe tinha sido do Borja. Por falar em Borja, gostei de o ver jogar no lado direito. Sendo canhoto, anda sempre à procura do pé esquerdo quando a bola lhe vai para o direito e essa dessintonia entre o pé que está mais à mão e o pé que está mais ao pé [da bola, entenda-se], constitui uma revienga imparável. Como centra tão mal com o pé esquerdo como com o direito, o resultado é o mesmo, mas passa por dispor de um estilo enleante e azougado. O Coates marcou o dois a zero passado um pouco. O Rui Veloso cantou uma coisa sobre voar sobre os centrais mas com o Coates não é bem assim, é voar contra os centrais, contra a bola, contra o guarda-redes, contra a baliza. O Jovane marcou o terceiro, apesar dos comentadores jurarem a pé juntos que não, não havia “penalty” nenhum. Como todos sabemos, quem mais jura mais mente, acabando por pedir desculpa.

Mal se iniciou a segunda parte e já estava outra vez o Nuno Santos a fazer das suas, das dele, salvo seja, e o Coates só teve de empurrar para o quarto golo. O Jovane ainda foi a tempo de fazer de central, tornando a jogada mais real, mais próxima de um jogo contra o Fabril ou o Paredes, essas grandes equipas de jogadores profissionais, treinados e bem treinados. Sem o efeito surpresa do Borja do lado direito, os do Sacavenense perceberam que o Borja era o Borja e ala que se faz tarde pelo lado esquerdo da nossa defesa. Um operário marcou um golo e, subitamente, um operário era um jogador de futebol, com chuteira, calções e camisola. Estava tudo em modos de assim, até que entrou mais um puto, o Pedro Marques. O puto queria marcar golos à viva força. Atacava a bola de cabeça, não dava uma bola por perdida, tentava e marcava, e voltava a pedir a bola, queria mais, sempre mais. Tudo acabou com o último golo de outro puto, Gonçalo Inácio, impedindo o Coates de fazer “hat-trick” [se fosse comigo, tinha-lhe enfiado uma galheta]. 

Começo a suspeitar que não esteja a ver jogar o Sporting ou que o esteja a ver mas na RTP Memória. Onde anda aquela equipa que transformou o Alverca e o Loures em colossos do futebol nacional? O que tem a dizer o Ministério da Coesão Territorial sobre isto? Foi para isto que se criou o Ministério da Coesão Territorial? Ao menos que mandem entrar em campo alguém do ministério para fazer umas pataniscas de bacalhau ou uma entremeada na brasa.  

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Quarenta e quatro passos, doze toques na bola de canhota e dez segundos e seis décimos

Há uma idade para ídolos e os ídolos não se mudam, porque nunca se volta a essa idade, a idade dos ídolos. O meu ídolo foi e é o Maradona. Tudo o que possa dizer sobre o Maradona tresanda a redundância e falta de imaginação. Sei é que quarenta e quatro passos, doze toques na bola de canhota e dez segundos e seis décimos mudaram o Mundo

domingo, 22 de novembro de 2020

Entretanto...

Estava ao acaso a ver os resumos da bola deste fim-de-semana e dei comigo a pensar com os meus botões: já imaginaram a nossa defesa com Eric Dier (Tottenham e seleção Inglesa), e aquele tipo com nome de medicamento, Demiral (titular da Juventus e seleção turca)? Ambos vendidos ao desbarato, sendo que o Demiral foi literalmente despachado para o Alanyaspor com uma opção de compra absolutamente confrangedora. As suas histórias são diferentes, convergindo, no entanto, na costumeira dissipação de recursos e numa estratégia errática de automutilação sem paralelo no futebol mundial e arredores. Não há uma vacina que nos valha?

domingo, 15 de novembro de 2020

Tudo ao molho e muita fé

 

