sexta-feira, 31 de maio de 2019

Respeitar e exigir respeito

Independentemente de outros méritos, um deverá ser reconhecido a Frederico Varandas durante o período que exerce funções de Presidente do Sporting: o sentido institucional. Ninguém viu nem ouviu o Frederico Varandas a insurgir-se desabridamente dos árbitros, da Federação ou da Liga. As (escassas) críticas foram dirigidas de forma contida e com recurso a linguagem adequada. O comportamento do Sérgio Conceição contrastou com o seu, como têm contrastado os dos mais diversos intervenientes no futebol nacional (no final da Taça de Portugal, ninguém teve dúvidas sobre o que se consideram comportamentos aceitáveis e inaceitáveis). Alguns consideram que se trata de sinal de fraqueza. Não consigo fazer essa avaliação: tanto pode ser uma sinal de fraqueza como um sinal de força. Não tenho dúvidas é que se trata de um sinal de responsabilidade e de educação. 

O que se espera é que a forma respeitosa como o Frederico Varandas, enquanto Presidente do Sporting, trata os outros seja recíproca. Ninguém é ingénuo para esperar que tudo pode e vai mudar. Os dirigentes são os de sempre e vão-se comportar como sempre. Na comunicação social, espera-se outro comportamento. Tem que se distinguir jornalismo de comentário futeboleiro. Não aprecio o segundo, mas sou capaz de entender as posições dos contendores: cada um é do seu clube e defende o seu clube, sendo essa a razão para participarem nesses programas. 

Jornalismo ou comentário especializado é coisa bem diferente. Custa-me ver na SIC um ex-árbitro que, em pleno Estádio de Alvalade, cometeu a indelicadeza de interromper o aquecimento do Rui Patrício para não se dar ao trabalho de passar por trás da baliza e, chamado à atenção, ainda se predispôs a andar à pancada com o treinador de guarda-redes. É um desrespeito pelo Sporting e sportinguistas tê-lo a comentar os nossos jogos. Os comentários e os relatos dos jogos do Sporting na SporTV também constituem uma falta de respeito, como venho analisando em sucessivas crónicas. Pela natureza pública da entidade, a situação agrava-se na RTP, sendo absolutamente desrespeitoso para o Sporting e sportinguistas o relato e os comentários da final da Taça de Portugal, repetindo-se o que tinha acontecido na final da Liga Europeia de hóquei em patins. 

Esta semana vi o programa do Rui Santos na SIC. Há anos que não o via. Nada mudou, a não ser o aparato tecnológico. Mantém-se o pseudomoralismo, continuando a considerar-se um arauto da verdade e exibindo um superioridade moral insuportável. Apelou à paz, sem explicar de que guerra se tratava, quem eram os beligerantes e não fazendo justiça ao Frederico Varandas e ao Sporting, excluindo-o e excluindo-nos desse apelo.. Enfim, um apelo sem qualquer substância. Comprou ou ofereceram-lhe uma geringonça e o homem tenta transformar a tecnologia em verdade, como se as escolhas dos lances a analisar não fossem dele e a equivalência entre juízos de facto e juízos de interpretação não fossem dele também.

Analisou o lance do Herrera no primeiro golo do Porto na final da Taça de Portugal e constatou o óbvio: houve um erro de facto. Meteu outros lances ao barulho, entre eles, o cartão amarelo mostrado ao Coates quando cortou um lançamento longo com a mão. Como recorreu à maquineta, parece que se trata de um erro de facto quando se está em presença de uma interpretação e ninguém no Mundo pode dizer com certeza onde é que a bola ia cair e a que distância e de que lado, esquerdo ou direito, do Soares, se a conseguiria dominar e as consequências de a dominar de uma forma ou de outra, se conseguiria ficar isolado e se, a mais de trinta metros da baliza e correndo com a bola, não seria intercetado pelo Mathieu correndo sem ela. Equivaleu, assim, um juízo de facto com um juízo de interpretação e assim uma mão lavou a outra. 

Não satisfeito, resolveu explicar a razão para o Sporting dispor dos jogadores a quem mais amarelos foram mostrados, tendo mais 58% e 48% do que os seus colegas do Porto e do Benfica, respetivamente. Quando se esperava que nos explicasse que os jogadores do Sporting jogam com regras diferentes dos do Porto e do Benfica, resolveu informar-nos que, nada disso, o que acontece é que têm inclinação para amarelos “escusados”. Que eram desnecessários, todos tínhamos percebido. Ainda não nos tinham explicado é que desnecessidade não resultava dos árbitros mas dos jogadores. De uma penada, os jogadores do Sporting foram tratados como rematados imbecis e, por arrasto, o Sporting, que os contratou, e os sócios e os adeptos, que os apoiam. 

Fui feliz na Lousã, onde vi a final da Taça de Portugal. Vi o jogo com sportinguistas, novos e velhos, mulheres e homens. Partilhei com eles a alegria como teria partilhado a tristeza se tivéssemos perdido. É-nos devido respeito. Não suporto a mentira, mas suporto ainda menos o “suggestio falsi”. Não somos estúpidos e não nos queiram fazer passar por estúpidos. O Frederico Varandas tem respeitado, dando-se assim ao respeito. Avaliá-lo-ei pelo respeito que tem pelos outros mas também pelo respeito que exigirá dos outros para consigo, para com o nosso clube e para connosco, adeptos e sócios, sobretudo daqueles que por deontologia profissional se têm de dar ao respeito mais do que quaisquer outros.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Nós somos o Sporting ou uma outra forma de sentir que o amor é…

(http://anortedealvalade.blogspot.com)
Fim-de-semana passado na Lousã para a festa do sexagésimo aniversário do meu amigo João. Chego a pouco mais de um quarto de hora do início do jogo. Paro o carro no centro e procuro o café com a televisão maior. Fico no Café Beirão. Peço um fino ou uma imperial, conforme a latitude, e procuro perceber o entorno. Há-os para todas as idades e todos os géneros: novos e muito novos, velhos e muito velhos, mulheres e homens, raparigas e rapazes. Mas há uma só cor: a verde. Estava em casa!

