Acabado o jogo do último domingo, a neura era muita e nada melhor do que ver um filme de pancadaria e sangue, muito sangue. Vi John Wick. A neura era tanta que vi o segundo e terceiro capítulo desta saga [não vi o primeiro mas foi como se tivesse visto]. Há uma organização internacional do crime organizado, chamada Conselho Superior, que dispõe de uma rede de hotéis, os Hotéis Continental. Podem-se fazer maldades em tudo o que é canto e esquina, menos nesses hotéis, onde todos se têm de portar como senhores. O Keanu Reeves é o protagonista e, por boas e más razões, vinganças e traições a que seguem novas vinganças a traições, mata que se farta, mata mais do que um Arnold Schwarzenegger ou um Sylvester Stallone. Há sempre uma moral, a moral da história, por muito maus que sejam os maus e por muito organizados que estejam há sempre um bom que deixa os maus em mau estado, a pensar duas vezes antes de voltarem a ser maus. É uma excelente reprodução da realidade do futebol português se se admitir que o Rúben Amorim é o bom, a encarnação do Keanu Reeves. Admito-o e assim me reconcilio com a equipa e o treinador e me redimo das dúvidas que me assolaram.
Vamos ao jogo. Mal se inicia e logo árbitro faz questão de demonstrar ao que vinha [este árbitro foi o que viu um penalty contra nós no jogo com o Belenenses que ninguém viu e, mesmo não vendo, o VAR também fez que viu]. Uma falta sobre o Paulinho, não assinalada, acaba numa falta do Palhinha, como tantas outras que ocorreram durante o jogo, e no primeiro amarelo. Uma entrada de leão, não fôssemos nós os leões [uma entrada a pé juntos talvez seja mais apropriada para a qualificar]. Estávamos a fazer o jogo do engonha do costume quando, numa pressão alta, o Pedro Gonçalves recupera a bola, desmarca o Paulinho, que a devolve para este a empurrar com a baliza aberta. Parecia que o mais difícil estava feito, mas não estava: na jogada seguinte, numa bica para a frente, o Pedro Porro salta mal, deixa passar a bola para um ciclista do Famalicão, que se desmarca pelo lado esquerdo do ataque [o Pedro Porro recupera em parte mas não faz a falta que se impunha], centra para o meio onde aparece outro jogador a fazer-se ao “penalty”, hesitando o Coates e o Feddal, perante tal aparato, e permitindo o remate para o empate de outro avançado. A nossa primeira parte acabou naquele momento.
Ao intervalo, o Rúben Amorim tira o Palhinha e o Feddal e mete o Bragança e o Matheus Reis. Compreendem-se bem as substituições. Depois do amarelo, o Palhinha ficou sem saber bem o que fazer à vida, com um olho na bola e nos adversários e outro no árbitro, e o Feddal, aos tremeliques, não dava grande segurança, especialmente nas subidas do Nuno Mendes. O Sporting passou a jogar mais e as oportunidades foram aparecendo, sendo a mais escandalosa a do Tiago Tomás que, cara-a-cara com o guarda-redes, demorou tanto, mas tanto a ajeitar a bola que rematou contra as canelas de um central que apareceu em modo de desespero. Não satisfeito, o Rúben Amorim tira o João Mario e mete o Jovane Cabral. Percebe-se a intenção mas num primeiro momento, o Sporting perde o controlo de jogo e a posse da bola. Não satisfeito ainda, com o Neto a ameaçar barracada mais minuto menos minuto, tira-o e mete o Eduardo Quarema. Os últimos minutos foram um verdadeiro massacre mas a falta de jeito no momento certo e um “penalty” por marcar deixaram tudo na mesma.
A melhor explicação para o jogo veio a seguir. Na Sporttv, um individuo, a fazer de juiz da relação ou do supremo, volta a analisar os lances críticos de arbitragem. Foi falta sobre o Paulinho mas também foi bem mostrado o amarelo ao Palhinha. No golo, o jogador do Famalicão não simula a falta, não se faz ao penalty, tropeça em si próprio. Esse mesmo jogador não se volta a fazer ao penalty e o volta-se a dizer que não senhora, que não foi penalty do Coates, sem desta vez se esclarecer se tinha voltado a tropeçar em si próprio. No falhanço do Tiago Tomás o defesa não o derruba a seguir, é o próprio Tiago Tomás que embate contra ele. O Jovane Cabral caiu mas não tropeçou em si próprio, foi na disputa da bola entre dois jogadores, sem que o defesa não se tenha limitado a meter o braço e a empurrá-lo. O Jovane Cabral escorregou e ele e o defesa caíram um sobre o outro, como se fosse essa a sequência, e não tivesse caído primeiro um e ao levantar-se tenha levado com o outro e voltado a cair.
Como é possível descrever o que as imagens não evidenciam, inventando? Não, não estou a criticar a análise, estou simplesmente a dizer que se faz a análise não através das imagens mas de simples exercício de imaginação. É assim que também funciona o VAR? Vamos dizer as coisas como elas são, como se passaram. O amarelo ao Palhinha é mal mostrado. O golo do Famalicão devia ter sido anulado e o jogador levado amarelo. Mais tarde, esse mesmo jogador devia ter levado segundo amarelo. Ficou por marcar um “penalty” a favor do Sporting.
Há quem diga que a tática mudou nos últimos jogos, que passámos de um 3x4x3 para um 3x5x2, mas não me parece que assim seja. Mudaram-se os posicionamentos relativos dos jogadores e o que mudou, o que verdadeiramente mudou, foi que empatámos esses dois jogos. Houve árbitro e isso, sim, é que nunca muda. É a isto que os sportinguistas que sofrem do Síndrome de Estocolmo chamam pôr-se a jeito?