domingo, 31 de janeiro de 2021

Filmes

 

O Paulinho fez anos, mas é de outro que se fala.

Amanhã o derby joga-se às 21h30m. Agora temos sessões da meia-noite no futebol.

O Palhinha vai ver o jogo sentado na poltrona. Será falta para amarelo?

O Benfica não fez a habitual conferência de imprensa que antecede os jogos. As câmaras registaram o momento.

O Abel ganhou a Libertadores. Uma sequela de JJ - disseram.

O Ferreyra rescindiu o contrato. A grande contratação já não faz parte do elenco.

O Ferro foi emprestado. Os gigantes não se vendem. 

Cada jogo é um jogo... depende da perspectiva. 


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Fingidores

O Sporting deixou de jogar em campos de futebol, em relvados, e passou a fazê-lo em contextos territoriais de maior biodiversidade e de respeito pela natureza. Começámos na Tapada de Mafra, contra o Nacional, passámos pelo Parque do Montesinho, contra o Marítimo, viajámos para o Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde jogámos a Taça da Liga, e concluímos este breve périplo pelas nossas áreas de paisagem protegida em plena Serra da Arrábida, contra o Boavista. Os nossos jogadores estão plenamente adaptados a jogar em ecossistemas naturais de elevado valor paisagístico e ambiental e a bola rola, rola sempre, de pé para pé, sem atender a buracos ou poças de água recheadas de nenúfares e de rãs saltitantes. 

Ontem, a coisa foi de tal monta, que os do Boavista nem a cheiraram, a bola, entenda-se. Não a cheirando não havia forma de os jogadores do Sporting fazerem falta e sem faltas não há amarelos e sem amarelos não se somam cinco quando se dispõe de quatro e não se poupam energias no jogo seguinte para jogar o que se segue ao seguinte, o mais exigente, o mais difícil de todos, aquele em que defrontamos a única equipa que nos venceu, o Marítimo. Não facilitámos e continuaremos a não facilitar contra essa equipa do indomável qualquer coisa que queríamos para avançado mas que acabou contratado pela equipa seguinte, a equipa com a qual pretendemos jogar com os menos utilizados, para poupar os do costume, os dos amarelos, Coates, Neto, Nuno Santos e Palhinha. Como disse, não facilitámos e metemos logo de início os dos amarelos, menos um, para que não perdessem por um minuto que fosse um motivo, bom ou mau, não importa, para levar o quinto amarelo. 

E a bola rola e rebola e as faltas não vêm e não vêm os amarelos e nunca mais se compreende a razão, a única razão para se disputar este jogo, os amarelos, o merecido descanso, a preparação do Marítimo. E o Nuno Mendes centra e o Nuno Santos entra à bola e desvia-a para a baliza e marca o primeiro golo. E safa-se a bola na linha de baliza do Boavista. E o João Mário falha de baliza aberta, displicente. E o Sporar falha, falha tão completamente que chega a falhar o falhanço que deveras falha. E vem o intervalo e vão todos para os balneários para logo regressarem para a segunda parte. E volta tudo ao mesmo, a bola que rola e rebola, de pé para pé, sem ninguém do Boavista a cheirar. E substitui-se, substitui-se e tudo muda e tudo fica na mesma. E o Porro enche o pé e marca um golão, o segundo. 

E o que faltava entrou. E podia voltar a valer a pena. E podia voltar a haver uma razão de ser, uma razão para se jogar aquele jogo. E o árbitro atrás de uma moita, à espera, à espreita. E o vento tudo levou e levou um jogador do Boavista e falta e amarelo, finalmente amarelo, e a razão para se jogar aquele jogo. E o jogador chora agradecido, da dádiva, da consideração. E aproximam-se mais jogadores a pedir, a pedir amarelo, invejosos. E o árbitro mostra e não mostra a quem deve, ao Coates, ao Neto e ao Nuno Santos também, porque não havia falta, falta deles, só falta do vento que tudo levou e levou o jogador do Boavista. E não vão descansar, descansar para o jogo a seguir ao seguinte, contra o Marítimo. 

[Volta-se a parafrasear Pessoa. O sportinguista é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. A dor é própria ou vergonha alheia. Até os das cartilhas, os cartilheiros, estavam desolados. Há uma dignidade na profissão. A zaragata explicativa exige cartilha, narrativa, explicações, plausíveis ou implausíveis, mas explicações. Nada pode ser o que é, em carne viva. Esta dor torna-se insuportável a cada jogo que passa. Resta o Rúben Amorim não perder a coragem e voltar a virar do avesso a cabeça dos jogadores, porque vale a pena, por eles, por nós, pelo Palhinha!] 

sábado, 23 de janeiro de 2021

Campeão de Inverno de futebol, campeão de futebol de Inverno, campeão de “curling” e campeão do Festival Internacional de Monte-Carlo

Num país meridional é muito mais difícil determinar um campeão de Inverno de futebol do que um campeão de futebol de Inverno, do Inverno do nosso habitual descontentamento, situação agravada pelo contexto de alterações climáticas. Atribuí-lo no polo aquático com as regras do futebol, parece uma ideia, se não boa, pelo menos uma ideia como qualquer outra, como atribuir o título de Campeão de Inverno. Em período de confinamento tanto se vê um jogo assim como uma disputa à vassourada entre as seleções da Dinamarca e da Alemanha em “curling”, desde que as regras sejam as do futebol 

Mas, lá está, à chuva ou ao sol, os artistas são sempre os mesmos. Falta sobre o Jovane, seguida de recuperação de bola pelo Jovane, seguida de calcadela e de nova falta sobre Jovane e amarelo para o Jovane. Bem, depois, depois foi extraordinário. Nem se fala da necessidade do Sequeira arrancar pela raiz o Tiago Tomás duas vezes para ver um amarelo ou do Fransérgio abrir o sobrolho ao Tiago Tomás e se marcar falta de Tiago Tomás. As coisas ainda não estavam a correr suficientemente bem e vai um vermelho para o Carvalhal e outro para o Rúben Amorim. Do polo aquático passou-se ao circo em menos de um fósforo porque, lá está, o que conta são os artistas e se os artistas são de circo então é circo que se tem de ver, embora prefira “curling” ou polo aquático ou, sei lá, futebol de Inverno.