As equipas entram perfiladas em campo. O Bruno Fernandes vem acompanhado dos esperados três Reis Vagos: Bruno Gaspar, Gudelj e Diaby. A cara do árbitro não me é estranha. Associo-a a um ex-membro da Juve Leo. Mas não pode ser possível, não é possível com toda a certeza. Nunca um membro das nossas claques arbitrou qualquer jogo dos nossos e não lembraria a ninguém colocar um membro de claque a arbitrar um jogo da sua equipa. Olhando com mais atenção, verifico que se trata do árbitro que dá ralhetes aos miúdos do Sporting. Um árbitro disciplinador e isento, portanto. 

O Sporting não começa mal, passando os primeiros minutos a pressionar o Porto. O Mathieu esquece-se por momentos do principal ponto forte do Marega, o ressalto com a canela, e permite-lhe um passe para o Bruno Gaspar que é meio-golo, valendo-nos o Renan Ribeiro. Responde o Bruno Fernandes com um remate de fora da área para aquecer as mãos do guarda-redes. Entretanto, o Diaby entorta o Filipe, safando o Pepe quando o Luiz Phellype aparecia para empurrar a bola. O Diaby não desarma e vai à linha centrar atrasado para o Bruno Fernandes, de primeira, acertar nas orelhas da bola. Na sequência de um livre e de um ressalto para a entrada da área, o Raphinha parece fazer melhor mas a bola passa rente ao poste. 

Mas a pressão do Sporting não pode durar sempre e o jogo comprido do Porto permite-lhe sair sem sobressaltos para o ataque. O jogo equilibra-se e, pouco a pouco, o campo inclina-se. O fiscal de linha passou a levar muito a sério a possibilidade de deixar de assinalar foras-de-jogo e a nossa defesa teve de recuar para evitar que os avançados do Porto começassem os ataques com um metro de avanço. O Marega, acampado na área, marca um golo e foi necessário recorrer ao VAR para verificar que, depois da barraca, tinha instalado também o “barbecue” antes de rematar. Nova investida, bola a sobrar para o Herrera que a domina com o braço e centra para o Soares cabecear para o primeiro golo. Os jogadores do Porto aproveitam para fazer uma sentida homenagem ao Casilllas, à qual se associam o árbitro, o VAR e os comentadores da RTP. Foi um momento bonito, embora se recomende que uma homenagem justa como esta possa ser efetuada no Estádio do Dragão num jogo particular. A equipa do Sporting pode participar na mesma, mas quem se desloca ao estádio ou assiste pela televisão sabe que o jogo não passa de um pretexto. 

O Sporting responde de imediato iniciando-se a jogada pelo improvável Gudelj, que se desloca lateralmente com a bola a passo de caracol até ficar encurralado junto à linha e sofrer uma entrada a pé juntos do Militão. A bola sobra para o Acuña que avança, levanta a cabeça e a coloca à entrada da área onde se encontra o Bruno Fernandes para a receber e rematar, fazendo o golo do empate. Quando esperávamos o correspondente amarelo ao Militão, acabámos, afinal, por ficar à espera que o árbitro consultasse o VAR durante longos minutos como se o golo do Sporting e do Porto se equivalessem e, na dúvida, tivesse apitado coerentemente. O tempo de espera foi tão longo que os comentadores da RTP foram preparando o melhor ou o pior, conforme as perspetivas, embrulhando um fora-de-jogo posicional do Raphinha na difícil deliberação e decisão do árbitro. Fomos para o intervalo a empatar em golos, mas a perder por dois amarelos a zero. O árbitro ralhou aos jogadores do Porto e mostrou amarelos aos nossos, o que se agradece, porque não há nada de mais constrangedor e humilhante do que umas reprimendas em público e com a família e os amigos a escutá-las. 

Com o decorrer do jogo, o campo transformou-se numa pastagem. Os do Porto, com mais cabedal e força nas canetas, adaptaram-se melhor. O “pack” avançado progredia em “rucks” sucessivos que muito dificilmente o Mathieu e o Coates conseguiam parar. Com introdução da bola de um lado ou do outro, as “touches” e as “melés” eram dominadas por eles. O árbitro também adotou as regras do “rugby”, tendo acabado os noventa minutos sem um único amarelo para a equipa adversária. A nossa sorte foi os do Porto levarem tão a sério esta modalidade que nem por um momento admitiram a possibilidade de ganhar o jogo enfiando a bola na baliza. O Marcel Keizer ainda tentou mudar o jogo. Para permitir que o Acuña esticasse o jogo na esquerda, ensaiou a defesa a três, com a entrada do Ilori e a saída do Bruno Gaspar. Esta tática permite que o Gudelj jogue mais à frente e, com ele, o meio campo no seu conjunto também se adiante. No entanto, sem o Borja e, sobretudo, o Ristovski a equipa não se reequilibra tão bem quando perde a bola, não permitindo que o Raphinha e o Acuña se adiantem tanto. Continuando o meio campo sem dar conta do recado, meteu o Bas Dost e tirou o Diaby para procurar jogar mais comprido e dispor de outro matulão para defender as bolas paradas do Porto. Sobrevivemos na segunda parte, apesar dos comentadores da RTP nos irem fazendo o funeral, sentindo que estava num “pub” em Glasgow a ver jogar o Celtic contra o Porto. 

