quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Bom ano com o Scrooge e tudo!

Ganhámos, ganhámos e voltámos a ganhar e alguns sportinguistas, não satisfeitos, parecem embalados na conversa dos comentadores oficiais do regime. Aproximam-se tempos tenebrosos, de jogos atrás de jogos, de dificuldades e mais dificuldades. O horror, a frustração, o desânimo estão ao virar da esquina! O que vai fazer o Ruben Amorim? Como é que irá reagir um Nuno Mendes, um Tiago Tomás ou um Bragança a estas exigências? E os amarelos? E o avançado que tanto vem como não vem? E o central, não precisamos de um central, vamos continuar com o Neto? 

Este Natal foi um belo exemplo de que há coisas que interessam mais, muito mais. Este Natal foi chocho, muito chocho. A pandemia não dá tréguas e as mensagens foram poucas e pouco animadoras. Irritado, enviei uma série de mensagens de bom Natal com umas imagens parvas que para aí andam, com o Pai Natal vestido de verde e apelos ao exemplo do Sporting de isolamento e distanciamento. As respostas foram às pazadas de sportinguistas, de portistas, e de benfiquistas. De repente, estava a responder a um mar de gente. Um amigo de longa data, com o qual não converso há anos, liga-me e conta-me as histórias do filho mais novo, miúdo, do seu orgulho em ir à escola para demonstrar aos seus colegas benfiquistas e portistas com quantos paus se faz uma canoa. 

Não, não estamos a perceber nada do que está a acontecer. A disputa do campeonato pouco importa. É mais, muito mais do que isso. Estamos a redimir-nos, a reconciliarmo-nos connosco próprios e com os outros. Já ganhámos, não custa assim tanto perceber. Devemos isso ao Ruben Amorim, ao Tiago Tomás, ao Coates, ao Neto [sim, ao Neto também!], ao Pedro Gonçalves, ao Nuno Santos, ao Sporar [também ao Sporar, sim senhor, ou não nos lembramos do penalty à Panenka no último minuto?!] e por aí fora. Há as sombras do costume e esta jornada foi pródiga nelas, no jogo do Porto e no do Benfica. Mas até os Contos de Natal do Charles Dickens não vivem sem o odiento Scrooge, que até ele se redime [se um dia houver juízo, talvez o futebol português aproveite esta oportunidade para se aproximar da redenção]. 

Nada do que possa acontecer nos retira o que já ganhámos, o que os nossos já ganharam com a nossa camisola. Não há ninguém, nem o Scrooge, que faça o tempo andar para trás. Não tendo desejado um bom Natal, desejo um excelente ano de 2021 aos rapazes da nossa equipa e, através deles, a todos os sportinguistas.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Não há cérebro sem corpo, embora possa existir corpo sem cérebro

Não bastava jogar contra uma equipa com nome de laranjada ou refresco [prefiro 7-Up a estas bebidas isotónicas, para que conste]; não bastava jogar num campo e num estádio sem dono [no PREC chegou a ser uma Unidade Coletiva de Produção e, ao que dizem, passou a zona de caça turística gerida pela FPF com uns dinheiros do Cristiano Ronaldo à mistura]; como disse o Rúben Amorim, era preciso ainda preparar taticamente pior a equipa do que prepararia o Petit, prepará-la para menos do que nada. Em conclusão, para se estar preparado para tudo é preciso preparar-se para tudo ou para nada. 

Quando se refere tudo é tudo mesmo, incluindo um novo fenómeno Lucílio Baptista. Este fenómeno caracteriza-se por se ver o que não se vê e não se viu, não sendo propriamente uma forma de adivinhar. Trata-se de um erro de paralaxe de uma pessoa, mas que altera a realidade de todas as outras ao seu redor. Já me aconteceu. Um dia, a passear de carro no Alentejo fui surpreendido por uma vaca a voar, apontando: “Olha, olha uma vaca a bater as asas, a voar!”. Ao meu lado, a minha mulher não disse nada, cumprindo à risca o protocolo do VAR. Essa situação foi analisada por um ex-árbitro na SIC. Que não, não era uma vaca. Que sim, era um mamífero. Que talvez fosse um veado. Que a afirmação correta devia ter sido: “Olha, olha um veado a bater as asas, a voar!”

