segunda-feira, 26 de abril de 2021

Normal anormalidade ou anormal normalidade?

Não vi o jogo contra o Braga. Não vi porque não quis ver. Não ando bem-disposto e o futebol ainda mais mal disposto me deixa. Artur Soares Dias, o homem que impediu a vitória contra o Famalicão após ter vislumbrado pela televisão um ligeiro roçagar do braço do Coates num borboto da camisola do guarda-redes, era uma garantia de que mais bem-disposto não ficaria. Estava enganado, o homem trocou-nos as voltas e ao trocá-las trocou-as ainda mais aos do Braga, foi assim que entendi a conferência de imprensa de Carlos Carvalhal.  

O Braga estava a jogar belissimamente nos primeiros vinte minutos, quando estavam onze contra onze, com oportunidades atrás de oportunidades. Vem Artur Soares Dias e zás, expulsa o Gonçalo Inácio, e quebra a hegemonia até então do Braga. Viam-se os jogadores do Braga a gesticular e a apontar para outro jogador como responsável pela falta, incrédulos, sem nenhuma vontade de ver expulso o Gonçalo Inácio e de jogar contra dez quase oitenta minutos. Como nos explicou o treinador do Braga, jogar contra o 5x4 ou o 5x4x0 do Sporting não é para qualquer um: é preciso andar com a bola de trás para a frente e de frente para trás, rodear a defesa, jogar entrelinhas e mais outras coisas igualmente difíceis.

Foi difícil, muito difícil para o Braga, que só conseguiu criar dez oportunidades de golo, segundo Carlos Carvalhal, muito aquém do potencial da equipa quando joga contra onze e não contra dez, deduz-se. Era também a isto que se referia Pinto da Costa a propósito da normalidade e da sua relação com a previsível vitória do Porto no campeonato. Em condições normais, onze contra onze, o Braga teria ganhado ou não fosse a equipa que melhor joga em Portugal. Em condições anormais, a vantagem é desvantagem, onze parecem dez e dez parecem onze, e tudo se inverte, tudo fica de pernas para o ar, como é característica da anormalidade. 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Até ao fim

O Sporting corre o risco de não ganhar o campeonato, foi o que mais ouvi e li ontem e hoje, depois do empate contra a B-SAD [uma equipa de futebol sem adeptos com nome de laranjada]. Nos últimos jogos, a equipa apresenta um jogo empastelado, com muita troca de bola atrás e no meio e pouca capacidade de gerar desequilíbrios ofensivos, diz-se também. Onde é que está a novidade? A novidade é que corremos o risco de perder o campeonato em maio na pior das hipóteses. Essa é a novidade, pois o que estamos habituados é a correr o risco de o perder e a perdê-lo muito antes, muitas vezes antes de se iniciar. Quanto ao estilo de jogo, o que mudou é que nos últimos quatro jogos sofremos quatro golos, uma média de um por jogo, abaixo do desempenho até então. No passado goleávamos por um a zero e agora um golo [ou dois, como ontem], não chega para ganhar.    

Ontem não começámos mal, bem pelo contrário, mas, primeiro tiro, primeiro melro, para a B-SAD. Biqueirada para a frente [para tirar a bola da zona de pressão, como dizem os atuais entendidos do futebolês nacional], bola ganha na lateral, Gonçalo Inácio não pressiona como deve, Palhinha distrai-se e não acompanha a desmarcação nas suas costas, Coates vem à dobra e a bola passa-lhe pelo meio das pernas [tendo as pernas praticamente fechadas], Matheus Reis chega tarde e não se consegue antecipar e um avançado limita-se a encostá-la para a baliza. Continuámos como se nada fosse e criámos um par de oportunidade [o Tiago Tomás tem de aprender a acertar na baliza mesmo quando remata de olhos fechados], com o João Mário a falhar um “penalty”, para colocar a cereja em cima do bolo da primeira parte.

Ao intervalo, sai o Tiago Tomás e entra o Nuno Santos, iniciando-se a segunda parte com mais velocidade e intensidade e mais um par de oportunidades falhadas, com o Palhinha voltar a ganhar de cabeça nas bolas paradas e a não marcar. Mas um azar nunca vem só e novo tiro, novo melro, para a B-SAD, agora com elevada nota artística do Adán, que foi assolado por quatro ideias ao mesmo tempo para se desfazer da bola e, depois de um curto-circuito nas sinapses, acabou por a deixar direitinha para um avançado a voltar a encostar para a baliza. Dois remates à nossa baliza e estávamos a perder por dois a zero. Há quem chame a isto eficácia, tendo a chamar-lhe galo, conceito que tem vindo a ser desenvolvido nas universidades mais prestigiadas do mundo. 

