Não sei se a autoestima dos sportinguistas anda pelas ruas da amargura ou se é congénita, isto é, se ser-se do Sporting implica baixa autoestima. Acabado o jogo contra o Porto, regresso a casa ainda a tempo de ver um adepto a dizer que a equipa tem um problema de atitude. A partir daí foi um chorrilho de autocrítica sobre a eficácia, a qualidade dos jogadores e, inevitavelmente, o Varandas e a preparação da época. A autoestima é tão baixa que aceitamos todas as narrativas sobre o jogo como se nem o tivéssemos visto. Deixo cinco notas que permitem a um sportinguista com adequada autoestima aguentar este resultado e preparar-se para o jogo contra o Benfica.
[O conceito de arriscar demasiado]
No sábado à noite, no meio de mais um “zapping”, ouço um senhor comentador com o cabelo pintado de cor de ferrugem a analisar o triplo ou o quádruplo “penalty” do Ruben Dias num só lance, afirmando que se trata de um jogador que arrisca muito e que naquele lance tinha arriscado demasiado. Se bem percebo a semântica, o Ruben Dias é como aquele condutor que excede sempre os limites legais de velocidade na expetativa de não ser apanhado pelo radar ou pela própria polícia de trânsito. No futebol não é aleatória a presença de radar ou de polícia de trânsito: não há jogo se não houver essas condições. O Ruben Dias não arrisca nem deixa de arriscar, infringe a regras de jogo perante a complacência dos árbitros que veem o que todos vemos e fazem de conta que não estão no estádio mas, por azar, escondidos na berma da Estrada Nacional Nº2.
[Quem não arrisca não petisca e o petisco sai sempre aos mesmos]
Não se petisca se não se arrisca e não há domingo sem sábado. Havendo risco e petisco no sábado, também haveria no domingo, estava bom de ver, quando se tem o mesmo árbitro que ainda há uns meses validou um golo com a mão ao Porto na Final da Taça de Portugal. Como também não há segunda sem domingo, li a análise efetuada por um ex-árbitro n’ “A Bola” a dois lances do Alex Telles, um que deveria ter originado um “penalty” e outro o segundo amarelo e consequente expulsão. Na análise recorre-se outra vez não às regras de jogo mas ao Código de Estrada: o Alex Telles arriscou demasiado também. Se continuo a perceber a semântica, os jogadores deixaram de fazer faltas e passaram a arriscar. Vamos admitir por um só momento que a situação era exatamente a inversa: o Acuña arriscava demasiado duas vezes e no final o Sporting ganhava dois a um. Alguém estaria a falar noutra coisa se não nisso e isso ainda seria qualificado como "arriscar"? É verdade que a situação é hipotética. O Acuña mesmo sem arriscar nada levou um amarelo, não fosse pensar que podia arriscar alguma coisa.
[A eficácia de uns e a falta de eficácia de outros]
Os resultados no futebol não encerram nenhum dilema moral. Quem ganha merece ganhar porque, de outra forma, não se tratava de futebol mas de patinagem artística. Outra coisa bem diferente é encontrar explicações “a posteriori” para os resultados. A explicação encontrada foi a da famosa eficácia e da sua relação com a qualidade dos jogadores. O Soares foi eficaz e o Acuña também. Quanto ao Marega, este sim, encerra em si mesmo um dilema que deixa perplexos os adversários e mais ainda os seus colegas de equipa: nunca se sabe para que lado ele não vai conseguir dominar a bola e se para esse (não) efeito recorre ao fémur, à tíbia ou ao perónio da perna esquerda ou direita. O Marega mais uma vez não conseguiu dominar a bola, perdeu-a e, com isso, acabou por a meter dentro da baliza. Nos manuais das melhores universidades e no Canal 11, da Federação Portuguesa de Futebol, qualifica-se este tipo de situação como “piço do caraças”. Em conclusão, o Sporting e o Porto foram igualmente eficazes só que o segundo teve um “piço do caraças”.
[A ironia do Sérgio Conceição]
O Pinto da Costa sempre teve sentido de ironia e as suas declarações marcaram o estilo do Porto até hoje. Ninguém se esquece da sua resposta, quando interpelado por um jornalista para análise de um lance em que o velho João Pinto aliviou a bola contra a barra da sua própria baliza, que ele assim terá procedido para evitar ceder canto. É neste registo irónico que compreendo a afirmação do Sérgio Conceição de que o primeiro golo do Porto resultou de um lance estudado. Admito que lhe tenham perguntado como é que explicava o facto de o Marega não conseguir dominar uma bola e, às vezes, ao perdê-la acabar por marcar golo. Sem o registo irónico, a afirmação é desprovida de sentido. Se o Marega treinasse afincadamente a receção de bola, deixaria de ser imprevisível e não mais conseguiria marcar golos ao perdê-la, depois de lhe tocar com a extremidade anatómica mais improvável.
[A tática, sempre a tática]
O treinador da equipa que ganha tem sempre razão. Outra coisa bem diferente é encontrar razão (racionalidade) no que faz como forma de explicar o resultado. O Porto não ganhou o jogo porque entrou o Luiz Dias. O Porto ganhou o jogo porque o Soares marcou o segundo golo, depois de um canto bem marcado pelo Alex Telles que encontrou o Doumbia a dormir. O Sporting entrou muito bem na segunda parte e dominou durante vinte a vinte cinco minutos, criando diversas oportunidades de golo. Não marcando, quando a pilha se esgotou, o Porto equilibrou o jogo e num lance de bola parada marcou (nestas circunstâncias foi eficaz). Depois do segundo golo, o jogo nunca mais foi o mesmo. Não se pode analisar o que se passou a seguir com a mesma grelha de leitura do que se passou antes. Os lances criados pelo Luiz Dias foram depois do segundo golo e não antes. O Silas não reagiu mal. Perdido por cem, perdido por mil, desmontou a equipa e apostou em partir o jogo, arriscando os contra-ataque do Porto, mas tentando numa ou noutra situação apanhar o adversário desequilibrado e em desvantagem numérica. A intenção tinha a sua razão de ser: o Porto tem muitas dificuldades em controlar o jogo com bola. Esqueceu-se foi que para esse efeito estava lá o árbitro. Depois desse golo, foram marcadas mais faltas do que no resto do tempo e, assim, o jogo não se partiu, embora o Sporting ficasse mais exposto defensivamente.