Fernando Santos a fazer de Fernando Santos, com aquele tique do pescoço e tudo. Fernando Santos a escalonar e a montar (deixem passar) uma equipa à Fernando Santos, mas sem sorte ou Providência que lhe valha. E sem o Éder, que é um tipo bem relacionado. Assim a equipa entrou à espera de um rame-rame confinado que apenas existia na sua mente. A outra equipa, por outro lado, entrou com vontade de ganhar o jogo e surpreender uns desequilibrados tugas. O politicamente correcto de Santos, lançando quem deveria lançar, isto é, quem é suposto lançar no jogo, mostrou, desde o início, um conjunto de jogadores perdidos na sua vaidade de jogadores que jogam em grandes equipas e valem muito dinheiro. A estratégia de jogar para o lado (ou para trás) e deixar passar o tempo não resulta quando a outra equipa chega sempre primeiro a cada bola. Não tarda, o Pedro Gonçalves vai valer um pote de ouro. E ai será mais uma opção para juntar ao molho.

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Resgatar a alegria


Para isso não precisam de ir a um endireita (no Minho acontece muito). Talvez apenas a vida, em toda a sua plenitude a vislumbre. O futebol de pouco importa, quando as contas nos subjugam, quando o tempo nos esmaga perdidos no trânsito, quando a família fica longe de um olhar. Mas, quando, em tempo de pandemia, não conseguimos sequer pensar em viver normalmente, nem vislumbrar um sentido para tudo isto, o futebol ainda se enterra mais, num lodo indefinível que caminha para o vazio. Como tudo o resto.

De onde brotará então a alegria? De uma conversa, de melhores notícias, de um abraço inesperado sem remorsos. De um livro. As vitórias do Sporting funcionam como um bálsamo para uma pequena e ligeira alegria. Apenas isso. Estamos em jogo. Deixem-nos sonhar.


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Make Sporting Great Again

Guimarães constitui um “swing state”. Nada está decidido à partida, tanto se ganha como se perde e perder ou ganhar decide campeonatos. Quando se perde, perde-se o campeonato. Quando se ganha, não é certo que se ganhe o campeonato. Mas sem se ganhar, não se ganha o campeonato, como demonstram os últimos ganhados pelo Sporting. Para se ganhar um “swing state” não se pode facilitar à Hillary Clinton. É ir para cima deles desde o início, interessando pouco se são hispânicos, afroamericanos ou "white anglo-saxon protestants" (WASP). 

Era para ir e fomos. Ainda estavam os de Guimarães a ajeitar as meias e os calções, quando o Sporar se deixa antecipar pelo guarda-redes e o João Mário enfia uma bojarda à barra. Logo a seguir, o Sporar fica isolado do lado direito do ataque e volta a fazer-nos lembrar o Krpan, embora, talvez, com um pouco menos de velocidade. Bola recuperada pelo Pedro Gonçalves, tabela com o Sporar, corrida desenfreada até à área, passe para o Nuno Santos, que fica à procura do pé que tinha mais à mão até o descobrir e enfiar um remate rasteiro com o pé esquerdo, fazendo o primeiro golo. 

A ganhar por um a zero, o Sporting acalma e o Guimarães passa a trocar a bola de trás para a frente, de frente para trás e vice-versa [não é indiferente a ordem, mas não sei bem como explicar: começa-se atrás e só se pode passar para a frente e só chegada a bola à frente é que se pode passá-la para trás; também se pode passar para o lado, mas acho que dá para perceber a ideia, a dinâmica da coisa]. Aparece o Quaresma e foi enternecedor o seu duelo com o Neto. Dois homens entradotes, mostrando boa disposição e fazendo-nos lembrar que o envelhecimento ativo e saudável deve ser prioridade das políticas públicas. Ainda esperei vê-los a jogar uma bela partida de dominó, mas não foi possível, porque, entretanto, o Neto ia fazendo de Otamendi, não fosse o Adán estar atento [passada a pandemia, lembrar de voltar a levar o Neto ao lar]. 

Os de Guimarães começaram a ficar empolgados, liderados pelo Quaresma montado num alazão branco, gritando: “Bora, bora que já estão cagados!”. Ou porque não estavam ou porque estavam e precisavam de ir mais descansados para o intervalo fazer o que tinha de ser feito, os do Sporting encheram-se de brios. O João Mário ganha a bola à entrada da área, enfia uma cueca num adversário e vai pelo campo fora até desmarcar o Sporar, no lado direito, que volta para trás, passa para o Pedro Porro, tabela entre os dois, passe atrasado e balázio do Pedro Gonçalves para o dois a zero. Este rapaz talvez ainda não seja um Darwin, mas não deixa de corresponder a uma boa evolução da espécie. 