A análise do lance do suposto “penalty” do Adan foi clara quanto ao erro de paralaxe e ao processo estranho de alteração da realidade. O tal ex-árbitro jura a pés juntos que o avançado não toca na bola, mas que precisava de uma imagem de demonstrasse que tinha sido o guarda-redes a tocar-lhe. Não se aplica o habitual se não é boi é vaca ou se não é galo é galinha. Sem visualização da genitália, se não é boi pode ser andorinha ou se não é galo pode ser rinoceronte. No “penalty” a nosso favor fez o favor de explicar que se o defesa se limitasse a espetar uma faca nas costas do avançado havia razões para mostrar o vermelho. Se ao mesmo tempo lhe enfiar um balázio na mona, então deve-se mostrar o simples amarelo. 

Ando a ler “Sentir & Saber”, do António Damásio [não confundir com Manuel Damásio, se faz favor], e encontro-me especialmente preparado para compreender estas análises. Chama-se inteligência ou competência não explícita, resultado da evolução de processos bioquímicos que permitem detetar sem sentir, sem compreender, sem saber. Os seres unicelulares, como as bactérias, dispõem-se exclusivamente desta competência. Os homens, dispondo de sistema nervoso, combinam formas não explícitas e explícitas para a sua sobrevivência e nenhuma substitui a outra. Não tem mal, mas saber pressupõe sentir e compreender o que se sente: não há cérebro sem corpo, embora possa existir corpo sem cérebro. 

Continua a ladainha que todas as equipas já compreenderam o sistema tático do Rúben Amorim. Umas porque estacionam o autocarro e não dão espaços nas costas da defesa, outras porque marcam a saída da bola pelos centrais e fecham as laterais, impedindo as subidas de Pedro Porro e de Nuno Mendes. As equipas vão perdendo, uma atrás da outra, mas estão a compreender, a saber. A única que compreendeu, que soube de facto, foi a equipa do Luís Godinho e, ainda assim, precisou da compreensão, da sabedoria da equipa do VAR. Os adversários não precisam de compreender o sistema tático do Rúben Amorim, mas tão-só de aprender com quem sabe sem saber, através de um longo processo de evolução da espécie que determinou o equilíbrio homeostático do futebol português. 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Je suis Charlie!

Fui jantar a casa de uns amigos, não vendo o jogo em direto. A confiança era total. Não vacilei, nos queijos, na sapateira ou no robalo. Ataquei com o que tinha mais à mão. Não perdi um tópico de conversa. Do meu lado esquerdo, ao fundo da sala, passava o jogo. Dei uma ou outra olhadela, de esguelha, de soslaio, tranquilo, muito tranquilo. Como disse, confiança total: a vitória era nossa assim ou assado, como o robalo.

Cheguei a casa e vi o jogo em diferido. Um exercício mais ou menos burocrático, como verificar se as vacinas estão em dia ou a data de validade do Cartão de Cidadão ou da Carta de Condução. Sabemos de antemão que está tudo bem. Queremos é tomar nota mental da necessidade mais ou menos urgente de passar pela Loja do Cidadão. Estava tudo em dia, como esperava. Em janeiro, talvez não fosse má ideia passar pela Loja do Cidadão para trazer um calmeirão para o ataque, um Bas Dost por um oitavo do preço anterior.

Há um ano, qualquer equipa que jogasse contra o Sporting entrava de peito feito à procura da vitória. Agora entram para perder por poucos. O Farense esteve impecável. Entrou para perder por um e o mais tarde que pudesse ser. Só perdeu por um no final do jogo e assim podem voltar para casa com a consciência do dever cumprido e com a confiança em alta. Não sou do Farense, mas, se fosse, estava orgulhoso daqueles bravos rapazes. Entre eles e o árbitro, com os do Sporting à mistura, conseguiram arranjar 44 faltas, mais ou menos uma por minuto de jogo útil. É bom, muito bom. É obra! 