Estava-se nestas habilidades, com trapézio, arame, leões ou cavalos amestrados, quando o Ali Elmusrati tentou um homicídio em direto. O Palhinha saiu vivo, o árbitro desejou-lhe um futuro mais feliz e marcou falta, falta de sangue, admite-se. Com ou sem sangue à mistura, o Gonçalo Inácio bateu longo o livre, a defesa do Braga ficou à espera que a bola ficasse presa na água, o Porro, um jogador anfíbio contratado esta época, isolou-se e rematou cruzado para o primeiro e único golo.

Sabendo de ciência certa que não acabava com onze jogadores em campo, o Rúben Amorim substituiu Jovane por Nuno Santos ao intervalo para adiar o inevitável. Jogar em inferioridade numérica com onze jogadores estamos habituados, jogar em inferioridade com menos jogadores também acontece mas é menos frequente e a equipa está menos rotinada. Aguentou-se até ao último minuto, que afinal não era o último, nem o último do último, nem o último do último do último e houve Coates e houve onde vai um, vão todos. Nem sempre se sabe bem para onde se vai, mas sempre se sabe que se vai com menos um ou dois jogadores para o próximo jogo, por doença com doença, por doença sem doença ou por que sim, por que tem de ser, por que enquanto o urso não se constipar o circo tem hora marcada.  

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Falso futebol ainda não tem vacina

O nosso futebol é tão fraquinho que os estádios estão sempre vazios. Esta velha expressão ganhou contornos de humor negro em situação de pandemia. O que não tem piada é usar a Covid como arma de arremesso contra o adversário, seja em circunstâncias for, como temos assistido durante esta semana, através de insinuações, mensagens cifradas, advertências e comunicados tontos (entre os quais, um de pura vassalagem).

Por obra (obviamente) do acaso, aconteceram dois jogos atravessando isto tudo. Ambos tiveram resultados (dizem-nos) imprevistos e nada recomendáveis. Alguma imprensa terá mesmo mudado a primeira página à custa disso. 

A forma como os treinadores derrotados adornaram a derrota, pintando-a em suaves matizes, desresponsabilizando-se (claro), tentando sombrear a vitória de dúvidas, é todo um manual de como sacudir a água do capote com toda a gente a assistir. Uma vitória (supostamente) caída do céu, observada por Conceição, numa perspectiva privilegiada a partir do banco de suplentes. Outra, uma vitória que poderia não o ter sido porque, segundo JJ, este terá perdido um jogo que poderia ter ganho. Estamos esclarecidos? Claro que sim.


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Imaginem o que diriam o Jorge Jesus e os comentadores habituais de uma vitória destas?

Este jogo contra o Porto tem vários ângulos de análise, pontos de vista. O primeiro é da situação absolutamente excecional de ver responsáveis de comunicação de clubes a trocar fanfarronadas a propósito da Covid-19 e da existência de testes “falsos positivos”. Se dúvidas existissem sobre a forma como o futebol e a sua organização se sentem impunes, sem sentido de responsabilidade, ficaram esclarecidas. Se mandasse, o futebol esta época tinha acabado ontem, ainda antes do jogo. Há coisas com as quais não se brinca.

O outro ponto de vista é o das declarações do Sérgio Conceição. O mau perder acaba por ser a parte hilariante. A desqualificação do adversário é mais desagradável, mas constitui uma simples forma de justificação, como se tudo tivesse dependido da sorte ou do azar. Defendeu a teoria sempre repetida no paleio futebolístico que um golo só se justifica se anteriormente se tiver perdido umas tantas outras oportunidades. Um golo no primeiro minuto não tem mérito. Ora, não é assim, cada golo justifica-se por si, não precisa de um entendimento temporalmente mais amplo. Este argumento desculpabiliza quem os sofre, tão-só. 

O jogo foi muito disputado na base do pontapé e da bofetada. O Porto jogou como sempre joga: Pepe na defesa, pontapé para a frente, aproveitando as diagonais do Marega ou o seu primeiro domínio, quando o consegue, para a equipa avançar, e pode ser que o Corona consiga ficar com a bola numa zona próxima da área, onde costuma desequilibrar. O Porto esteve por cima do jogo na grande maioria do tempo, mas sem grandes oportunidades. As oportunidades do Porto resultaram sempre de investidas recheadas de ressaltos que acertam nas canelas do Marega e tanto vão para a baliza como para trás, para os lados ou para fora.

A meio da segunda parte, com a entrada do Matheus Nunes, o Sporting passa a dominar e percebe-se que o Porto estava a começar a dar o berro. Mas o canela dourada é terrível e num ziguezaguear desenfreado, seguido de uns ressaltos, de uma rosca na bola e de um bocado de relva arrancado marcou o primeiro golo. Na cabeça dos jogadores do Porto, do seu treinador e dos comentadores, o jogo estava acabado. Não, não havia adversário, o Sporting era como se não existisse e, assim, não tivesse qualquer capacidade de resposta.

O Sporting já tinha começado a empurrar o Porto para a defesa e, com o golo sofrido e as substituições, ainda mais dominador ficou. O Porto recuou e, como sempre, revelou as habituais dificuldades em controlar o jogo quando tem de defender E na sequência de um livre [após a quarta ou quinta falta de um tal Grujić para segundo amarelo], acontece o golo do empate e não, não foi com a canela ou após uma série de ressaltos e de tropeções. O Porto recebe mal o golpe e expõe-se ainda mais a levar o segundo, tal como aconteceu na meia-final da Taça da Liga há duas épocas atrás, só que desta vez a bola não foi para o Ristovski, mas para o Jovane, dispensando os “penalties”.

A partir daqui podem-se exprimir todos os lugares-comuns: os jogos não encerram nenhuma moral; ganha quem merece ganhar; ganha quem marca mais golos; o jogo só acaba após noventa minutos e é preciso jogá-los todos e cada um. O Rúben Amorim está sempre a afirmar que o Sporting pode ganhar a qualquer equipa, jogo a jogo, mas ninguém acredita, especialmente os próprios sportinguistas. É preciso reconhecer mérito a quem o tem. É preciso reconhecer os erros e as insuficiências quando as há. Mas a verdade é que as coisas não acontecem por acaso, por pura sorte ou azar. 