Perdido por cem, perdido por mil, entrámos no modo onde vai um, vão todos, com o Coates a ponta-de-lança, o Tabata e o Nuno Santos abertos nas alas, o Jovane um pouco mais atrás, o meio-campo entregue ao Bragança e ao Pedro Gonçalves e o Nuno Mendes e o Matheus Nunes transformados em centrais para melhor se transportar a bola para a frente. Atacando a toda a largura, o B-SAD teve de se ajustar e o congestionamento no centro foi-se desfazendo. Com mais linhas de passe, o transporte de bola passou a ser mais simples, o cerco apertou-se e a vontade, a crença fez o resto. De um péssimo resultado chegou-se a um mais ou menos, mantendo-se a invencibilidade, o melhor registo de sempre de um clube centenário. 

Este final de jogo abre uma esperança. No pior dos contextos, a perder por dois a zero, os jogadores não desistiram e evitaram males maiores. Não, não é para todos. Mas é preciso refletir e retirar ilações deste resultado e desta série de três empates em quatro jogos. É necessário perceber bem o papel desempenhado pelo Paulinho: ou é um avançado que recua em apoio e é necessário que alguém entre em profundidade ou, então, acaba por ser mais um jogador de meio-campo sem conseguir chegar à área em tempo oportuno [a solução talvez seja a de o colocar mais na frente, menos móvel e mais posicional]. As alas não podem ficar exclusivamente para os laterais pois, caso sejam bloqueados [o Pedro Porro não se consegue libertar sozinho das marcações, contrariamente ao Nuno Mendes], estamos condenados a congestionar a zona central e a não dispor de espaço. O Nuno Santos e o Tabata demonstraram que se pode contar com eles para dar mais largura ao ataque. O meio campo está muito estático: se se compreende o posicionamento do Palhinha, compreende-se menos que o segundo médio não se liberte mais para o ataque ou, de outra forma, está-se sempre em desvantagem a atacar. A defesa está a vacilar [o Matheus Reis não deixa de ser um lateral adaptado] e é necessária mais concentração. Estes são os palpites de um treinador de bancada. O Rúben Amorim é que sabe e tem demonstrado que sabe. Vai ser até ao fim, jogo a jogo, sendo certo que não venceremos nem perderemos o campeonato antes de ele acabar. 

domingo, 18 de abril de 2021

E se for falso negativo?

O distanciamento social é fundamental para quebrar cadeias de transmissão mas nem sempre é possível evitar o contacto e o risco de contágio no que respeita à seleção nacional. O Fernando Santos faz a convocatória, promove a requisição civil e não há remédio, os jogadores têm de ir e não há volta a dar. No regresso vêm com um vírus altamente transmissível: o empate. É um vírus especialmente peganhento e não há remédio nem vacina, é esperar e ver se passa, fazendo quarentena e testando, testando sempre. Os jogadores estão assintomáticos, parecem como sempre até serem testados, jogo atrás de jogo. Há duas semanas que davam positivo até que, na sexta-feira, contra o Farense, o teste deu negativo.  

O vírus pega-se mais depressa aos treinadores do que aos jogadores. Quando se começa a ver muitos jogadores no meio-campo, muita troca de bola para os lados e tentativas de meter este ou aquele jogador mesmo que não seja na sua posição natural, é o sinal, o sinal de que o treinador contraiu o vírus do empate. Se o Bragança está a jogar bem e o João Mário não está a jogar mal, então a solução é colocar os dois a jogar, mesmo que o segundo tenha de deixar a sua posição natural, no centro, um pouco à frente do Palhinha. Perde-se velocidade, verticalidade, acutilância para se ganhar posse de bola e maior proteção da defesa, o clássico modelo de jogo do Fernando Santos. Há quem diga que se passou do 3x4x3 para o 3x5x2, com o Pedro Gonçalves a jogar mais no meio. Nos jogos, vejo o João Mário mais numa ala, na ala esquerda, só que uma coisa é o João Mário outra, bem diferente, é o Nuno Santos. Os laterais encontram-se entregues à sua sorte (ou azar) e a capacidade de pressionar alto e de surpreender o adversário reduz-se.