Na transição para o prolongamento, pedi mais uma cerveja e percebi que lhes tinha perdido a conta. O jogo reinicia-se e os do Sporting ganham nova alma. O Acuña avança e, ao ver o trapalhão do Felipe à entrada da área, faz-lhe tabelar a bola na coxa para a desviar de forma a permitir a entrada silenciosa do Bas Dost ao segundo poste que a mete na baliza. Infelizmente, o Sérgio Conceição percebe que talvez não seja má ideia deixar o Brahimi organizar o jogo. O cerco aperta-se. O coração é quem mais ordena e o coração do Mathieu e do Coates parecem do tamanho do mundo. O Wendell soçobra como antes tinha soçobrado o Gudelj. Entra o Jéfferson para jogar a médio à frente do Doumbia. Ninguém consegue estar sentado no Café Beirão. Venho uma e outra vez cá fora respirar e fumar mais um cigarro. Veterano destas andanças, sei que estes jogos nunca acabam com normalidade. Desejava e não desejava o golo do Porto. Não o desejava por razões óbvias. Desejava-o para acabar com aquele sofrimento, porque sabia o que acabaria por acontecer, com a frustração de termos estado a um pelinho da vitória. 

Os “penalties” iniciam-se connosco na mó de baixo, emocionalmente e no resultado, quando o Bas Dost falha o primeiro. Estamos prestes a ser engolidos pelo fundo do poço onde nos metemos, mas o Bruno Fernandes, de raiva, mantém-nos suspensos. O Pepe tenta repetir o mesmo remate por alto do Danilo e acerta na barra. O Mathieu marca com a frieza habitual e reinicia-se o “turnover” emocional. Não há sportinguista que não acredite que o Renan Ribeiro não defenda pelo menos uma. Mas os do Porto encontram-se mais bem preparados do que na final da Taça da Liga. Quando o Coates avança para a marcação do último “penalty”, esboça-se um sorriso irónico de resignação na cara dos sportinguistas que se veem na transmissão televisiva. Mas o Coates não repete a bojarda do costume e coloca com precisão e técnica a bola no lado esquerdo do guarda-redes, que entretanto se lança para o lado contrário. Passa-se definitivamente ao mata-mata. O jogador do Porto avança rapidamente e ao aproximar-se da bola tenta desacelerar para olhar uma última vez para o Renan Ribeiro que mantém a sua dança e só a desfaz quando o remate sai para o seu lado mais forte (finalmente!), estirando-se para defender com a ponta dos dedos. Acreditei no Luiz Phellype como se nunca tivesse feito outra coisa na vida que não fosse vê-lo a marcar “penalties” e ele comportou-se como um veterano dos grandes momentos. 

Retenho imagens parcelares e confusas do que se passou a seguir. Não sei se foi das cervejas ou da alegria. A empregada desatou a dançar com uma criança. Um velhote, com ar muito doente, levanta-se de um salto. Abraço o meu colega do lado e com ele e os restantes sportinguistas do Café Beirão cantamos “O mundo sabe que”. Ouvem-se foguetes e carros a apitar. Recebo e mando mensagens. A minha irmã diz-me que o meu sobrinho viu pela primeira vez o Sporting ganhar (espero que tenha vestido a camisola que lhe ofereci). Há uma e uma só razão para haver este ou aquele jogador, este ou aquele treinador, este ou aquele presidente: nós, os da Lousã, os do Jamor, os de qualquer canto do país ou do mundo. Nós somos o Sporting! Isto ou, como diria o Miguel Esteves Cardoso, “O Amor é Fodido”.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A justiça do campeão: estatísticas e recordes

Na passada sexta-feira, uma súbita insónia prostrou-me à frente da televisão a ver a repetição do “Aposta Tripla”, programa de debate sobre futebol na SporTv que não via há muito tempo. O formato não é muito diferente dos de outros canais que enxameiam a programação todo o santo dia, não escapando o horário nobre. As diferenças encontram-se sobretudo nos perfis dos intervenientes, mais moderados e sem falarem em simultâneo e aos gritos. O moderador é simpático e civilizado. Os representantes do Porto e do Benfica são os mais aguerridos, apesar de tentarem passar a imagem de adeptos que independentemente de torceram pelo seu clube apreciam em primeiro lugar o futebol jogado. O representante do Sporting constitui o paradigma deste tipo de programas: está sempre disposto a adotar o politicamente correto como se se sentisse envergonhado por demonstrar qualquer sinal de clubite e falta de “fair play”. O ramalhete fecha-se com um comentador e ex-jogador de futebol do Benfica e do Porto que procura afirmar-se pelo seu conhecimento e independência. 

O representante do Sporting é irrelevante. Serve o propósito de desviar o debate mais aceso entre os outros dois adeptos, legitimando uma posição ou a outra, conforme as situações, ou efetuando uma bissetriz entre elas. A agenda do Sporting praticamente não está presente ou tem pouca expressão. Defendeu uma opinião filosoficamente muito interessante. Um erro do árbitro nunca influencia o resultado porque o erro gera relações de causa e efeito não lineares. Referindo-se à famosa mão do Ronny, afirmou que, contrariamente à convicção dos sportinguistas, não se pode concluir que este golo tenha determinado o resultado final do campeonato, dado que nunca se sabe o que se iria passar sem esse acontecimento mesmo nesse jogo. Epistemologicamente, não posso estar mais de acordo. A sucessão de acontecimentos não resulta de relações lineares de causa e efeito, não se sabendo com rigor se uma dada causa produz de imediato um determinado efeito, estabelecendo-se, isso sim, um conjunto de relações causais praticamente inextricável que só o recurso à teoria do caos poderá ajudar a discernir e explicar. Assim, pode-se afirmar que a mão do Ronny determinou o resultado do jogo e do campeonato da mesma forma que determinou a eleição do Trump nos Estado Unidos da América, faltando concluir que podemos ser beneficiados por nos prejudicarem. Numa abordagem mais terra a terra, no que respeita ao futebol português, estou de acordo com ele também mas outra forma: se não houvesse a mão do Ronny haveria uma outra mão qualquer (nos nossos bolsos). 