Chega-se ao último ponto de vista. Dispensam-se comentadores com a cabeça cheia de preconceitos, não comentando o que veem mas o que esperam ver mesmo não vendo, nem se vendo. Ainda o jogo estava longe de estar no fim e já o Sporting tinha perdido e essa derrota significava que o rei sempre ia nu, como sempre disseram, e se estava perante uma sequência de três resultados negativos. Imaginem se fosse o Jorge Jesus a ganhar este jogo? O que diriam ele e os habituais comentadores?

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Mimados, protegidos, beneficiados e sei lá o quê

Fomos beneficiados pela Covid-19 e por não existir público nos estádios. Fomos beneficiados por perder contra o Lask Linz e deixar de jogar a Liga Europa. Fomos beneficiados por perder contra o Marítimo e deixar de jogar a Taça de Portugal. Fomos beneficiados por não jogar em plena Filomena contra o Nacional e jogar um dia depois num mar de lama. Fomos beneficiados pelos testes “falsos positivos” do Sporar e do Nuno Mendes e não contarmos com eles no jogo contra o Rio Ave. Fomos beneficiados pelos testes “negativos” do Sporar e do Nuno Mendes e contarmos com eles para o jogo da Taça da Liga. Fomos beneficiados por contratar o Sporar e jogarmos com ele em vez do Rodrigo Tiuí. Nem o Marcelo Rebelo de Sousa é tão beneficiado, irra! 

domingo, 17 de janeiro de 2021

O engodo das couves

 

Não é como jogamos, isso toda a gente sabe, mas como pensamos, que faz a diferença. Os adversários estudam os vários planos (se forem realmente estudiosos), as combinações (se se derem a esse trabalho), a dinâmica, mas não conhecem e não podem dominar o nosso pensamento (por vezes, nem sequer pressentem a existência do dito). Pensar não é o mesmo que ter uma ideia, ou até várias. O pensamento é uma entidade raríssima que, em doses bem medidas, juntando-se a algum talento, à disciplina, ao treino, sendo mesmo um dos interlocutores privilegiados daquilo a que hoje futebolisticamente se denomina (com uma certa pompa), de intensidade, poderá formar uma espécie de Isomax, desafiando assim os limites da rigidez elástica.

Tinha começado assim esta posta, para tentar compreender o jogo do Sporting com o Rio-Ave, mas depois percebi que, com Rúben Amorim, o pensamento penetra mais fundo, em áreas remotas, onde apenas os mais devotos conhecem os segredos do universo da bola. Mesmo sem carta de condução para naves espaciais, Rúben percebe como poucos o lema do Sporting: falhar, falhar sempre, falhar cada vez melhor, adaptando-o com uma nuance: falhar apenas um pouco, falhar um pouco melhor, para poder (quem sabe?) ganhar. Trata-se de um engodo arriscado, mas genial. E estou a falar muito a sério!

Com sete minutos de jogo já Gonçalo Prata vestia um cartão amarelo, incompreensível até para o cartilheiro comentador. Já agora, todos: os comentadores a soldo, a arbitragem, a pressão dos adversários, os pasquins detratores, os sportinguistas (muitos, sem dúvida alguma), gravitam em torno desse misticismo da iminente derrota, do falhanço cósmico, como numa espécie de maldição inevitável.

No final da primeira parte (e com o Borja em jogo) o Sporting ganhava um a zero e podia ter dilatado a vantagem. O engodo seguiu o seu curso, materializando-se num golo do adversário desenhado por uma espécie de equipa B do Sporting (estranho jogar contra a nossa equipa B – dizia uma mensagem de um amigo), aproximando-nos assim do abismo cósmico previsto. Não aconteceu? Aconteceu, mas apenas pela metade. O Sporting não perdeu, empatou um jogo que poderia ter ganho e que, segundo alguns, era indispensável ganhar, porque a seguir havia um clássico. E depois jogava o Braga. Isto é: o calendário pendurado na parede.

A falhar um pouco, empatados, esperamos pelo clássico onde (sem se rir) JJ disse mais tarde que não sabia o resultado (a paródia do costume) do Sporting (esperaria outra coisa, certamente). Do empate no clássico apenas saíram vencedores: o Benfica que ganhou (mais uma vez JJ) empatando, o Porto que empatou ganhando, ou perdendo, nas palavras de Conceição, várias oportunidades (nenhuma de estar calado). O jogo, pelo resumo, foi a confusão do costume, não se sabendo nada (ainda) de túneis. Os melhores são assim: rotineiros.

O Braga terá ficado no conforto cósmico da confinação dos empatas, sem saber do engodo de Rúben. Em Paços de Ferreira também havia jogo, mas apenas por acaso. A genialidade de Carvalhal, agora com aquele remate técnico na calvície, cavalgou a ilusão fantástica do futebol inglês, mas com pronúncia acentuada do Minho, sita em Braga. Uma mensagem de um amigo meu do Boavista esclareceu: têm de vender os Hortas, sempre que é para passar o Benfas mandam a bola para as couves.

Para as couves: um bom título para o nosso futebol.

Entretanto, continuámos em primeiro. Com a distância possível (segundo se diz por aí).

sábado, 16 de janeiro de 2021

A saúde está primeiro e nós também

Há coisas que não se fazem, simplesmente não se fazem. O Ferro estava a fazer um mau trabalho, é isso? Perdemos para a Taça de Portugal e isso e só por isso é razão para se trocar o treinador principal pelo adjunto? O senhor Pereira do Automóvel Clube de Portugal ou da Direção Geral de Viação, não sei bem, disse o que tem de ser dito: não é por se andar a tirar a carta que se está em condições de conduzir. Quem tem filhos sabe isso muito bem. Facilitamos, damos-lhes as chaves do carro e no mínimo fica com um arranhão na porta ou com o para-choques amolgado, mesmo que seja para o tirar e voltar a colocar na garagem. 