O Sporar marcou de “penalty” à Panenka. Pouco se falou desse feito, dessa impossibilidade có(s)mica, de um eslovenos marcar como um checo. Falou-se de artes marciais mistas ou MMA. Há opiniões para todos os gostos. Vale mais pontos o direto do guarda-redes nas fuças do Feddal ou o mata-leão aplicado no pescoço do Coates? Na conferência de imprensa o Rúben Amorim foi ambíguo. Por um lado, prefere o mata-leão mas, por outro, confessa que um direto é mais contundente. Também não sei dizer. Foram dois bons golpes que apanharam os adversários desprevenidos. Conclui-se o jogo e uma horda de muçulmanos do último reduto do Algarbe Alandalus, armada de cimitarras, desatou a perseguir campo fora o Charlie Hebdo. O árbitro não foi de modas e, solidário, mostrou um cartão onde se lia em letras garrafais “Je suis Charlie!”.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Um Natal alternativo

 

O jogo começou com zero a zero. O jornalista da SportTv estranhou. O Sporting ainda não tinha marcado. Seria desta? Já no aquecimento se notava qualquer coisa. O Vidigal não se deixou logo levar por estas evidências um tanto ou quanto esotéricas. No entanto, a equipa do Sporting mordeu o isco, deixando-se levar por uma certa melancolia pré-natalícia, enredando-se numa teia dinâmica a dar para o autocarro de passageiros com vídeo e wi-fi, onde se lia por fora: Sporting Clube de Farense. O Farense estava de volta dezanove anos depois e o Sporting podia chegar ao Natal em primeiro lugar dezanove anos depois. Estas coisas pesam no subconsciente da malta.

Ao intervalo não houve golos.

O início da segunda parte começou com zero a zero. O Jornalista da SportTv salientava a organização defensiva do autocarro que poderia a qualquer momento transformar-se num Tuk-Tuk a descer perigosamente uma ribanceira. Vidigal torcia o nariz (embora isso não se pudesse observar em directo) àquilo que normalmente se denomina de um jogo menos conseguido do Sporting e já toda a gente aguardava mais uma conferência de imprensa de Jorge Jesus.

Cerca dos noventa minutos de jogo o resultado estava zero a zero. Como no aquecimento, aliás. Numa jogada na área do Farense, Coates sofre um penálti prontamente não assinalado. Em sequência da jogada, o guarda-redes do Farense esmurra um Feddal mal colocado (não deveria estar ali e assim não seria esmurrado, ou quem deveria estar era o Coates e assim não seria penálti), confundindo o árbitro ao ponto deste assinalar uma grande penalidade óbvia porque não cometida sobre o Coates. Um estupefacto Sporar marcou mais um golo sem sequer suar a camisola. Chegamos ao Natal em primeiro. Como não estava previsto, ficámos a aguardar a conferência de imprensa de sua excelência o Pai Natal, e da comissão de festas da Federação Portuguesa de Futebol. .

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Lições de gestão e Rúben Amorim

Ao longo da minha vida profissional não fiz outra coisa do que gerir equipas de trabalho. Dei também aulas de gestão, embora sempre considerasse que a gestão não é uma ciência, quanto muito, um ofício, que se aprende fazendo. Não há nenhum livro, nenhuma teoria que habilite ninguém a tratar com uma pessoa em particular. Os livros ajudam a construir grelhas de leitura para melhor se lidar com pessoas, mas não nos ensinam a tratar com todas e cada uma e é sempre de pessoas que trata a gestão. 

Não sei se o Rúben Amorim alguma vez estudou gestão. Porventura, não estudou e, por isso, é que se trata de um bom gestor. Na prática de gestão aprende-se que uma organização que não faz bem o básico, o banal, o habitual está sempre condenada ao insucesso. O sucesso começa no dia-a-dia, no trivial, naquilo que ocorre e acontece bem que nem nos damos conta que ocorreu e aconteceu bem. No futebol, esse dia-a-dia, o banal, o trivial, é a defesa. É a defesa no duplo sentido. É defender bem coletiva e individualmente e, tratando-se de um jogo, ser capaz de neutralizar os pontos fortes do adversário. O Rúben Amorim começou por aí e tem sido a partir daí que a equipa tem evoluído. 

O que conta, o que verdadeiramente conta, é o método. O meu pai tinha uma expressão que reproduzia até à náusea, que não sei se era da cabeça dele ou a tinha encontrado em algum lado: “O método é o caminho lógico para a descoberta de verdade”. O esquema tático do Rúben Amorim está estabelecido e os jogadores conhecem-no como ninguém. Quando o método é bem conhecido e interiorizado por todos, a flexibilidade aumenta, parecendo que não. Quando todos conhecem o método, o lateral esquerdo pode jogar à direita ou no meio-campo. Quem geriu equipas sabe que assim é e é assim que tem de ser. Os recursos são sempre escassos e a flexibilidade e a adaptação são virtudes. O sistema de três defesas tem várias alternativas, podendo ser protagonizados por vários jogadores e com posicionamentos relativos entre si diferentes, conforme as circunstâncias do jogo. Já vimos vários jogadores a fazer o trio de defesas, mesmo durante o decorrer do jogo, conforme se pretenda um balanceamento mais ofensivo ou defensivo. A tática dos três defesas é que nunca muda.