O adepto do Benfica nunca fala de arbitragens até falar. A um Rio Ave x Benfica opõe um Porto x Portimonense. O adepto do Porto não desarma e a cada Boavista x Porto opõe um Feirense x Benfica. No fundo o que nos transmitem é que nenhum destes clubes tem razões de queixa e são ambos beneficiados em termos absolutos e, sobretudo, relativos (em relação à restante concorrência). O do Porto tem bastante mais piada, dado que o do Benfica se leva muito a sério e tem um sentido de (auto)ironia idêntico ao do Muro de Berlim. O comentador também procura dirimir o conflito latente entre os dois contendores, explicando-nos que os três grandes são sempre beneficiados, confundindo benefício absoluto e benefício relativo e metendo o Sporting ao barulho para desviar as atenções. Admite-se que a sua experiência vivida no Benfica e no Porto lhe permita afirmar o que afirma. Não se compreende é a extrapolação para o Sporting, realidade que não viveu, a não ser na base do ditado “não há duas sem três”. Uma conversa com o Rui Jorge ou uma leitura mais atenta dos cartões amarelos e vermelhos talvez o ajudasse a compreender melhor a relação não linear também entre a grandeza dos clubes e a arbitragem. 

O mais espantoso no debate que assisti foi o recurso às estatísticas para explicar a excelência do campeonato do Benfica. As estatísticas podem ser relevantes se os acontecimentos forem aleatórios, existindo uma convergência para a média. Ora, no futebol português, os acontecimentos são tudo menos aleatórios, existindo uma predisposição, consciente ou inconsciente, não interessa, para determinar os resultados. Os efeitos são cumulativos e tendem a gerar ilusão que se está em presença de fenómenos de “cauda longa”, isto é, de acontecimentos com elevado grau de improbabilidade. Trata-se de uma ilusão e não é necessária nenhuma teoria da conspiração para a explicar. De repente, treinadores como o Rui Vitória, o Sérgio Conceição e o Bruno Lage pulverizam todos os recordes do José Mourinho nas épocas em que, simultaneamente, venceu a Taça UEFA e a Taça dos Campeões, isto é, com equipas que não chegam aos calcanhares de nenhuma destas do Porto. Treinadores assim-assim com equipas assim-assim são melhores do que aquele que foi considerado várias vezes o Melhor Treinador do Mundo, treinando, nestas duas épocas, alguns dos melhores jogadores do mundo nas suas posições e que constituíam a estrutura da seleção nacional vice-campeã europeia. 

O Bruno Lage fez cinquenta e cinco pontos em cinquenta e sete possíveis. Na primeira volta, quando o Porto foi a Alvalade, o Sérgio Conceição ia com dezoito vitórias consecutivas. Na época de 2015/2016, o Rui Vitória ganhou os últimos treze jogos e nos últimos vinte e um somou sessenta pontos em sessenta e três possíveis. Não se está em presença fenómenos e de acontecimentos improváveis, o que se está é em presença de uma regularidade estatística nas últimas épocas. No final, ganha o campeonato quem soma mais pontos nos dois únicos jogos que interessam: os jogos entre o Porto e o Benfica. O campeonato não passa de uma eliminatória com duas mãos, servindo os restantes jogos para encher chouriços. Desse ponto de vista, o Benfica foi um justo campeão. 

Como afirmei diversas vezes, aqui e aqui, após a revelação dos emails, não se devia ter disputado o campeonato. Dispondo dois clubes do conhecimento do seu conteúdo, por motivos  diferentes, encontravam-se-se, assim, em condições privilegiadas face aos demais. Nada aconteceu e a justiça transmitiu sinais equívocos. Para um leigo, o sinal que foi dado é que o acesso ilegal a informação em segredo de justiça é menos grave do que o acesso ilegal a informação de particulares. Não sendo por este lado que se espera qualquer mudança, a única solução para colocar os clubes em igualdade de condições é democratizar o acesso aos emails. Talvez nessa altura se possa a voltar a falar em feitos e recordes.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Play it again Sam

Sobre a passagem da manada de elefantes no Dragão, sábado passado, como entretenimento de final de campeonato, já nos disse praticamente tudo o nosso capitão Rui Monteiro. Aos caídos, diz que alguns jogadores do Sporting lá conseguiram chegar aos balneários sem que o VAR ou um dos árbitros os expulsasse por conduta violenta contra o espaço cognitivo que acompanha o túnel de acesso aos desejados duches. Mas, como todos sabemos, há sempre um pré-match que salga e apimenta os momentos seguintes. É quase tão importante como o post-match, e ambos são muito mais importantes que o jogo em si. Toda a gente sabe disso.

Toda, menos o Keizer: nada disso está (apenas) relacionado com o conhecimento das idiossincrasias do futebol português, embora estando; nem sequer com o festival de papas de sarrabulho de Amares, embora a sua ausência tenha sido notada; nem sequer com o desconhecimento da língua de Camilo, embora desse jeito perceber aquilo que os outros para aí dizem e escrevem. O meu sobrinho pequeno (também) sabia que o segundo jogo com o Porto (a final) era mais importante que o primeiro. Sabia, mas não o disse. Nem em conversas familiares o rapaz se descosia. O foco, seja lá isso o que for, era o próximo jogo. Keizer sabia que o jogo da final era (e é) o mais importante e disse-o. Não precisava nem tinha que o fazer. Ainda por cima anunciando mudanças e entrando depois em campo com Acuña, mister lesões Mathieu e Bruno Fernandes. Tudo malta perfeitamente substituível no jogo da final.

