Parece que estou a ver alguém no
VAR a ter um pressentimento: sinto que há
ali qualquer coisa. Esse sentimento vago ou instintivo, que precede a
comunicação do VAR, é algo absolutamente novo e, como uma defesa por instinto
em que antes da bola partir o guarda redes se projeta, aqui a projecção imagética
antecede o próprio lance. Depois, a régua e a esquadro digitais, traçando linhas
e fantasiando esquadrias, recorrendo a sinais de satélite, consegue
descortinar algo oculto ao olho humano (e indisponível nas imagens da TV),
cerca de dois centímetros de perna pé desalinhados do movimento do mundo da
bola. A isto chama-se esmiuçar (já tinha falado nisso aqui) e esmiuçar é:
esfarelar, esmigalhar, esquadrinhar, deslindar com minúcia. Desta demanda
decorreram os largos minutos de pausa que nos foram presenteados.
Mas a minúcia, e o seu deslindar,
dariam pano para outras mangas. No caso do Nuno Mendes, ninguém conseguiu
antecipar a ceifada que quase lhe arrancava um pé. Nem sequer no decorrer do
lance ou após o mesmo (vá lá, sempre foi falta), não se conseguiu descortinar
nada de grave. E o jogador acabou por sair de campo por gostar de ver parte do jogo
da bancada acoplado a um saco de gelo, mas sem whisky por perto.
Não se pode dizer a um cérebro
como o meu para deixar estas coisas todas de lado. Não (me) basta termos
dominado o jogo e termos suficientes oportunidades para marcar e ir ver umas
séries espanholas sobre putedo e violência; não me interessa se gerimos bem ou
mal o jogo, conforme dá na telha do comentador de serviço; interessa-me o
condicionamento e o escrutínio que é feito ao Sporting, antes, durante, e
depois do(s) jogo(s). Tudo é esmiuçado para ver se sangra e se entra água por uma
qualquer brecha invisível, ou se nos espetamos contra uma parede de betão
armado. Talvez seja sinal de que estamos vivos e que, afinal, até somos
temidos. Mas lá que cansa, cansa.
top:) o melhor texto sobre os 2 centimetros da vergonha. A memória é tão curta que ninguém se recorda de tudo o resto.
ResponderEliminarObrigado.
EliminarA memória é sempre curta e ajustável.
Meu caro,
ResponderEliminarExcelente texto, a cada semana que passa torna-se mais preciso. Por exemplo, se dúvidas restassem quanto ao lance do Nuno Mendes, essas acho que se dissiparam, uma semana depois com a atuação decidida do VAR num lance com semelhanças no Paços - Benfica.
Agora temos uma semana para esmiuçar se afinal a simulação de grande penalidade é ou não uma infração às leis do jogo (o VAR não terá sentido que havia ali qualquer coisa no golo do Famalicão) ou esperar para ver quanto tempo demora até se marcar uma grande penalidade por menos, muito menos do que vimos no lance do Jovane...
Até lá, sabe bem este retomar da normalidade, que em Portugal significa que futebol são 11 para 11 e no fim ganham sempre os mesmos.
SL
Obrigado, meu caro.
EliminarAs movimentações para condicionar o Sporting não são de agora. É preciso saber lidar com isso e estar atento. E voltar a ganhar os jogos.
SL