Os de Guimarães entram na segunda parte com a faca na liga. O André André não leva o segundo amarelo por agarrar o Pedro Gonçalves, ficando evidente que se está em presença de dinastia protegida pelo “establishment”, um género de mistura de “Clynton's family” e de Wall Street. Não levou e fez-nos perder tempo com o VAR e as suas habituais mariquices do fora-de-jogo. O Adán molha o dedo para ver de onde vem o vento, calcula o movimento na vertical, uniformemente (des)acelerado em função do pontapé e da gravidade, e na horizontal, uniforme na ausência de atrito, e coloca a bola no Pedro Gonçalves que a domina e faz o três a zero. O rapaz talvez seja mesmo a evolução final da espécie, sendo necessário uns milénios ainda para o Darwin descer da árvore e se transformar num primata assim. O resto, bem, o resto interessa pouco. O Rúben Amorim fez as substituições que se impunham e o Matheus Nunes parte o resto da loiça que estava por partir e os do Guimarães passam a ter medo de sair do seu meio campo, tal o receio de o verem à desfilada. 

A “flash interview” começa bem com o Neto, parecia um senador do Minnesota ou assim. Piora com o nosso treinador principal Ferro. Ainda não lhe deram outra cassete e ele continua a debitar a anterior. Quando se ganha por um, faz sentido dizer que se deviam ter marcado mais uns tantos e que se criaram oportunidades para tal. Quando se ganha por quatro e se diz o mesmo, é falta de respeito pelo adversário. Na conferência de imprensa, o Rúben Amorim comporta-se como um verdadeiro Joe Biden. O Sporting é candidato ao título? Cada jogo são três pontos e é preciso contar até ao fim. O Sporting é a equipa que pratica o melhor futebol? Cada jogo são três pontos e é preciso contar até ao fim. O Sporting é beneficiado por não jogar as competições europeias? Cada jogo são três pontos e é preciso contar até ao fim. Quem não suporta este discurso é um ressabiado benfiquista, que, a propósito da pandemia, só nos quer deixar festejar no Marquês pela manhã com uma meia de leite e umas tostas no bucho. 

domingo, 8 de novembro de 2020

O jogo seguinte

De falhar, falhar sempre, falhar cada vez melhor (talvez empolgados pelos comentários dos especialistas em epidemiologia futeboleira), passamos para um registo mais simples: ganhar um jogo, ganhar o jogo seguinte, ganhar o jogo seguinte ao jogo anterior… ganhar. Os factos, mesmo os mais destratados na narrativa vigente, mostram um Sporting em primeiro lugar no campeonato, ainda que apenas até ao jogo seguinte, ou talvez até ao jogo seguinte a esse, ou ao jogo seguinte ao anterior que precede o outro. Há sempre uma forma, estatística ou esotérica, de isolar cada vitória leonina num manto enigmático de eventos que deformam cada triunfo como se este fosse um acontecimento cósmico altamente improvável, ainda que possível.

E possível como? Claro está, porque a outra equipa falhou, ou esteve muito abaixo do normal. Porque o Sporting teve sorte. Porque o vento era-lhe favorável. Porque talvez o árbitro não tenha lido a cartilha de forma aceitável. Talvez a missa, em tempos de pandemia, tenha menos súbditos. A impossibilidade de cada vitória, torna possível, sem grandes encargos de dispêndio de inteligência, uma vitória seguinte, ainda que apenas de um jogo. Esse é o caminho, o único possível.  Como dizia um dos comentadores ontem. Tão cedo ninguém apanha um Vitória assim. O Vitória não sei, a vitória apanhou-a o Sporting. Limpinha.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Um amigo, uma frase batida

Vou falar de um amigo. É difícil falar de coisas simples sem parecer piroso. Vêm-nos à memória frases batidas. O Sérgio Godinho inventou-as e a minha geração descobriu-as com as suas canções, percebendo, assim, o que sempre esteve à sua frente. 