Keizer, se lesse na língua de Camilo, tinha percebido que durante a semana o presidente do clube rival se tinha desdobrado em entrevistas, editoriais, anunciando o apocalipse (supostamente) causado pelos árbitros ao seu clube, bem secundado na estratégia pelo seu cão de fila da propaganda. O campeonato estava perdido, eles bem o sabiam. E nós sabíamos – o meu sobrinho sabia-o bem – que o jogo do fim-de-semana seria uma demonstração de força (no sentido tamanqueiro e trauliteiro do termo) do nosso rival. De intimidação, pois claro. O árbitro também o sabia, como se viu. O VAR também. O Paulinho Santos sabe-o há muito anos e tem uma tese de mestrado sobre o assunto. Ao entrar com o Fernandes, o Acuña e o mister lesões Mathieu, Keizer demonstrou que não o sabia. E também demonstrou que não tem ninguém que lho diga. Por isso será melhor aprender rapidamente a língua de Camilo e começar a frequentar a tasquice mundana. Assim continuará a dar cartas na estratégia e na táctica, sem nunca se esquivar a uma boa sueca. Estamos a referir-nos ao jogo de cartas, bem entendido

Quando uma manada de elefantes entra em campo

O jogo contra o Porto tinha dois objetivos que na prática constituíam um só: assegurar que um ou outro dos (poucos mas) bons jogadores do Sporting não estivesse na final da Taça de Portugal, no Jamor, aproveitando os do Porto, ainda, para descarregar a frustração da perda do campeonato nas canelas dos adversários ou em qualquer outro elemento anatómico que estivesse à mão (ou ao pé, melhor dizendo) de semear. O Sporting aparentemente também tinha o mesmo objetivo, assim se compreendendo a razão para o Mathieu, o Acuña e o Bruno Fernandes integrarem a equipa titular. 

Os do Porto iniciaram o jogo com o propósito de molhar a sopa no seu alvo principal, o Bruno Fernandes, esperando qualquer coisa, designadamente uma resposta em conformidade que o levasse à expulsão. O objetivo estava bem definido, mas o Bruno Gaspar trocou-lhes as voltas ao atrasar inopinadamente uma bola para o Borja se embrulhar com o Corona e acabar expulso depois de mais uma rábula onde o VAR representou o papel de árbitro interpretando o lance e as relações de causa e efeito do que viu e esquecendo-se de fazer outras interpretações diferentes do árbitro quando viu o que viu, como as entradas sem bola do Filipe e do Militão. O Sporting tem poucos bons jogadores, como se referiu, muitos assim-assim e alguns, consensualmente, maus. Assim, expulsado um assim-assim, para uns, ou mau, para outros, reduziu-se a possibilidade de expulsão de um dos bons. Por isso ou porque com mais um sentiram a responsabilidade de fazer mais alguma coisa, os jogadores do Porto passaram a olhar mais para a nossa baliza, embora mantendo um olho no burro ou no cigano, não sei bem como é que aplica este aforismo neste contexto. A primeira parte concluiu-se sem que se tivesse jogado praticamente à bola: o Felipe acertou mais vezes no Bruno Fernandes do que na dita e o Marega também não conseguiu acertar na dita e, muito menos, com a dita na baliza e fez-se ao “penalty” e à expulsão do Mathieu com uma coreografia que nem nos anos oitenta e noventa se aceitava. 

Ao intervalo, terão explicado ao Bruno Fernandes que o melhor era encostar-se à esquerda e deixar pura e simplesmente de participar no jogo e nunca, mas mesmo nunca, se lembrar de atacar, colocando-se a jeito. Os do Porto atrapalharam-se com este triste e vil apagamento do seu alvo principal e ficaram sem objetivo. Umas castanhas aqui, umas biqueiradas ali, umas correrias inconsequentes acolá e nada mais. Estava-se num marasmo tão, mas tão grande que um mau, o Diaby, um bom, o Acuña, e um assim-assim, o Luiz Phellype, tiveram tempo, mas tanto tempo para se relembrarem onde ficava a baliza da equipa adversária que acabaram por marcar um golo. Raivoso, o Sérgio Conceição fez entrar o Aboubakar carregado de apontamentos. O homem, atrapalhado, em vez de montar a habitual roda com os colegas à frente da claque e, enquanto um dos seus membros despia a camisola, realizar um “brainstorming”, decidiu ler as cábulas enquanto corria. Não é um processo que se recomende e, assim, não se estranhou que tenha esbarrado no Renan Ribeiro quando estava isolado e se esperava que marcasse. 

À falta de melhor, os jogadores do Porto fartaram-se de ganhar cantos e tanto cantos marcaram que os nossos, exaustos e vagamente entediados, entraram em modo “levem lá a taça (em minúsculas, entenda-se)”, deixando de saltar às bolas e de fazer subir a linha defensiva. O Danilo empatou e logo a seguir o Herrera fez o dois a um, saudando as claques com um coração e evitando ter de se lhes dirigir no final do jogo para pedir desculpa de qualquer coisinha. Fiquei com dúvidas quanto à sua posição e com mais dúvidas fiquei quando a SporTv desatou a passar repetições e repetições de todos os ângulos menos daquele que permitia esclarecer essas dúvidas, chegando a passar umas repetições de trás da baliza cuja coisa mais relevante que permitiam vislumbrar era o novo “bleached blonde hair” do Herrera. 

Parecia que tudo estava resolvido a bem para ambas as partes, mas não estava. Os do Porto voltaram à casa de partida e continuaram à viva força a querer expulsar um dos (poucos) bons jogadores do Sporting. À falta do Bruno Fernandes, que tinha sido substituído, desviaram as suas atenções para outro alvo: o Acuña, o argentino das bolas grandes, como afirma a sua mulher e nós não temos condições de desmentir. Quando o Acuña dominou a bola junto ao banco do Porto, local ideal para se encenar uma ópera-bufa como a que se iria assistir, o Corona e o Herrena fizeram-lhe uma emboscada e desataram a bater-lhe de todas as formas e feitios, enquanto, subitamente, se vê entrar em campo uma manada de elefantes comandada pelo Sérgio Conceição. Vendo o seu colega em ligeira desvantagem em número e armamento, os nossos reorganizaram-se e fizeram uma investida que rompeu a inexpugnável Linha Maginot, enquanto o Acuña, fora do campo, se mantinha tranquilo a explicar a dois elefantes os ensinamentos do Mahatma Gandhi e os princípios do Satyagraha para evitar que engrossassem a manada. O VAR, que tinha visto uma mão do Borja que, quem sabe, talvez pudesse impedir a adequada progressão do seu adversário e assim, quem sabe, isolar-se, não viu nem o Sérgio Conceição nem a manada de elefantes entrar em campo. Não viu ele e também não viu o árbitro, o quarto árbitro e os dois fiscais de linha. Ainda bem que estas assimétricas patologias oftálmicas não afetam a polícia que se dispôs de imediato a acabar com a rebaldaria. O árbitro expulsou o Corona e mostrou amarelo ao Acuña, por considerar, admite-se, que uma revolução mesmo por meios não violentos não deixa de ser uma revolução e uma forma de perturbar mentes mais simples e dadas aos instintos da sua natureza. 