O Rúben Amorim está a tirar a carta e deram-lhe o carro para as mãos, como qualquer pai faz com o coração nas mãos sabendo que o não deve fazer. Não andou bem, o carro naturalmente. Vi os últimos quinze minutos da primeira parte e os primeiros quinze da segunda, onde praticamente tudo de relevante aconteceu. Quando comecei a ver estávamos em pleno Plano A. Muita troca de bola para trás e para a frente, idas às linha para se voltar para trás e começar de novo, virando de flanco para fazer o mesmo do outro lado. De repente sai uma jogada de manual: os jogadores do Sporting e do Rio Ave concentram-se em três metros quadrados do lado direito, a bola sai da molhada para o Pedro Porro que faz uma passe a rasgar para o Plata, do lado contrário, que mete a bola de primeira para o Pedro Gonçalves a encostar de primeira também ao seu estilo, para o lado oposto ao do movimento da bola e natural movimento do guarda-redes. Foi um golo de manual, um golo digno de ser ensinado na escola de condução onde anda o Rúben Amorim.  

Até ao final da primeira parte podíamos ter arrumado o jogo. O Tiago Tomás rematou à entrada da área e o guarda-redes fez uma excelente estirada e safou a bola para canto. O Pedro Porro antecipa-se a um adversário e recupera a bola, mete-a no Pedro Gonçalves que a centra para o João Mário a deixar passar para o Nuno Santos, que enche o pé e a chuta para as nuvens. Na segunda parte entrámos em modo não sei se continuamos a pressionar alto e a atacar ou se recuamos um pouco para deixar o adversário adiantar-se e, com mais espaço, jogar em ataques rápidos ou contra-ataques. Contrariamente a muitos sportinguistas, considero que temos tantos planos como as letras do alfabeto. Não podemos é entrar com uma combinação de planos, com um pouco do A e o restante do B. A equipa ficou expetante, perdeu o controlo de jogo e expôs-se ao ataque do Rio Ave. 

Na primeira, o Mané faz um passe ao Ádan. Não avisados, na segunda tivemos a defesa sem saber bem se não recuava e fazia a linha de fora-de-jogo ou se recuava e ficava com um olho no burro e outro no burro. Optaram pela segunda possibilidade, que é o que fazem as equipas que não sabem o que fazer nestas circunstâncias. O Borja recuou a olhar a bola sem compreender bem onde se encontrava por referência ao Geraldes, portador da bola, e ao Mané que se desmarcava. Acabou tudo em golo do Rio Ave, após triangulação entre o Geraldes, o Mané e o Dala. Os rapazes foram fantásticos, pedindo imediatamente desculpa pois pensavam estar a marcar um golo pelo Sporting. Estão perdoados para que se saiba. Tarde ou cedo acabaremos por trocar alguns dos que temos por outros e esses por outros ainda até tudo acabar ao fim de trocas e baldrocas no regresso desses três outra vez e descobrirmos que também não os devíamos ter contratado de volta. 

Não vi mais. Fiquei a saber que empatámos. Admiti que estávamos a testar os nossos principais rivais, o Porto e o Benfica, a ver do que valiam, do que eram feitos e capazes. Queríamos que pelo menos um deles nos desse alguma luta, mas, se dúvidas houvesse, ficámos a saber um pouco mais tarde que isto está resolvido. Não há assim razão para não se acabar com isto, com o campeonato, entenda-se. A saúde está primeiro e nós também.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Caviar é uma ova

O sportinguista é bicho estranho, esquisito, muito esquisito. É um iconoclasta ao contrário, não desvaloriza os méritos alheios mas os seus. É aristocrata, falido mas aristocrata. Pode estar a morrer de fome mas não come uma sardinha de conserva na lata de conserva da sardinha, exigindo uma lata de conserva de esturjão, de caviar. Nem tudo lhe serve, é pobre e mal-agradecido. Esta ladainha vem a propósito do último jogo contra o Marítimo e a eliminação da Taça de Portugal. 

Habituado a comer sardinha em latas de esturjão, os sportinguistas rasgaram as vestes e concluíram que o plantel não tem profundidade, alternativas para estar em muitas frentes. Por defeito e feitio, tenho sempre alguma dificuldade em fazer reflexões emocionais, não envolvendo a componente analítica. Para estes sportinguistas, a profundidade é autorreferente e normativa; está escrito na pedra que o Sporting deve ter uma equipa com tantos jogadores, distribuídos por estas e aquelas posições em quantidade e qualidade bem definidas. Quando assim penso, vem-me à cabeça o Jorge Jesus e o conjunto de sérvios, albaneses, croatas, macedónios, brasileiros, argentinos, congoleses que era preciso contratar sob risco de uma maldição. Os que estavam, os da formação nunca serviam. Quem quiser voltar a esse passado sabe o que lhe espera e espero que tenha bom proveito.

Como considero que a profundidade não é autorreferente, analiso-a relativamente aos nossos principais adversários. Ora, está bom de ver que por lá pululam alternativas e mais alternativas que, sendo tantas, nem sequer precisam de contratar mais e, jogue quem jogar, será sempre uma jogatana. O Benfica e o Porto têm jogado pouco ou nada e, nesta eliminatória, ficámos a conhecer a profundidade, as alternativas da equipa do Porto. Não sei se podemos contratar um rapaz como o que apresentaram no jogo contra o Nacional, muito habilidoso, com bom toque de bola, capaz de neutralizar os jogadores adversários e ao mesmo tempo de marcar o golo redentor, o golo no último minuto que o Sporar não foi capaz de marcar. 

O que espero do Sporting, do Rúben Amorim e dos nossos rapazes é que continuem como até aqui, que não pensem se esta jornada vão ficar mais à frente ou mais atrás dos adversários; que não tenham medo de perder e medo de perder a vantagem que dispõem no campeonato. Espero que continuem a jogar com a mesma alegria, com a mesma vontade de ganhar, jogo a jogo como até aqui, sem nenhuma outra responsabilidade que não seja a de jogar um jogo de cada vez. Eu não lhes peço mais nada. 