O Agostinho é um amigo, dos pouco, muito poucos que a vida me proporcionou. Conhecemo-nos em Lisboa, no Instituto Superior de Agronomia. Eu estudava agronomia e ele arquitetura paisagista. Anos depois, reencontramo-nos em Braga, onde passámos a viver. Sou padrinho da sua filha do meio, a Carolina, a melhor amiga da minha filha Ana. 

Agora vemo-nos menos. Foi viver para Chaves, a sua terra natal. Encontramo-nos para um almoço ou um jantar e telefonamo-nos uma ou outra vez. Como sempre acontece com os amigos, cada reencontro é o regresso a uma conversa inacabada. Costumo enviar-lhe as minhas crónicas, mas raramente falamos sobre elas. O futebol interessa-lhe mas não muito. Há dias enviou-me um breve texto sobre essas crónicas. Não o conseguia fazer no blogue. Pediu-me para o fazer. É esse texto que vos deixo. Este texto é o texto de um amigo. Diz mais sobre a amizade do que sobre as crónicas. 

Eduardo Lourenço escreveu: «A cultura não tem outra realidade que a do diálogo que os atores dela - os poetas em sentido largo - travam entre si». 

Atrevo- me a proclamar que aquilo que designamos por cultura, pode ser um veículo transmissor do que contribui para dilatar o nosso espaço de vida e que concorre para poder acontecer nalgum sítio de nós, um mundo onde dantes não existia nada. 

De facto, a cultura não é só o passear de uma biblioteca debaixo do braço, ela é constituída fundamentalmente por um conjunto de ferramentas e códigos que nos permitem ler e compreender o outro e o mundo que nos rodeia, compreensão essa onde os livros desempenham um papel fundamental. 

Sobram os dedos das mãos para contar as vezes que fui a um estádio de futebol, embora vibre com os golos da equipa Portuguesa e com alguns do Porto.

Essencialmente, para mim, o futebol não era muito mais que o diálogo quase sempre anedótico e repetitivo, às vezes aviltante, que os seus protagonistas estabelecem entre si. Considerava-o, fundamentalmente, uma atividade mercantil muito lucrativa para alguns e manipulada em função do lucro. Que era pouco mais que a invasão do espaço radio-televisivo com horas e horas de cansativos e intermináveis enredos. 

Descobri um admirável mundo novo através das crónicas do Rui Monteiro. Descobri que o futebol era alguma coisa. Que a minha visão sobre o assunto era profundamente redutora e limitada. Que no fim de contas, existe uma narrativa aglutinadora e um conteúdo lógico que explica essa coisa. Que afinal e embora sendo um jogo, a sua componente estética pode extravasar a sua dimensão terrena e que a sua componente estratégica se pode assemelhar à demonstração de um teorema. Que não podemos ficar reduzidos a ver só a parte negativa da coisa. Que é preciso aprender a ler antes de fazer juízos. 

Descobri que afinal o futebol tem potencial para quase poder ter alguns dos atributos da poesia e da música. Descobri que se pode escrever sobre ele utilizando o conhecimento doutros contextos. Descobri que até faz sentido incluir na escrita sobre o futebol, informação e conhecimento de outros saberes que quase transformam esta literatura sobre o futebol numa atividade “cultural”. Descobri que se pode escrever sobre futebol como quem escreve um ensaio. Nesse sentido, posso assegurar que sou hoje menos ignorante e portanto mais culto, porque compreendo agora um bocadinho daquilo que não sabia sequer que existia. 

Claro que há quem continue a pensar que o futebol não deixa de ser o “outro” futebol, só porque o Rui escreve sobre ele com uma linguagem poderosa, rica, esteticamente sedutora e apelativa. Mas, mesmo esse outro lado, também é descrito, nas suas crónicas.

Este texto serve também para celebrar um daqueles números redondos dos blogues, dos milhões de leituras e visualizações. Lembra-nos que esses milhões de pouco servem se não se tiver um amigo de carne e osso, que não se troca esse amigo por milhões, quaisquer milhões. Que me dizem?