As duas premissas são condição necessária mas não suficiente. Há uma parte que está no acreditar. Uma das coisas mais importantes que aprendi na vida é que as expetativas são autorrealizáveis. Pela negativa é que não há dúvidas nenhumas. Se não acreditarmos, não vamos fazer e não fazer alimenta a descrença e a descrença leva-nos a confirmar que sempre tivemos razão para não acreditar. É um círculo vicioso que se autoalimenta e não há forma de o quebrar. Pela positiva, as coisas são mais difíceis mas o círculo virtuoso também acontece. Se acreditarmos, vamos fazer e, ao fazer, se fazemos acontecer reforça-se a crença. Acreditar não é fé. É tentar que todos compreendam que é possível chegar a um objetivo, a um resultado, que transcende cada um. Há quem lhe chame visão, embora o enunciado das visões que se veem por aí seja de chorar às lágrimas. A liderança tem neste contexto um papel fundamental. Acreditamos se acreditarmos em quem lidera. É isso que nos faz melhor, que faz com que cada um se sinta parte, que um avançado recue mais depressa para ajudar um defesa, que um defesa guarde as costas do avançados. E conforme se fazem as coisas acontecer maior é a crença e quanto maior a crença mais se faz acontecer. É o que se está a ver com Rúben Amorim.

A gestão não é uma ciência e, portanto, nada nos garante que se se fizer o que é suposto fazer-se os resultados vão sempre acontecer. A gestão não é física: a maçã às vezes cai, outras não, cai com a aceleração da gravidade, outras não, não cai e fica a planar. O desempenho de gestão não envolve exclusivamente os recursos internos. Depende da envolvente externa que não se controla, as ameaças e as oportunidades que a famosas análises SWOT sempre sublinham. O problema do Rúben Amorim está nessa envolvente externa: sobram ameaças e faltam oportunidades. Quando assim é, por muito bom gestor que se seja, nem sempre se consegue. Quando não se consegue, nem sempre a culpa é do gestor. Como costumava dizer o nosso ex-primeiro-ministro e atual Secretário-geral da ONU: é a vida!         

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

“Memento mori”

No regresso a Roma depois de campanhas militares vitoriosas, os generais romanos tinham a mania de levar atrás de si uma escravo que lhes repetia permanentemente ao ouvido: “Respice post te. Hominem te esse memento. Memento mori”. O Rúben Amorim tentou a mesma coisa com o Ferro, mas, ou porque não sabe latim ou porque só decorou a cassete das “flash interview”, desistiu. Tentou de outra forma, com o Neto, o Borja ou o Sporar, especialmente com o Sporar, como vimos hoje no jogo contra o Mafra, não aos cochichos mas dentro campo. E assim: “Olha ao seu redor. Não se esquece que é apenas mais um treinador do Sporting. Lembra-se de que um dia vai perder”. 

O jogo contra o Mafra foi isto e pouco mais. Se houver um toupeira em campo, o Sporar mais depressa lhe acerta do que na bola [“sim, eu sei, ele também não acerta na toupeira, é só uma forma de dizer; aliás, no golo, a bola ressalta, notando-se que foi uma toupeira a fazer-lha embater na canela, quando nos preparávamos para lhe ver o taco espirrar mais uma vez”]. Está na sucessão de uma linhagem de grandes pontas-de-lança, onde se incluem um Eskilsson, um Peter Houtman, um Purovic, um Missé-Missé ou, mais recentemente, um Castaignos. Depois de o ver jogar, se um treinador não se reconduz à sua mais simples condição humana, então, é porque se trata de Jorge Jesus.  