Este jogo não foi um bom teste para confirmar este diagnóstico. O Farense enfiava biqueiradas atrás de biqueiradas para a frente e pressionava, procurando ganhar a primeira ou a segunda bola como se não houvesse amanhã. Num campo onde se espera ver jogar um Merlin ou um Cavinato, esta tática (?) faz andar a bola aos trambolhões, aos trancos e barrancos. O ressalto, a confusão e a trapalhice constituem o novo normal e os lances de perigo resultam de acasos, de bola paradas, de um ou outro contra-ataque. Esta tática e a dimensão do campo dificultam a análise e ninguém consegue dizer quem jogou melhor, quem mereceu ganhar, admitindo que o resultado não bastasse.  

O jogo decide-se sempre pelos golos que se marcam e não se sofrem e, assim, o Sporting mereceu ganhar porque, bem, porque ganhou. Relativamente aos dois últimos jogos, que empatámos, concedemos mais oportunidades de golo ao adversário e valeu-nos o Adán, que fez uma ótima exibição. Mas tivemos mais oportunidades de golo e o Beto, guarda-redes do Farense, fez melhor. Há duas defesas completamente impossíveis, após cabeceamento do Coates e de remate enquadrado do Paulinho com a baliza completamente aberta à sua frente. Destas, das que parecem golos cantados, o Adán fez uma só [fez mais umas tantas mas os jogadores do Farense estavam em fora-de-jogo, não contando para as estatísticas]. Se o melhor em campo é o jogador que mais influenciou o resultado, então prémio devia ter sido atribuído ao Beto e não o Adán [embora continue a merecer uma estátua].

“E se for falso negativo?”, é a pergunta que fazemos. É que o Rúben Amorim está de quarentena, na bancada, a ver os jogos enquanto combina as compras da semana e trata de outras miudezas do seu dia-a-dia. Segundo o Conselho de Disciplina, os sintomas, os verdadeiros sintomas não são os empates mas os palavrões. Num clube de aristocratas, de croquetes, como se costuma dizer, que não ganha o campeonato há um ror de tempo, o empate não é, nunca pode ser sintoma de doença, nem da doença dos empates. Melhorámos com um treinador sem estes sintomas no banco, embora preferisse o Emanuel Ferro, um nome mais sólido, num momento em que todos tremem.  

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Frase do dia

 Cheira-me que o Amorim ainda vai dentro antes do Sócrates.

(Anónimo - algures numa esplanada de Braga)

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Falsas mudanças que escondem o que nunca muda

Acabado o jogo do último domingo, a neura era muita e nada melhor do que ver um filme de pancadaria e sangue, muito sangue. Vi John Wick. A neura era tanta que vi o segundo e terceiro capítulo desta saga [não vi o primeiro mas foi como se tivesse visto]. Há uma organização internacional do crime organizado, chamada Conselho Superior, que dispõe de uma rede de hotéis, os Hotéis Continental. Podem-se fazer maldades em tudo o que é canto e esquina, menos nesses hotéis, onde todos se têm de portar como senhores. O Keanu Reeves é o protagonista e, por boas e más razões, vinganças e traições a que seguem novas vinganças a traições, mata que se farta, mata mais do que um Arnold Schwarzenegger ou um Sylvester Stallone. Há sempre uma moral, a moral da história, por muito maus que sejam os maus e por muito organizados que estejam há sempre um bom que deixa os maus em mau estado, a pensar duas vezes antes de voltarem a ser maus. É uma excelente reprodução da realidade do futebol português se se admitir que o Rúben Amorim é o bom, a encarnação do Keanu Reeves. Admito-o e assim me reconcilio com a equipa e o treinador e me redimo das dúvidas que me assolaram. 