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Contas à moda do Porto

A equipa do Porto perdeu quatro a um contra o Lask Linz da Capital do Móvel. Por sua vez, a equipa de arbitragem ganhou dois a zero ao Lask Linz da Capital do Móvel. O resultado consolidado foi de três a dois a favor do Lask Linz da Capital do Móvel. Como é possível tal coisa? O resultado da equipa de arbitragem são números irracionais. Não se está em falar de número enquanto representação e de irracional enquanto exercício ilógico, absurdo, nada disso. Não, não se está em nenhum momento a afirmar que a equipa de arbitragem efetua representações irracionais. As representações são racionais, os números é que são irracionais ou números decimais, infinitos e não-periódicos. 

A equipa do Benfica perdeu três a zero contra o Lask Linz do Porto. O Jorge Jesus queixou-se de os jogadores do Boavista terem na primeira parte acertado trinta vezes nas canelas dos do Benfica. Fui consultar as estatísticas. Não vem nada sobre pontapés nas canelas, mas admito como boa a informação ou não soubéssemos nós, sportinguistas, o que a casa gasta, mas vem sobre pontapés à baliza. O Boavista fez onze e o Benfica um. Em quarenta e cinco minutos os do Boavista enfiaram cerca de quarenta pontapés, ora à baliza ora nas canelas, enquanto os do Benfica pouco ou nada, nem de uns nem de outros. 

Dito isto, o que é que une o Benfica e o Porto? O facto de jogarem contra o Lask Linz, dirão aqueles que tiveram a santa paciência de ler até aqui. Não, nada disso: o que une é que cada um à sua maneira desbaratou mais de cem milhões de euros para fazer este lindo serviço [peço desculpa pelo recurso a conceitos económico-financeiros pouco próprios, quando devia referir resultados líquidos transitados, investimento e amortizações, passivos e ativos e coiso e tal]. 

O Sporting enfiou quatro batatas no Lask Linz de Tondela. O Rúben Amorim cumpriu condição necessária e suficiente para se fazer um bom jogo. Condição necessária, ao assegurar que o adversário não jogasse a ponta de um corno e não tivesse uma oportunidade de golo para amostra; condição suficiente, porque a equipa marcou quatro golos, embora o jogo devesse ter sido de muda aos cinco acaba aos dez. A tática foi um primor: um 3x4x3, que se desdobra num 5x2x3, num 5x4x1, num 3x2x5 ou em várias combinações e arranjos cujo somatório de jogadores de campo não ultrapasse os dez. Há quem diga que tudo se deve à inclusão de um ponta-de-lança. Seria uma explicação plausível se o Sporar fosse um ponta-de-lança. O Sporar não é um mas dois, apresenta a capacidade de desmarcação para as laterais de um Wolfswinkel e a acutilância na finalização digna de um Krpan. 

Mas é de contas que se deve falar. Os jogadores do Sporting fizeram catorze faltas e levaram três amarelos, enquanto os do Tondela fizeram vinte e levaram dois. Em Guimarães espera-nos o Artur Soares Dias ou o Fábio Veríssimo que se segue. Enquanto não jogamos, sempre podemos comparar os pontos fortes e pontos fracos do plantel do Sporting relativamente aos dos rivais Benfica e Porto, como há dias li algures. O do Sporting tem mais pontos: mais um do que o do Benfica e mais seis do que o Porto. Há sportinguistas que dizem que se trata de pontos fracos. Não sei, sei é que são pontos e isso basta. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Agraciados com a ordem do comentador

 

A inveja alheia começava a mordê-lo, sinal de glória.

Vitor Hugo, “Os Miseráveis”


Num jogo em que o passar a fronteira dos concelhos foi feito sem qualquer espécie de pudor, o dia de finados transformou-se numa ode ao Outono. Compreendemos, finalmente, que a “ideia” é um princípio orientador e não um fim em si mesma (deixem passar), interiorizada pela equipa de forma solidária e executada com mestria.

Para alegrar ainda mais a festa, nada como uns bons comediantes: os comentadores de serviço. O nível do comentário permite-nos afirmar, sem qualquer dúvida, que vamos no bom caminho. Não será necessário atingirem o IV nível. O parque de estacionamento serve perfeitamente. Vê-se bem daí, e é junto ao BAR.