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Prà rua ou prò c@&@#$o

Ligo a televisão na TVI para ver o jogo do Sporting contra o Paços de Ferreira, o grande Paços de Ferreira que fez tremer o gigante Benfica, treinador pelo não menos gigante Jesus ao ponto de necessitar de um cabeceamento do árbitro para ganhar no último minuto. Começa o jogo e começo a ouvir os comentários do Dani. Fazia o mesmo sentido aquilo que dizia como fazia se estivesse a passar um documentário do Discovery Channel. Aliás, as semelhanças dele com o David Attenborough são incríveis: nenhum deles percebe nada de bola, com exceção do David Attenborough. 

O Sporting começa por insistir, insistir no ataque. Moita-carrasco, o Paços de Ferreira não respondia. E, pouco a pouco, o Sporting parecia ter desistido. Os jogadores do Paços de Ferreira foram arrebitando, conforme iam ouvindo o Dani, ou vice-versa, não sei bem. De repente, com três toques apenas se escreve a palavra mãe, das palavras pequenas a maior que o mundo tem: Coates lança em profundidade, o Nuno Santos desvia de cabeça e o Tiago Tomás de primeira enfia a bola ao ângulo. 

O Tabata [dão-se alvíssaras a quem me explicar que jogador é este, de onde vem, para onde vai e se vai e leva uma muda de roupa] corre pelo lado direito e sozinho, junto á área, enfia uma biqueirada para a bancada. Mensagem de WhatsApp recebida: “Este Tabata está a gozar comigo”. Resposta imediata: “É um brinca na areia, é o que é”. Golo, Tabata! Correção, correção: “Não é um brinca na areia, nada disso, peço desculpa”. Jogada incrível do Sporting: troca de bolas entre o Palhinha e o Porro, lançamento de bola para a diagonal do Tiago Tomás que a segura, deita uma e outra vez o defesa enquanto espera para a passar ao Tabata que a ajeita para o pé esquerdo e a enfia ao ângulo outra vez. 

Não, não estou preparado psicologicamente para ver o Sporting jogar tanto. Vale-nos o Neto [“desculpa Neto!”] porque, sem ele, era um cabo dos trabalhos e uma discussão sem fim para se encontrar um ponto fraco da equipa. Começo a acreditar que os três centrais são para isso mesmo, para jogar o Neto e não perdermos muito tempo a apontar o patinho feito. De outra forma, ou se recorria a uma análise do Instituto Ricardo Jorge ou nada feito.

A segunda parte foi mais do mesmo. Entusiasmo do Dani com as transições do Paços de Ferreira, com os seus ataques vertiginosos e os seus defesas laterais transformados numa dupla-dupla, numa dupla mesmo dupla, melhor dizendo. “Falharam na finalização, não tem mal, há que treinar mais, mas os princípios de jogo estão lá”, diz o Dani, enquanto me lembrava da rosca do Neto para a própria baliza e a única defesa do Adan. Os nossos estavam com os princípios todos e com os finalmentes também e marcámos mais um, deixando mais três ou quatro para quem os apanhar. Por via das dúvidas, marcou o Palhinha para não se inventar mais uma falta do Coates. 

O árbitro Pinheiro fez um bom jogo, um jogo como deve ser. Não foi por ele que o adversário ganhou. E amarelo para o Palhinha. E amarelo para o Nuno Santos. E amarelo para o Ferro que também não parece de ferro [“eu sei, eu sei, foi ao Vital, mas não se pode perder este trocadilho da treta”]. Esperava ansiosamente que seja mostrado o amarelo ao Paulo Cintrão, debalde. Lembro-me de uma mensagem de WhatsApp inicial de um amigo que estava a ver o jogo na Sporttv:”Eu ponho-te na rua, c@&@#$o!, diz o árbitro a um jogador do Paços de Ferreira”.

Finalmente percebe-se, percebe-se tudo: a forma educada como se trata os jogadores do Sporting. O árbitro está disposto a mandar um jogador do Sporting para a rua, mas nunca para o c@&@#$o, para o c@&@#$o só os adversários. Sei bem o que isso pode representar para o crescimento de um jovem e para a sua autoestima. Fui um pouco “nerd” na adolescência, mas, durante o ciclo preparatório, tinha a mania de ser engraçadinho [achava que assim impressionava um miúda pela qual esperei como esperei pelo amarelo ao Paulo Cintrão]. Os professores mandaram-me várias vezes para a rua e saí sempre feliz. Não sei o que teria sido de mim se me tivessem mandado para o c@&@#$o.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Notas de rodapé

 