Vamos ao jogo. Mal se inicia e logo árbitro faz questão de demonstrar ao que vinha [este árbitro foi o que viu um penalty contra nós no jogo com o Belenenses que ninguém viu e, mesmo não vendo, o VAR também fez que viu]. Uma falta sobre o Paulinho, não assinalada, acaba numa falta do Palhinha, como tantas outras que ocorreram durante o jogo, e no primeiro amarelo. Uma entrada de leão, não fôssemos nós os leões [uma entrada a pé juntos talvez seja mais apropriada para a qualificar]. Estávamos a fazer o jogo do engonha do costume quando, numa pressão alta, o Pedro Gonçalves recupera a bola, desmarca o Paulinho, que a devolve para este a empurrar com a baliza aberta. Parecia que o mais difícil estava feito, mas não estava: na jogada seguinte, numa bica para a frente, o Pedro Porro salta mal, deixa passar a bola para um ciclista do Famalicão, que se desmarca pelo lado esquerdo do ataque [o Pedro Porro recupera em parte mas não faz a falta que se impunha], centra para o meio onde aparece outro jogador a fazer-se ao “penalty”, hesitando o Coates e o Feddal, perante tal aparato, e permitindo o remate para o empate de outro avançado. A nossa primeira parte acabou naquele momento. 

Ao intervalo, o Rúben Amorim tira o Palhinha e o Feddal e mete o Bragança e o Matheus Reis. Compreendem-se bem as substituições. Depois do amarelo, o Palhinha ficou sem saber bem o que fazer à vida, com um olho na bola e nos adversários e outro no árbitro, e o Feddal, aos tremeliques, não dava grande segurança, especialmente nas subidas do Nuno Mendes. O Sporting passou a jogar mais e as oportunidades foram aparecendo, sendo a mais escandalosa a do Tiago Tomás que, cara-a-cara com o guarda-redes, demorou tanto, mas tanto a ajeitar a bola que rematou contra as canelas de um central que apareceu em modo de desespero. Não satisfeito, o Rúben Amorim tira o João Mario e mete o Jovane Cabral. Percebe-se a intenção mas num primeiro momento, o Sporting perde o controlo de jogo e a posse da bola. Não satisfeito ainda, com o Neto a ameaçar barracada mais minuto menos minuto, tira-o e mete o Eduardo Quarema. Os últimos minutos foram um verdadeiro massacre mas a falta de jeito no momento certo e um “penalty” por marcar deixaram tudo na mesma. 

A melhor explicação para o jogo veio a seguir. Na Sporttv, um individuo, a fazer de juiz da relação ou do supremo, volta a analisar os lances críticos de arbitragem. Foi falta sobre o Paulinho mas também foi bem mostrado o amarelo ao Palhinha. No golo, o jogador do Famalicão não simula a falta, não se faz ao penalty, tropeça em si próprio. Esse mesmo jogador não se volta a fazer ao penalty e o volta-se a dizer que não senhora, que não foi penalty do Coates, sem desta vez se esclarecer se tinha voltado a tropeçar em si próprio. No falhanço do Tiago Tomás o defesa não o derruba a seguir, é o próprio Tiago Tomás que embate contra ele. O Jovane Cabral caiu mas não tropeçou em si próprio, foi na disputa da bola entre dois jogadores, sem que o defesa não se tenha limitado a meter o braço e a empurrá-lo. O Jovane Cabral escorregou e ele e o defesa caíram um sobre o outro, como se fosse essa a sequência, e não tivesse caído primeiro um e ao levantar-se tenha levado com o outro e voltado a cair. 

Como é possível descrever o que as imagens não evidenciam, inventando? Não, não estou a criticar a análise, estou simplesmente a dizer que se faz a análise não através das imagens mas de simples exercício de imaginação. É assim que também funciona o VAR? Vamos dizer as coisas como elas são, como se passaram. O amarelo ao Palhinha é mal mostrado. O golo do Famalicão devia ter sido anulado e o jogador levado amarelo. Mais tarde, esse mesmo jogador devia ter levado segundo amarelo. Ficou por marcar um “penalty” a favor do Sporting.

Há quem diga que a tática mudou nos últimos jogos, que passámos de um 3x4x3 para um 3x5x2, mas não me parece que assim seja. Mudaram-se os posicionamentos relativos dos jogadores e o que mudou, o que verdadeiramente mudou, foi que empatámos esses dois jogos. Houve árbitro e isso, sim, é que nunca muda. É a isto que os sportinguistas que sofrem do Síndrome de Estocolmo chamam pôr-se a jeito?

terça-feira, 13 de abril de 2021

Onde vai um vão todos e logo se vê

 

O jogo foi apenas no domingo, mas já tudo me parece longínquo. O fluxo interminável do pós-match, ou seja, do efémero, cheio de narrativas, “análise”, vídeos, conversas (agora apenas) de esplanada, notícias falsas, é tão intenso e de desgaste fácil (embora contínuo) que após alguns dias deixa simplesmente de existir, sendo substituído por um sucedâneo do jogo (de quem ninguém realmente se recorda). Acontece o mesmo com a política e com quase tudo que nos rodeia: é uma enganadora vista área, distorcida e sem qualquer síntese.