Mas, no fim, o que importa é o resultado e o resultado foi lisonjeiro para nós. Ficámos sem um jogador para a final da Taça de Portugal e o Porto também. Não merecíamos este resultado e o Porto muito menos, que tanto porfiou para conseguir mais e melhor enquanto nós só passámos a jogar como uma verdadeira equipa quando tivemos de enfrentar uma manada de elefantes. Depois de levar uma bofetada do Sérgio Conceição, o Renan Ribeiro caiu, mas, como reza a lenda, por cada leão que cair, outro se levantará!

sexta-feira, 17 de maio de 2019

O custo de oportunidade de falar do que se não conhece

Tive a oportunidade de escrever este “post” sobre as rescisões dos jogadores do Sporting e os acordos que o Sousa Cintra tinha vindo a desenvolver. Recorri aos famosos conceitos do “Dilema do Prisioneiro” e do “Equilíbrio Nash” para explicar que a procura do interesse próprio de cada uma das partes tanto poderia levar a um acordo ou a acordo nenhum, ganhando todos ou perdendo todos respetivamente. Os dados que apresentei para explicitar a estratégia de cada uma das partes que participava neste jogo eram simbólicos e, portanto, fictícios. Os acordos foram sendo feitos e o que pareceu evidente era que os acordos eram sempre melhores do que as alternativas, isto é, os não acordos. 

Entretanto, chegou-se ao mais recente acordo com o Gelson Martins. Existe um consenso: é um mau acordo para o Sporting. Quem assim afirma esquece-se de nos explicar qual seria, então, a melhor alternativa. A única alternativa conhecida é o não acordo e a decisão judicial. A decisão judicial tem um grau de imprevisibilidade relevante e mais imprevisível ainda são as consequências dessa decisão. Mesmo que exista absoluta convicção sobre os méritos da posição do Sporting, ninguém consegue antecipar as consequências. 

Ninguém sabe se as consequências recairão completamente sobre o jogador e, sendo assim, como é que será determinada a indemnização e, mais do que isso, se o jogador disporá de condições para a pagar (a simples insolvência pessoal determina a possibilidade do Sporting não se ver ressarcido de nada). Ninguém sabe se as consequências recairão também e em que grau sobre o Atlético de Madrid e as diversas formas que este clube teria de prorrogar o não pagamento de qualquer indemnização, obrigando a um outro acordo para o Sporting receber o que quer que seja, abdicando agora de um acordo para ter de chegar a outro mesmo que viesse a ganhar o processo judicial. Neste como noutros casos semelhantes, o tempo corre sempre contra quem espera ser indemnizado, dificilmente sendo ressarcido dos danos causados e sobretudo na dimensão dos danos causados no passado reportados ao momento presente com taxa de atualização razoável. 

Numa economia de mercado o preço é justo ou injusto em função do seu custo de oportunidade, a melhor alternativa em idêntica situação de risco. O Mundo como o conhecemos não é uma parábola onde no final ganham sempre os bons e os justos. A realidade, o nosso dia-a-dia e o das instituições, dispensa bravatas e títulos de jornais. Como diz o Woody Allen, a realidade por mais dura que possa ser ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife. Os erros não se corrigem, nem se desculpam, evitam-se simplesmente. É verdade que o envolvimento de intermediários e o pagamento de comissões sobre serviços que se desconhecem constitui o lado obscuro do futebol. Há muito tempo que a absurda circulação de dinheiro sem explicação nestas transações deveria levar as instituições que nos representam a tomar medidas. Mas essa, embora mais interessante, é outra discussão. 

Nada disto impede que a Direção do Sporting dê devidas explicações a todas as partes interessadas deste negócio, especialmente aos sócios. Também é verdade é que se as desse com o necessário detalhe se estaria a fragilizar do ponto de vista da sua posição de mercado e correria o risco de ser criticada como foi quando se procedeu à divulgação da auditoria. Existe é uma verdade: o custo de oportunidade de falar do que se desconhece é falar do que se conhece, pedir as necessárias explicações do que se desconhece ou estar calado. É mais fácil ajuizar esta decisão do que ajuizar a decisão do acordo.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Protocolo de estádio


Parece que vão (tentar) tirar os títulos ao Joe Berardo. Depois daquela grandiosa exibição na comissão parlamentar (como se chama?), comissão de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, Berardo provou-nos que o futebol, mesmo na sua versão toupeiras e padres, ou fruta da época, mesmo na sua versão televisiva (CMTV incluída), tem ainda muito que andar para chegar aos robustos calcanhares do comendador Joe. Fiquem descansados os adeptos de ambos os desportos, no final as coisas só correm mal para quem tem de pagar bilhete.

O campeonato está a acabar e vai ser em grande, conforme o protocolo estabelecido. Aliás, o protocolo estabelecido está tão bem feito que ainda este fim-de-semana disso tivemos uma prova (como se disso fosse preciso). Quando na semana anterior se falava por aí na possibilidade do Sporting ainda chegar ao 2º lugar pensei para comigo: acabou-se a série de vitórias. Não sou bruxo, nem de Fafe, mas dou uns toques em prestidigitação direcionada.  