Talvez pedisse jornalismo desportivo mas isso é o mesmo que pedir a paz, a felicidade, a convivência entre os povos. O jornalismo acabou e em sua substituição ficou o entretenimento, seja isso o que for, com diretos, muitos diretos, e debates, muito debates. Há dias ouvi uma entrevista de Juca Kfouri, grande jornalista brasileiro. Afirmava que os operadores televisivos e os clubes e a federação brasileira tendem a associar-se e isso explicava a razão para a inexistência de jornalismo desportivo e de visão crítica quanto ao futebol praticado, especialmente na televisão. Como contraponto, colocava o exemplo clássico da compra de um carro em segunda mão. Quando alguém compra um carro, o carro passa a ser dele e dele pode dizer o que entender e de quem lho vendeu. Se o carro é mau, dirá que é mau e que o vendedor o aldrabou. 

Não estou de acordo com Juca Kfouri. O exemplo do carro em segunda mão também se aplica exatamente aos operadores que compram os direitos de transmissão. Os operadores não compram os direitos para ficar com eles, mas para os revender de imediato aos telespetadores e assinantes. Compram um carro em segunda mão para o revender de imediato a outros que necessitam de um carro em terceira mão. Para o revender de imediato, não podem dizer mal dele. Ninguém espere que os canais e os jornais desportivos que vendem este entretenimento venham dizer-nos que se joga tão mal em Portugal que até dói e que as arbitragens são de ir às lágrimas. Talvez se esperasse mais dos canais públicos e dos jornais generalistas, mas não tem sido possível. Os primeiros, porque estão entretidos nas guerras de audiência e a imitar os outros, os segundos porque já estão quase em extinção e a fazer jornalismo sem jornalistas. 

[O título deste “post” é uma simples homenagem ao Gregório Duvivier, ator, humorista, guionista e escritor brasileiro. O Porta dos Fundos e o Greg News ajudaram-me a manter a sanidade mental no confinamento de março. Não sei se encontrarei substituto à altura para o confinamento que hoje se inicia] 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Vende-se “smart" TV

No Natal, contra tudo e contra todos, especialmente de ideias passadistas quando ao adequado enquadramento de interiores da sala de jantar, mas contando com o informado e imprescindível apoio da minha filha Ana, regressada de Zurique para um curto período de férias, comprei uma “smart" TV, uma coisa bem supimpa, que faz a felicidade de qualquer homem na crise da meia-idade. Um calhamaço de 50 polegadas, com ligações “hi-fi”, “bluetooth”, “streaming” e o raio a quatro, tudo a operar em sistema Android. Com a tal de “smart" TV e o “smartphone”, fica-se com a sensação que se pode fazer um frango de churrasco ou uma entremeada na brasa. 

Regressado do trabalho, sentei-me à frente da dita, da tal de “smart" TV para ver o jogo do Sporting contra o Marítimo para a Taça de Portugal. Apesar do aparato tecnológico e das minhas tentativas de controlo remoto, ouvia insistentemente a voz do Manuel Cajuda a comentar o jogo. Comecei a imaginar que, depois do jogo e do Manuel Cajuda, veria o “Bonanza”, a “Casa na Pradaria” ou a “Vaca Cornélia”. Ora, este era o tipo de programas e séries que via numa Grundig a preto e branco que o meu pai tinha comprado aí pelos finais dos anos sessenta, princípios dos anos setenta. Imaginam o desconsolo, o sonho de uma vida, uma “smart" TV e depois isto: uma série dos anos sessenta ou setenta a preto e branco. 

Quando percebi que o Borja tinha regressado, senti um ligeiro arrepio, mas está frio, muito frio, e pensei que era do frio, não sendo necessário desempacotar o desfibrilador. O Manuel Cajuda e um outro comentador tentaram reconfortar-me, afirmando que tínhamos um banco de luxo, enumerando os jogadores e entre eles o Sporar. É o mesmo que nos falarem de Ricardo Salgado e de banco bom na mesma frase. Mais coisa menos coisa, falhanço aqui, falta ali, perdas de tempo acolá, o jogo ia (não) correndo: uma bagatela de 26 faltas só na primeira parte. O melhor momento foi mesmo quando o árbitro foi saber como se encontrava um jogador do Marítimo que estava a ser assistido fora do campo. Apreciei a diligência e a atenção. Não me voltam a apanhar no SNS24. Quando me sentir mal, ligo ao Manuel Oliveira. 

A segunda parte foi mais do mesmo. Muitas faltas. Amarelos nem vê-los. Perdas de tempo com jogadores do Marítimo estropiados e desmaiados pelo chão. Estava-se nisto quando o Neto fez o que tinha de ser feito e, se alguém o tinha de fazer, ele e só ele o poderia fazer. Passou para as costas do Palhinha, um jogador recupera a bola, tropeça no Feddal, tropeça na bola, passa-a para o lado direito e golo do Marítimo. Passado mais um bocado, canto para o Marítimo, desvio ao primeiro poste, aparece um jogador ao segundo poste a empurrar a bola e segundo golo. Foi um prémio muito merecido para esse jogador. Fez quatro faltas para amarelo e só viu um. Alguns dirão: o prémio foi não ter sido expulso. Não, nada disso, era pouco, muito pouco, o árbitro não queria e não o ia expulsar, fizesse o que fizesse. Não o expulsar não era prémio. Prémio, reconhecimento é deixá-lo marcar um golo para assim o homenagear.  

A coisa está feita e não se fala mais nisso: perdemos e fomos eliminados da Taça de Portugal. Esta história é repetida. Foi assim que fizemos contra o Lask Linz e temos sido beneficiados por não jogar a Liga Europa, como muitos afirmam. Agora, sempre poderão afirmar também que iremos ser beneficiados por não jogar a Taça de Portugal.  

domingo, 10 de janeiro de 2021

We Shall Fight on the Beaches

“[…] we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing trength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be. We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender”.

Até ontem, atribuía estas palavras, este discurso a Winston Churchill, no parlamento inglês, em 4 de julho de 1940. Ontem, descobri que estava enganado, que as palavras eram da Doutora Helena da Liga Portuguesa de Futebol, dirigindo-se à equipa técnica e aos jogadores do Sporting. Enfrentámos a tempestade Filomena no ar. Não conseguimos aterrar, no Funchal, recorrendo à alternativa do Porto Santo. Voltámos a levantar voo e a enfrentar a Filomena no ar até a derrotarmos e aterrarmos no Funchal. Em terra, também foi preciso tentar derrotá-la, mesmo com risco de um resfriado, de uma gripe. Não foi possível na quinta-feira. Na sexta, defrontámo-la em terra e no mar, num mar de lama. As coisas estiveram mal paradas no ar, em terra e no mar, mas nunca nos rendemos.