Na verdade, no dia do jogo e no dia seguinte não conseguia escrever nada. Nada de jeito, com a elevação e o sentido de humor necessários ao seguidor intrépido do Sporting. Sentia-me desiludido, sobretudo, desiludido comigo, por estar desiludido. Ora estar desiludido quando estamos rodeados de uma vista aérea enganadora pode revelar-se fatal. Para o jornal O Jogo tinha ocorrido um despiste, e já era o segundo, do Sporting, o primeiro havia sido contra o Moreirense. Um despiste quer dizer, um desgoverno, uma desorientação, isto tudo com um empate. O jornal A Bola sentia o leão a tremer, tendo-se esquecido de qualquer analogia brincalhona com varas verdes. Os exemplos são vários e todos tentam alimentar a narrativa da queda. A queda aqui é apenas um desejo projectado, mas que poderá  ter repercussões no clube e nos adeptos. Senão vejamos:

A última teoria conspirativa diz-nos que o despiste, aqui lido como derrapagem, terá começado com a vinda do Paulinho para o Sporting. Esta teoria segue vários caminhos: o do dinheiro que o jogador ganha e que terá consternado os outros; ou a da mudança da forma de jogar, ao que não será alheia a mutação do 3x4x3 em 3x5x2, e a perda de importância de alguns jogadores, por exemplo o Nuno Santos. Esta teoria é exterior ao Sporting mas acolhe seguidores entre os seus adeptos. Aponta baterias ao balneário e à união da equipa. E pode vingar.

A minha teoria é mais prosaica. Mais ou menos contemporânea à vinda de Paulinho está o grito do ipiranga de Pinto da Costa, o famoso: basta! Tudo isto é também mais ou menos coincidente com as movimentações para o lado da luz, movimentações que culminariam com uma série de entrevistas de Viera, ainda sem luz ao fundo do túnel. E esta união de esforços não se chama Paulinho, mas dinheirinho da champions (o Braguinha que o diga) e a ocupação natural do espaço do poleiro (as contas estão feitas para dois).

Quando, no passado domingo, o Palhinha leva cartão, não se tratava apenas de um amarelo como condicionante para o jogo, tratava-se de uma condicionante para o pós- jogo, porque ninguém sabe como irá acabar esta história dos cartões. Entretanto, o Sporting, supostamente, a tremer, despistava-se com um empate. A nova linguagem do jogo estendia-se assim como mensagem aos Sportinguistas: já estais a derrapar. É inexorável. A sério? Quem olha para cima? Os outros, os que olham para cima têm margem para falhar? É claro que nada disto se colocaria se tivéssemos marcado no final do jogo pelo Jovane. Aí a narrativa mudaria para estrelinha.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Esmiuçar

Parece que estou a ver alguém no VAR a ter um pressentimento: sinto que há ali qualquer coisa. Esse sentimento vago ou instintivo, que precede a comunicação do VAR, é algo absolutamente novo e, como uma defesa por instinto em que antes da bola partir o guarda redes se projeta, aqui a projecção imagética antecede o próprio lance. Depois, a régua e a esquadro digitais, traçando linhas e fantasiando esquadrias, recorrendo a sinais de satélite, consegue descortinar algo oculto ao olho humano (e indisponível nas imagens da TV), cerca de dois centímetros de perna pé desalinhados do movimento do mundo da bola. A isto chama-se esmiuçar (já tinha falado nisso aqui) e esmiuçar é: esfarelar, esmigalhar, esquadrinhar, deslindar com minúcia. Desta demanda decorreram os largos minutos de pausa que nos foram presenteados.

Mas a minúcia, e o seu deslindar, dariam pano para outras mangas. No caso do Nuno Mendes, ninguém conseguiu antecipar a ceifada que quase lhe arrancava um pé. Nem sequer no decorrer do lance ou após o mesmo (vá lá, sempre foi falta), não se conseguiu descortinar nada de grave. E o jogador acabou por sair de campo por gostar de ver parte do jogo da bancada acoplado a um saco de gelo, mas sem whisky por perto.