Após a vitória e eliminação do Benfica da taça, como andávamos suficientemente longe para chegar ao título, foi-nos permitida a graça de um bom futebol, sem situações inoportunas, imprevistas, sem percalços de maior. Bem vistas as coisas, lutávamos, quando muito, com o Braga para o terceiro lugar. Braga que, posteriormente, foi devidamente presenteado com as bengaladas da praxe, para saber o seu lugar no respectivo protocolo. 

Sobre o jogo com o Tondela já o Rui disse tudo. Contribuímos com a nossa dose cavalar de falhanços para aperfeiçoarmos o nosso lema de falhar cada vez melhor. Mas fica-nos a sensação de que não poderia ser de outra forma. Há um protocolo a respeitar.


(Nota: Campeões Europeus! - uma posta de pescada para breve)

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Distopias da futebolândia nacional

No sábado, era dia de festa. Despedíamo-nos de Alvalade esta época, depois de manipulações várias, beneficiando o Benfica e prejudicando o Porto pelo caminho, com o tão desejado título Abel&Salvador: o terceiro lugar. Os fins sempre justificaram os meios. Ano após ano, não sendo possível ganhar o campeonato nacional, queremos ser os melhores da Europa, seguindo o exemplo do Liverpool e do Tottenham. Um dia longínquo, seremos os melhores da Europa e de Portugal também. Uma coisa de cada vez, por ordem crescente de importância relativa. O Bruno Fernandes pretende seguir o caminho inverso, procurando ser campeão nacional antes de ser campeão europeu. Gostos ou falta de gosto, melhor dizendo. 

Como nos tinha avisado o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), as equipas que jogassem no Vale do Tejo iriam sofrer as consequências de anticiclone das Ilhas Britânicas. As altas pressões atmosféricas trazem massas de ar quente e, estas, alucinações. Assim, ao lado da equipa do Tondela e do árbitro, entrou em campo a equipa do Setúbal, embora os jogadores fossem os do Sporting. Nada contra o Setúbal nem os jogos do Setúbal, mas se é para ver jogar o Setúbal contra o Tondela o melhor é o jogo realizar-se no Bonfim e com os jogadores do Setúbal. 

Os comentadores da SporTv ou não perceberam ou fizeram-se desentendidos e continuaram a ver jogar o Sporting. Viram a agressão do Ristovski, o protesto do Bas Dost, o fiscal de linha a demorar a marcar fora-de-jogo a um jogador do Sporting. Não viram foi jogar o Tondela ou confundiram os seus jogadores com os do Liverpool e o seu treinador com o Jürgen Klopp quando afirmaram que se trata de uma equipa com muito critério na saída para o contra-ataque ou que impediam o adversário de ter tempo de posse de bola como habitualmente. Não viram que as imagens não permitiam que se visse de forma clara e evidente razões para a expulsão do Ristovsky, não viram a ridícula simulação de falta que levou ao protesto do Bas Dost, não viram uma joelhada na cabeça do Bruno Fernandes, não viram nova falta do mesmo jogador sobre o Acuña para segundo amarelo, não viram as sucessivas entradas por trás (ou interpretaram-nas como brilhantes manobras táticas para impedir que os jogadores do Sporting se virassem). Viram o Sporting, não viram o Tondela, viram o que o árbitro viu e não se via e não viram o que o árbitro não viu e se via. Podia tratar-se de um espetáculo da “World Wrestling Entertainment” (WWE), mas não. Tudo parece obedecer à necessidade de uma narrativa oficial que permita, no fim, afirmar-se que a bola é redonda, embora se tenha recorrido à tática do quadrado para a fazer rebolar da forma mais conveniente possível. 

Quando a equipa do Tondela empatou, os comentários de dois benfiquistas que estavam no café constituíram uma epifania. Enquanto um rejubilava o outro dizia-lhe: “Ainda vamos arranjar maneira de fazer descer o Chaves!”. Afinal talvez não estivesse a ver jogar o Setúbal e o jogo mais não fosse do que a primeira mão da liguilha que se disputa entre o Tondela e o Chaves e cujo desfecho se encontra aprazado para a próxima jornada. Finalmente também compreendi o comunicado do Braga após o jogo contra o Benfica, culpando o Sporting e o mesmíssimo árbitro pelas faltas não assinaladas do Ruben Dias, do João Félix e do Florentino: os jogadores eram do Benfica mas a equipa era a do Sporting, como no sábado era a do Chaves ou a do Setúbal, vá-se lá saber. 

O “El País” deste sábado publicou uma reportagem sobre as sucessivas taxas naturais negativas dos portugueses nos últimos dez anos e a tendência de agravamento decorrente do envelhecimento da população. O título não podia ser mais sugestivo: “Os portugueses se extinguirão este século?”. É um título que dá que pensar, sobretudo aos sportinguistas. Será que ainda vamos a tempo de ganhar por mais uma vez que seja o campeonato nacional?

terça-feira, 7 de maio de 2019

Um oito à Bordalo Pinheiro

Um encontro de agrónomos que se realiza ano após ano há cerca de vinte anos calhou neste fim-de-semana. Quando se iniciaram estes encontros, muitos de nós ainda não tinham filhos. Ao fim destes anos, temos filhos mas é como se não tivéssemos: não estão para nos aturar e ainda bem (para eles, diga-se). Combinar encontros e jogos de futebol no mesmo fim-de-semana não é para todos, sobretudo se se joga ao domingo, exatamente quando se está de regresso a casa. Implica adequada logística e todo um sem número de concessões que coloque as mulheres em dívida moral. 

O encontro foi nas Caldas da Rainha e, por isso, não regressámos sem uma ida à loja da fábrica Bordalo Pinheiro. Analisámos com detalhe e atenção a importância que se reveste uma fruteira em forma de couve penca na decoração da sala de jantar ou de um canídeo em porcelana à frente da casa com a respetiva placa “Cuidado com o Cão”, para que os vizinhos tenham medo (de o partir, claro está). O meu amigo Luís representou tão bem que fiquei na dúvida se a folha de couve não lhe era destinada. Estávamos em plena A8 quando o jogo contra o Belenenses se iniciou. Com o aproximar do final da primeira parte, o Luís, a medo, começou a dizer que estávamos a ficar sem combustível. Vimos toda a segunda parte na estação de serviços de Vagos, pois deu-se o caso de o jogo ali estar a ser transmitido, coisa que nunca imaginámos e muito menos planeámos, juntando-se o útil ao agradável. 