O trabalho prejudica muito o futebol. Só vi os últimos trinta minutos. Percebi o contexto. O Nacional estava a jogar contra o vento e tinha muitas dificuldades em sair com bola longa para o ataque. E nós pressionávamos a saída bola de trás como se não existisse amanhã; e o Pedro Gonçalves isola-se do lado direito e remata cruzado para um mergulho do guarda-redes; e o Palhinha recupera uma bola, domina-a no peito, coloca-a no chão, percebe que o guarda-redes está mal colocado e remata de longe, com ela a sair rente ao poste; e entre o Nuno Mendes, o Nuno Santos e o Palhinha recuperam uma bola e metem-na no Pedro Gonçalves que a estica para o outro lado onde aparece o Pedro Porro que simula, faz uma pausa, espera até a meter novamente no Pedro Gonçalves à entrada da área, que simula o remate, passa pela defesa e a remata por cima da baliza, depois de ter ficado presa na lama; e o Nuno Santos corre como se fosse a última vez e, isolado à entrada da área, remata cruzado, ao lado, com a bola a ficar presa numa poça de água; e o Pedro Gonçalves ganha uma bola à entrada da área, passa-a do pé direito para o esquerdo e enfia uma bojarda ao poste; e o Tiago Tomás isola-se do lado esquerdo e remata ao primeiro poste para mais uma boa defesa do guarda-redes; e entra o Matheus Nunes; e entra o Jovane Cabral; e o Pedro Gonçalves desmarca o Matheus Nunes do lado direito, que centra para o corte de um defesa, sobrando a bola para o Tiago Tomás, que arranca para a linha e a centra atrasado para o Jovane Cabral a encostar para a baliza de primeira.

Durante trinta minutos passou sempre o mesmo pela minha cabeça: a nossa maldição, uma maldição pior do que a do Béla Guttmann. Vieram-me à cabeça jogos atrás de jogos e olhares, olhares desolados, do Polga, do Rui Patrício, do Liedson ou de milhares de adeptos na final da Taça UEFA em pleno Estádio de Alvalade. Tudo ia acabar como sempre acaba, não há como lhe fugir. Trinta minutos que duraram uma vida, imagens atrás de imagens de meio século de sportinguismo, desta fatalidade. E a bola entrou e entrou na baliza certa! Os homens não choram, é uma chatice, mas podem-se rebolar na lama como miúdos sabendo que não escapam ao ralhete da mãe.

E as palavras finais do Rúben Amorim dizem tudo: “Não tenho palavras para a atitude destes jogadores, como eles encaram os desafios, as dificuldades, tenho um orgulho enorme em ser treinador deste grupo”. Para o bem ou para o mal, as palavras contam, as palavras têm consequências.

sábado, 9 de janeiro de 2021

Estranha forma de vida

 

Diz um amigo meu Sportinguista que já não aguenta. Era no natal, no ano novo, nos reis, não tarda, diz ele, passará o seu aniversário em primeiro, quem sabe o carnaval e, mesmo a páscoa, não fica assim tão fora de mão. A pressão tem sido enorme, de todos os quadrantes surgem os avisos à navegação, o primeiro lugar do Sporting é efémero (gritam), outra coisa seria inexplicável. Os comentadores comentam (suspirando), os gazetistas desinformam, Jorge Jesus agita-se e pedincha reforços, Sérgio Conceição confia na fruta de época, os adeptos adversários engolem em seco as piadinhas, e os Sportinguistas encolhem os ombros desculpando-se por esta estranha forma de vida.

Um jogo tinha sido adiado certamente para empatar no dia seguinte (um filme recente de um rival). Ou talvez porque os meninos tinham medo ao vento. Um avião terá andado horas em passeio, sobrevoando a Madeira para ver se conseguia ter uma vista privilegiada da ilha. Ou então para criar suspense e voltar a casa. De tudo, o meu amigo ouviu. Chegado o momento, a equipa do Sporting calçou as galochas e, de peito feito, dedicou-se à agricultura num batatal bem regado. Os rostos felizes dos vencedores coincidiram, no final, com a devida vénia dos vencidos.

Estranha forma de vida? Isso já nós sabemos há muito tempo. E com orgulho!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Não foi por culpa do árbitro

O Sporting não ganhou ao Nacional e não, não foi por culpa do árbitro. Apesar de um pouco lento na análise dos lances, com sucessivas consultas ao VAR, demorando muito tempo na decisão e quebrando o ritmo de jogo, Manuel Mota decidiu sempre bem. Controlou disciplinarmente muito bem o jogo também, sem mostrar um amarelo para amostra. 

Os lances não são isentos de controvérsia. Não sei se um Fábio Veríssimo ou um Luís Godinho não teriam decidido de outro modo. Por exemplo, dificilmente teriam permitido a entrada no mínimo imprudente do Coates de calções. As leis não são de simples interpretação neste caso. Está um senhor na televisão a explicar tudo. Quando chove a cântaros e está um briol do camandro, o jogador não pode colocar em causa a sua integridade física e a dos restantes jogadores. Era evidente que o Coates já estava com o pingo no nariz e nem a uma coberta ou a um xaile recorreu.    

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Uma teoria da relatividade sobre o jogo Sporting x Braga

O jogo contra o Braga necessita de umas notas, de umas explicações adicionais, para ver se se compreende o que se passou e as razões para tanto mau perder. De repente, ficámos a saber que existem milhões e milhões de adeptos do Braga e que a comunicação social é quase unânime em considerar a sua equipa como a melhor do campeonato e arredores. No futebol, tarde ou cedo, as profecias autorrealizam-se: nem sempre se perde, nem sempre se ganha. Afirmar que o Sporting vai perder não é sequer uma profecia, é um facto. A comunicação social fez esta profecia como sempre a faz, época após época,  mas a profecia tarda a cumprir-se. É todo um parlapié sobre futebol, um modo de vida que está em causa. 