O Sporting fez um grande jogo, com momentos (e golos) capazes de levantar um estádio vazio. Está provado que é possível. A páginas tantas, eu só pensava: o tridente da frente (é assim que se diz?) é composto por um gajo que jogava no Portimonense, outro no Rio-Ave e outro ainda que jogava nos sub qualquer coisa 21 ou 23 do Sporting, já não sei. E quando descíamos o olhar continuávamos surpreendidos com a qualidade da equipa, onde, por vezes, até o Neto engana. A coisa tem mão, antebraço, cotovelo e braço do treinador. Arriscaria dizer até que tem clavícula e omoplata do técnico. A distribuição anatómica do treinador no jogo da equipa chega ao ponto de o cérebro conseguir faiscar várias sinapses, causando alguma surpresa até nos comentadores do jogo na TVI.

O Paços de Ferreira é uma boa equipa, com bons jogadores, e visitou Alvalade para jogar futebol. Não sei se será conveniente entronizar já o Pepa no olimpo dos treinadores, mas os resultados e as exibições recentes da equipa são um excelente cartão de visitas. Posto isto, vencemo-los duas vezes, marcando cinco golos sem sofrer nenhum. Um pormenor apenas.

Assim de cabeça, o árbitro do jogo conseguiu mostrar quatro cartões amarelos, três dos quais (adivinharam) mostrados a jogadores do Sporting (Porro, Palhinha, Nuno Santos). Amarelar é um verbo transitivo muito bem conjugado pelos árbitros que apitam o Sporting. Quem pode, pode…

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

"Onde se quebrou o pote, aí é que se procura a rodilha."

Bastaria a celeridade com que o conselho de arbitragem se manifestou após o Famalicão-Sporting para percebermos, não apenas o que está em jogo, mas igualmente que não fazemos parte desse jogo. Não entramos na equação. Não estava (nem está) previsto qualquer desvio. Note-se: o dito conselho de arbitragem que, pelos vistos se reúne apressadamente ao sábado à noite através do Zoom (presume-se), e rapidamente se apressa a defender a ordem (pré)estabelecida, aplaudindo a decisão de arbitragem (a segunda, presume-se) e do VAR sobre o golo anulado a Coates, não faz qualquer comentário, não reclama nem mais um aplauso, nem uma vaia sequer, para o resto do jogo, e teria material suficiente para escrever um novo código de conduta para árbitros submissos ao sistema. Nesse sentido, terá perdido uma oportunidade. 

O ridículo, felizmente, não mata. Escrevemos aqui milhares de vezes que a bipolarização do bolo do futebol português não admite outros cozinheiros (ou chefes em crescimento, já agora). É para fazer de conta que existe uma competição. No final, ganha uma das faces da velha moeda. A proteção da moeda, cara ou coroa, decide o futuro dos intervenientes no (suposto) jogo. É assim com os árbitros. É sabido: "onde se come, ficam migalhas."

sábado, 5 de dezembro de 2020

Relato e análise ao jogo Famalicão x Sporting

Relato:

“Início do jogo e Artur Soares Dias passa para Luís Godinho. Artur Soares Dias dá indicações para Luís Godinho avançar no terreno e Luís Godinho avança. Artur Soares Dias dá indicações para Luís Godinho recuar e Luís Godinho recua. Espera, espera, está um jogador do Sporting a impedir a jogada de Luís Godinho. Luís Godinho afasta-o, bem, muito bem Luís Godinho! Artur Soares Dias dá indicações para Luís Godinho desmarcar e Luís Godinho desmarca. Bem, muito bem Artur Soares Dias e ainda melhor Luís Godinho!” 

Análise ao jogo:

“O árbitro esteve muito bem. Vê-se que apitou para o início do jogo exatamente no momento em que o jogo se iniciou. É um lance de muito, muito difícil decisão. O jogo inicia-se com o apito e ao iniciar-se é porque houve o apito? Está-se em presença da dialética entre o ovo e a galinha. No início do jogo, no contexto desta dialética, a FIFA determina que se deixe jogar. Nem sempre os espetadores se encontram familiarizados com a dialética hegeliana e a sua oposição ao kantianismo e à dialética transcendental e é preciso esclarecê-los. No final da primeira parte, volta-se outra vez à dialética hegeliana e à forma como a FIFA a interpreta e, ao interpretá-la, determina a sua aplicação. A primeira parte acaba porque o árbitro apitou ou porque acabou a primeira parte é que o árbitro apita? A ação [de apitar] determina a inação [fim da primeira parte] ou é a inação [o não jogar] que determina a ação [o apitar]? A FIFA manda jogar, desculpe, não jogar, neste caso. O início da segunda parte e o seu final também não estão isentos de dificuldades interpretativas, mas a discussão reconduz-se ao início da primeira parte e ao seu final. A FIFA manda jogar ou não jogar, conforme os casos, dada a impossibilidade de determinar o início da relação de causalidade entre o ovo e a galinha, de acordo com a dialética hegeliana ou outra dialética qualquer. De mais simples análise é o sopro, o sopro no apito, em todos estes momentos. As imagens são claras. Nota-se nitidamente que o árbitro inspira primeiro, cumprindo as leis da FIFA. Menos informados, os espetadores tendem a estabelecer uma relação de permanente sequência entre inspirar e espirar, impedindo que se conclua também o que determina o quê. A FIFA interpreta essa relação como uma relação que, embora sequencial, se inicia com a ação de inspirar. Num primeiro momento, espirar é uma consequência de inspirar, e não o contrário, e só depois é que as relações de causalidade se sucedem, mas sem necessidade de apito. Luís Godinho e Artur Soares Dias estiveram muito bem, aplicando muito bem as leis e as suas interpretações da FIFA. As imagens são claras e os espetadores encontram-se esclarecidos. Não, de nada, não precisam de agradecer, estamos aqui para esclarecer.”

[O relato e a análise ao jogo são acompanhados de Missa Cantada, em fundo, de acordo com os livros litúrgicos e as melhores práticas litúrgicas]

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Filhos de um deus menor

 

O jogo para a liga dos calmeirões entre o Moreirense e o Sporting, perdão, entre o Porto e o City, foi extremamente interessante do ponto de vista sociológico/futebolístico, permitindo-nos, finalmente, perceber a expressão: o rico, come; o pobre, alimenta-se. A grande diferença entre o Porto-City e o Sporting-Moreirense é que o Porto jogou em casa. O Porto é mais rico que o Moreirense e o City é mais rico que o Sporting, sendo que as diferenças de orçamentos entre Porto/City e Sporting/Moreirense são igualmente brutais, embora o Porto seja um cliente habitual da calmeirões e, por isso mesmo, segundo os próprios, um membro do clube.  

Todavia, quando assistimos a ambos os jogos, reconhecemos parecenças interessantes: tanto o Porto como o Moreirense (e aqui talvez mais o Porto), pouco ou nada fizeram para ganhar o jogo, estando largos períodos sem sequer se aproximar da baliza adversária, quanto mais fazer um remate enquadrado com a dita cuja. City e Sporting, por outro lado, para além do domínio territorial e da posse de bola, jogaram uma espécie de tiki-taka maníaco compulsivo, com sucessivas trocas de bola para o lado e para trás, ora verificando se a torneira estaria fechada, ora se o gás teria sido desligado. Sei o que isso é, vou muitas vezes atrás para ver se fechei a porta do carro.

Entretanto, mesmo assim e, apesar disso, construíram várias oportunidades para golo, sendo que o Sporting conseguiu ganhar (sem espinhas) o jogo. Os comentadores, por seu turno, salientaram o grande jogo defensivo (não poderia ser outro, obviamente), tanto do Moreirense como do Porto, acrescentando, no caso do Porto, o enorme pragmatismo dos 60 milhões em fundo. Uma luz ao fundo do túnel.

Reza a nossa história alternativa que Lito Vidigal se terá deliciado ao assistir ao pragmatismo (deixem passar) de Sérgio Conceição (em tudo semelhante ao do Marítimo quando enfiou três batatas no Dragão), muito próximo do pragmatismo do Marítimo no recente jogo com o Benfica. Jorge Jesus, que aprecia a relativização da verdade, consoante a andança do vento, terá vislumbrado em Conceição uma força inequívoca de futebol com pouca nota artística, bem próximo do (supostamente) defendido por Lito Vidigal. Não fosse aquela falta marcada ao contrário que resultou no segundo golo do Benfica, e ainda estaríamos a discutir se voltava o professor de ginástica ou o senhor Lage. Consoante a luz divina surgisse na noite de Vieira.

Como parentes pobres que somos disto tudo, resta-nos jogar jogo a jogo. Mesmo com pouca luz.