Aparentemente, a equipa do Sporting estava a adaptar-se ao relvado simplesmente, treinando para a final da Taça de Portugal. O Belenenses, com menos um jogador, comportava-se como um clube grande, recordando-me um ex-Presidente que afirmava que um clube grande, como o Belenenses, deve ser grande até a dever. Os jogadores em vez de despejarem a bola para a frente ou saírem com ela pelas laterais, inventavam um “tiki-taka” pelo meio que, à primeira pressão, acabava tudo em pânico. Num desses pânicos o Bruno Fernandes acertou nas pernas do guarda-redes e notou-se que estava a ficar cada vez mais irritado consigo mesmo. Como os jogadores do Sporting pareciam que estavam num jogo-treino, não se estranhou o golo do Belenenses. Foram à frente uma primeira vez e o Renan Ribeiro defendeu. À segunda, depois do Mathieu fazer um passe assim-assim para o Borja também efetuar uma receção assim-assim e ajeitar a bola para um jogador do Belenenses que vinha embalado, marcaram numa recarga do Licá, o velho Licá, o ex-internacional Licá. 

O jogo prometia. Mas o Gudelj de meia-distância fez embater a bola no lombo de um adversário e entortou o guarda-redes todo, fazendo o três a um e mantendo uma postura de quem faz remates daqueles várias vezes ao dia. A seguir, um defesa do Belenenses e o Luiz Phellype procuraram explicar ao João Félix as circunstâncias que permitem a um avançado rebolar-se no chão depois de levar uma trancada sem parecer maricas. O Bruno Fernandes fez a paradinha do costume e bateu o recorde do Mundo e da Europa também, mas continuava-se a notar a irritação. Lançado em profundidade pelo Raphinha, o Luiz Phellype torneou o guarda-redes e passou a bola ao Bruno Fernandes para fazer mais um golo, que não ficou muito mais alegre atendendo à facilidade, apesar de ter batido o recorde do recorde que tinha batido. Entrou o Bas Dost e os jogadores do Belenenses fizeram o favor de perder mais uma bola no meio para o Bruno Fernandes o isolar e marcar mais um golo à segunda. O Acuña foi à linha e centrou para o segundo poste, onde apareceu o Bruno Fernandes a rematar de primeira e a marcar mais um, batendo o recorde que tinha batido duas vezes e ficando com melhor cara. Até o Diaby participou num golo, atrapalhando-se com um defesa e deixando a bola para o Bas Dost simular e o Doumbia rematar e fazer o resultado final. 

Percebia-se que se estava perante uma situação de emergência. Desconhecia-se era que o árbitro fizesse parte de uma equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), só assim se compreendendo a razão para acabar o jogo logo ali e não dar o devido tempo de descontos. Com mais quatro ou cinco minutos, havia tempo de sobra para marcar mais um ou dois golos. Havia tempo e mais do que tempo para o Bruno Fernandes voltar a molhar a sopa. Concluído um “encore” pedimos outro e mais outro, procurando assim matar as saudades que dele vamos ter. Cada jogo jogado é menos um por jogar até ao final de época e temos saudades, muitas saudades, pois dificilmente o voltaremos a ver com a nossa camisola.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Chover no molhado

Praticamente tudo foi dito sobre a vitória da nossa equipa na UEFA Futsal Champions League. No entanto, carregou-se mais nos adjetivos do que na análise do percurso que nos levou a esta vitória e na forma como se foi aprendendo com as derrotas. O nosso cérebro está preparado para estabelecer relações de causa e efeito, quando muitas vezes os resultados se devem ao acaso. Não percebo grande coisa de futsal, nem sequer aprecio de sobremaneira esta modalidade. Mas, como todos, na minha cabeça gerou-se um entendimento sobre as causas que levaram a este sucesso. 

Nas anteriores finais que disputámos, fiquei sempre com a convicção que coletivamente éramos tão bons ou melhores do que os adversários e os nossos jogadores dispunham de qualidade técnica pelo menos equiparável. Sempre me pareceu é que éramos mais frágeis na dimensão física e na baliza, onde os nossos guarda-redes, apesar de bons, não estavam ao nível dos adversários. A tudo isto, somávamos um certo romantismo: dificilmente se via uma biqueirada sem propósito e havia uma obsessão em trocar a bola e sair sempre a jogar. As dispensas e aquisições desta época visaram colmatar estas falhas. Passámos a ter um guarda-redes tão bom como os melhores, Guitta, e os regressos de Erick Mendonça e de Leo Jaraguá conferiram uma maior capacidade física e de choque com os adversários. A tudo isto somou-se um maior pragmatismo. Assistimos a jogos em que os jogadores, incluindo o guarda-redes, não tinham grandes problemas em colocar a bola na frente sempre que pressionados. 

Estas alterações resultaram da fria análise de Nuno Dias às derrotas passadas e da disponibilidade da direção do Sporting e, em especial, de Miguel Albuquerque para as promover. As exibições e os resultados não começaram por ser os melhores. Deixámos de ser arrasadores no campeonato nacional e o Benfica parecia o favorito. Não só não desanimámos como subimos a parada e, em finais do ano passado, renovámos com o Nuno Dias, até 2022. O sinal foi inequívoco: era com estes jogadores e com esta equipa técnica que pretendíamos ganhar todas as competições. A competência faz-se da análise dos nossos pontos fracos e fortes em relação à concorrência e de alterações em conformidade e da capacidade de resistir à tentação de tudo mudar quando existem reveses, aprendendo com as derrotas, que são a mãe das vitórias futuras.