Desta vez é que era. O Sporting não ganhava e o Benfica, ao ganhar [estava-se mesmo a ver], passava para a liderança. Num só fim-de-semana, a conversa e mais conversa sobre esta profecia legitimava-se e assim se continuava como dantes, como de costume. Mandaram-se os habituais foguetes antes da festa e depois foi um sarilho para andar a apanhar as canas, aparecendo melões, muito melões, e explicações atabalhoadas, como a dos remates enquadrados e não enquadrados de um rapaz da Sporttv. O mau perder do Carvalhal, que aprecio [afirmo para não haver dúvidas] e que aprecio ainda mais quando, ao falar inglês, traduz literalmente frases idiomáticas, cumprindo o princípio do grande Eça de se falar patrioticamente mal qualquer outra língua que não seja a língua portuguesa, foi a cereja em cima do bolo. 

Vamos analisar um pouco melhor jogo para ver se nos entendemos. As equipas encaixaram-se bem e as oportunidades de golo foram muito poucas. O entusiamo do relato e dos comentários fizeram-nos crer noutra coisa, mas a verdade não é essa. 

Na segunda parte, o Braga não tem nenhuma oportunidade de remate enquadrado, como agora se diz. No lance do golo anulado, nem o Feddal, nem o Coates procuram recuperar posição e limitam-se a manter a linha de fora-de-jogo e assim a anular o lance à nascença. Há quem diga que 14 centímetros é pouco, mas a verdade é que foram os jogadores do Sporting que intencionalmente o deixaram 14 centímetros em fora-de-jogo. O outro suposto lance nasce de outro bom posicionamento da linha defensiva que deixa o Esgaio vários metros em fora-de-jogo, que o fiscal-de-linha vesgo não viu ou fez que não viu [e então não é vesgo mas outra coisa]. Em síntese, durante 45 minutos o Braga não tem uma oportunidade para amostra e nos últimos 30 minutos, a perder, não o consegue apesar de ter a equipa toda no ataque.  

Na primeira parte, o Braga tem uma excelente oportunidade de golo, quando o Horta se isola e tenta o chapéu ao Ádan. Os dois outros remates perigosos nascem de simples confusões e carambolas. No primeiro, a bola anda em bolandas até que o Horta sem ver bem onde estava nem onde estava a baliza lhe enfia uma biqueirada para onde estava virado. No segundo, tudo se inicia num corte do Coates, seguido de uma escorregadela do Paulinho que impede a disputa da bola e lhe permite, no chão, aliviá-la mais ou menos para onde estava virado, proporcionando um remate de fora da área de olhos fechados que leva a bola ao poste. 

Não pretendo desenvolver nenhuma teoria sobre oportunidades de golo ou remates enquadrados, seja isso o que for, e assim estabilizar conceitos. O que estamos mais ou menos de acordo é que a equipa do Sporting e a sua defesa só permitiram uma oportunidade golo a partir de uma jogada do Braga com pés e cabeça [em sentido figurativo, porque em sentido literal a cabeça não é para aqui chamada]. Esta análise permite um conclusão, que vem sendo repetida jogo após jogo: o Sporting não é uma equipa fácil de bater! Este é o grande mérito do Rúben Amorim e, como tenho referido, na cabeça dele, na sua tática defender bem é condição necessária. Sem defender bem, não é possível ganhar.

Em muitas circunstâncias, defender bem é condição necessária e  suficiente. Há sempre uma bola vadia, uma carambola, um canto ou um livre que fazem o que falta para se ganhar o jogo [no futebol português, ganham-se mais jogos assim do que de outra forma qualquer]. Quando se tem de atacar é que a porca torce o rabo. O Sporting não dispõe de um ponta-de-lança de referência que permita, com base nele, construir o ataque e chegar a zonas de finalização. A equipa precisa sempre que os laterais consigam desbloquear os seus flancos e desequilibrar no ataque, com movimentações dos extremos para o interior; para isso, precisa de espaço e foi esse espaço que o Braga concedeu no primeiro golo. A diferença esteve na finalização do Pedro Gonçalves por oposição ao Horta. 

Não conseguindo construir no ataque posicional [à falta de melhor definição], a equipa vive da pressão alta e de bolas em profundidade, colocando muita, muita intensidade nesta forma de jogar. A diferença relativamente às outras equipas também tem sido esta: mais intensidade e maior resistência física. O segundo golo [mais um remate enquadrado] e os últimos vinte minutos de controlo do jogo devem-se às substituições e a essa maior capacidade física [no início do jogo, o Sporar não teria passado pelo Esgaio e pelo Rolando como cão por vinha vindimada]. 

Dito isto, o resultado poderia ter sido outro. No futebol, é sempre possível. Ganhar e merecer ganhar são uma e a mesma coisa. O objetivo é marcar mais golos do que adversário e, marcando, atinge-se o objetivo e "mutatis mutandis" impede-se o adversário de o atingir. O Braga não jogou mal, muito pelo contrário. Foi o facto de ter jogado bem que tornou esta vitória ainda mais relevante. O que se dispensa são os foguetes antes da festa, o futebolês permanente, o mau jornalismo e a arbitragem portuguesa, como se viu mais uma vez. Não são precisos estes acessórios para que os jogadores façam dentro de campo o que têm de fazer e que os treinadores determinaram. No fim, no fim logo se vê e assim é que é bonito.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Venha o próximo

 

Não fui ao estádio. Estava para ir receber a equipa e beber um copo no Boina Verde, ver a malta dos coiratos a arrebitar cachimbo, ficar na bicha a ruminar impropérios antes de entrar no estádio, escutar os petardos (será a passagem do ano?), olhar a casinha e recordar sem vergonha o cachecol da caveira e a faixa do puto que já foi capa de um disco memorável. De Braga são apenas 3 horas e picos, mais uns trocos (valentes) de portagem, mais uns trocos (valentes) de gasóleo, mas desta vez não era possível, nem com a máscara do Dali da Casa de Papel. Tentei as autoridades, as oficiais e as oficiosas, não, não era possível partir o mealheiro e esmiuçar os envelopes das prendas de Natal para ver o Sporting. Já lá fui tantas vezes, reza uma história de contar os tostões, apenas para ver o Sporting, entrar no estádio, andar lado a lado com as gentes das nossas cores. Todo o mundo sabe que…

A internet não sabe. Às vezes o jogo chega com delay, às vezes não chega. Depois de uma manhã de trabalho e uma tarde de confinamento, entrei no estádio. Às pinguinhas, os acontecimentos aconteciam (deixem passar) com o beneplácito dos comentadores, passando as imagens rente ao desleixo dos árbitros. E a nossa equipa jogava, planava, ao som dos festejos de um corte do Porro (lembram-se?), de uma defesa do Adán, de um ou outro tricot do Pantufas. Ao intervalo o Braga ganhava zero a zero (gritavam alguns, em desespero). Fumei um cigarro e depois outro. Acho que bebi uma cerveja. 