Não se pode dizer a um cérebro como o meu para deixar estas coisas todas de lado. Não (me) basta termos dominado o jogo e termos suficientes oportunidades para marcar e ir ver umas séries espanholas sobre putedo e violência; não me interessa se gerimos bem ou mal o jogo, conforme dá na telha do comentador de serviço; interessa-me o condicionamento e o escrutínio que é feito ao Sporting, antes, durante, e depois do(s) jogo(s). Tudo é esmiuçado para ver se sangra e se entra água por uma qualquer brecha invisível, ou se nos espetamos contra uma parede de betão armado. Talvez seja sinal de que estamos vivos e que, afinal, até somos temidos. Mas lá que cansa, cansa.


terça-feira, 6 de abril de 2021

Por dois centímetros ou como um sportinguista é uma lealdade à espera de uma causa

O jogo caminhava para o seu final e a minha cabeça era um vazio. Jogo controlado do primeiro ao último minuto. Oportunidades de golo o quanto baste para ganhar por mais do que um. Oportunidades para o adversário poucas ou nenhumas. Aparentemente mais um jogo sem história, sem entusiasmos, mas também sem depressões. E chega o minuto noventa: cruzamento mal-amanhado de um jogador do Moreirense, corte ainda mais mal-amanhado do Feddal, bola a respigar para um avançado do lado direito do ataque, que, fora da área, remata colocado ao segundo poste e faz o empate. Há minha frente abre-se um admirável mundo novo, novo pela novidade desta época, mas tão antigo como o sportinguismo. 

O Rúben Amorim deixou de ser o Rúben Amorim e passou a mais um fantasma, como o Paulo Bento, o Leonardo Jardim, o Mirko Jozic ou o Bobby Robson. Há diferenças: se fosse com o Paulo Bento, o golo do empate também surgiria no último minuto mas seria autogolo do Polga, do saudoso Anderson Polga, ou marcado com a mão. O enredo, a trama não foi diferente, um árbitro a apitar de costas e a acertar e a errar como se estivesse a decidir por moeda ao ar. Ninguém estranhou que houvesse tantos cartões amarelos para os jogadores do Sporting quantos para os do Moreirense: com as regras do Moreirense os dois cartões amarelos foram bem mostrados e com as regras do Sporting os dois cartões foram bem mostrados também. Na falta violenta sobre Nuno Mendes, que o mandou para o estaleiro, os comentadores da Sporttv recorreram a semântica apropriada: “entrada vistosa sobre Nuno Mendes”, “entrada delicada sobre Nuno Mendes”. A síntese das duas afirmações é perfeita, descreve o lance com precisão: entrada delicada e vistosa. Sublinha a delicadeza, a cordialidade do jogador do Moreirense sem prejuízo da espetacularidade da sua ação. Delicadeza e espetáculo não rimam com cartão e assim se justifica a (não) decisão do árbitro. 

Os golos anulados ao Sporting têm história, têm sempre, não se estranha. As imagens aparecem sob um ângulo que nada esclarece. Depois, bem, depois aparecem linhas, linhas precisas, rigorosas. Passou a ser impossível um avançado encontrar-se em linha com o último defesa: com precisão ao centímetro, a probabilidade de tal acontecer é igual a zero. Dois centímetros num campo com cerca de cem metros de comprimento representam 0,02%. Talvez se perceba melhor a razão para a demorada análise do VAR: envolveu investigação do Laboratório Internacional de Nanotecnologia, sedeado em Braga. A imagem não tem cem metros de comprimento e, assim, os dois centímetros não correspondem a dois centímetros de imagem. A diferença aproxima-se de um nanómetro, qualquer coisa como dez levantado a menos sete de um centímetro, a diferença entre dois grãos de açúcar completamente iguais à vista desarmada. 

Recentemente, li “Cães maus não dançam”, de Arturo Pérez-Reverte. É uma alegoria, em que cães de luta representam uma rebelião como a de Spartacus contra a República Romana. Às páginas tantas, o narrador, um cruzado de mastim espanhol e cão-de-fila brasileiro, confessa que “um cão não é mais do que uma lealdade à espera de uma causa”. Um sportinguista não é coisa diferente. Deem uma ideia, um objetivo na vida, e irá aferrar-se com os caninos apertados. Tenaz até ao sacrifício e à morte. Com tomates. Aferra-se ao que vem remoendo. É claro que sabe que é possível que corra mal. Mas aquele é o plano e não há outro [versão adaptada].