Começou a segunda parte, o delay atrasava-me os pensamentos e fui algumas vezes apanhado em fora de jogo, uma delas por catorze centímetros. O jogo, repentinamente, foi colhido de surpresa pela entrada em campo de uma equipa que não tinha autorização para tal, ainda por cima depois de o Braga se apanhar a ganhar zero a zero. O VAR não se pronunciou (incrivelmente) e essa equipa que surpreendentemente (para alguns) estava em campo acabou por ganhar dois a zero. A imunidade de grupo, ainda assim, não estava, nem está, garantida.

Fui-me a um coelho (daqueles criados em casa - o PAN que me desculpe) estufado, acompanhado de um tinto robusto. Satisfeito, lembro-me de pensar: venha o próximo!

domingo, 3 de janeiro de 2021

Não perceber e sem o inglês a atrapalhar

Não se pode pedir ao Braga que num só jogo equilibre o campeonato. Quinze amarelos a menos do que o Sporting não se recuperam do pé para a mão [pé e mão são a mesma coisa, como se viu neste jogo]. O Braga fez o que lhe competia? Claro que fez. Não se mete um caceteiro como um Raúl Silva ou um Ali Elmusrati por acaso, por dá cá aquela palha, sem intenção alguma. Fizeram tudo o que estava ao seu alcance: quatro “penalties” e os árbitros nada, nem “penalty”, nem amarelo, nem nada. Uma entrada do Matheus à rótula do Sporar e amarelo logo compensado por um amarelo ao Matheus Nunes por, depois de agarrado por um adversário, lhe ter tocado na face. Sim, quando é que esperam que o Braga recupere o atraso? Por esta andar, jamais, “never ever”, como diria o Carvalhal. 

O Braga fez três remates perigosos na primeira parte e o Sporting também. No primeiro, o Ádan fez uma boa defesa, no segundo, a bola vai ao lado, no terceiro, a bola vai ao poste. Não sei o que aconteceu ao Sporting. Sou como o Rúben Amorim, não consigo ver a marcação de “penalties”. Sempre que havia um, ausentava-me para fumar um cigarro e, quando regressava, nada, tudo na mesma. Depois do jogo, ouvi um ex-árbitro na SIC afirmar que tinham sido “penalties”. Havia uma dúvida num, que um jogador pode fazer uma manchete porque futebol e o voleibol são a mesma modalidade, mas houve dois toques, é transporte, não é possível no voleibol também. Os jogadores do Sporting não foram marcar, recusaram-se a marcar, remataram de propósito para fora, não queriam ganhar de “penalty”, foi isso? Uma explicação, é o que se pede. 

O Sporting tremeu depois de primeira oportunidade de golo do Braga. Até ao final da primeira parte, foi um ai Jesus, Nossa Senhora. A segunda parte inicia-se com um golo anulado ao Braga por fora-de-jogo. O Carvalhal se já estava inchado mais inchado foi ficando, e com ele, a equipa do Braga, não percebendo que se estava a expor cada vez mais na defesa, numa defesa que depois das correrias que o Sporting lhe proporcionara na primeira parte não podia com uma gata pelo rabo. De longe, de muito longe, o Sporting é a equipa do campeonato mais perigosa no ataque rápido, no contra-ataque, no contragolpe. Dar-lhe espaço é mortal. O primeiro golo é um clássico desta época: viragem de flanco de jogo para o lateral que avança no terreno, Nuno Mendes, centro para as costas do lateral do lado contrário, passe para o meio e Pedro Gonçalves a encostar, de forma simples, sem tentativa de chapéu ou outra figura geométrica, sem força a mais ou a menos, com precisão.

E o Braga enche-se de brios e reage. E o Rúben Amorim não cede, metendo o Sporar e o Tabata para continuarem a pressão sobre a defesa. E mete o Matheus Nunes na meia direita e mata o jogo. Com a defesa completamente à deriva até o Sporar parecia o Messi. Foi mais um, mas se tivéssemos um avançado com outra capacidade, teria sido ainda mais um ou outro. O Rúben Amorim disse-o sem o dizer explicitamente: na segunda parte, os avançados estiveram inúmeras vezes em situações de um contra um. E o Braga entrou no perdido por cem, perdido por mil. Mas quando se quer ganhar com a alma é preciso jogadores com mais alma do que Porro, Coates ou Feddal e o Braga não os tem.

O Braga podia ter marcado primeiro? Claro que sim. Se tivesse marcado, o jogo poderia ter sido diferente? Claro que sim. Não marcando, o Sporting acabaria por ganhar o jogo e foi isso que o Carvalhal e a equipa do Braga nunca perceberam. Com espaço, com a defesa à beira de uma apoplexia e com a equipa do Sporting mais, muito mais fresca, o golo seria uma questão de tempo. O Braga tentou reagir, ainda faltava mais de meia hora, mas desconseguiu e a única oportunidade de golo nasce de um fora-de-jogo do Esgaio que permitiu uma defesa ao Ádan, que nem a devia ter tentado, como disse o Rúben Amorim, com a fina ironia que o caracteriza nas conferências de imprensa. A grande diferença entre o Sporting e o Braga esteve nos treinadores, no conhecimento das forças e fraquezas das suas equipas, mas, sobretudo, no conhecimento das forças e fraquezas da equipa adversária. No final do jogo, o Carvalhal demonstrou que não percebeu nada e, não, o inglês não atrapalhava.