quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Fingidores

O Sporting deixou de jogar em campos de futebol, em relvados, e passou a fazê-lo em contextos territoriais de maior biodiversidade e de respeito pela natureza. Começámos na Tapada de Mafra, contra o Nacional, passámos pelo Parque do Montesinho, contra o Marítimo, viajámos para o Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde jogámos a Taça da Liga, e concluímos este breve périplo pelas nossas áreas de paisagem protegida em plena Serra da Arrábida, contra o Boavista. Os nossos jogadores estão plenamente adaptados a jogar em ecossistemas naturais de elevado valor paisagístico e ambiental e a bola rola, rola sempre, de pé para pé, sem atender a buracos ou poças de água recheadas de nenúfares e de rãs saltitantes. 

Ontem, a coisa foi de tal monta, que os do Boavista nem a cheiraram, a bola, entenda-se. Não a cheirando não havia forma de os jogadores do Sporting fazerem falta e sem faltas não há amarelos e sem amarelos não se somam cinco quando se dispõe de quatro e não se poupam energias no jogo seguinte para jogar o que se segue ao seguinte, o mais exigente, o mais difícil de todos, aquele em que defrontamos a única equipa que nos venceu, o Marítimo. Não facilitámos e continuaremos a não facilitar contra essa equipa do indomável qualquer coisa que queríamos para avançado mas que acabou contratado pela equipa seguinte, a equipa com a qual pretendemos jogar com os menos utilizados, para poupar os do costume, os dos amarelos, Coates, Neto, Nuno Santos e Palhinha. Como disse, não facilitámos e metemos logo de início os dos amarelos, menos um, para que não perdessem por um minuto que fosse um motivo, bom ou mau, não importa, para levar o quinto amarelo. 

E a bola rola e rebola e as faltas não vêm e não vêm os amarelos e nunca mais se compreende a razão, a única razão para se disputar este jogo, os amarelos, o merecido descanso, a preparação do Marítimo. E o Nuno Mendes centra e o Nuno Santos entra à bola e desvia-a para a baliza e marca o primeiro golo. E safa-se a bola na linha de baliza do Boavista. E o João Mário falha de baliza aberta, displicente. E o Sporar falha, falha tão completamente que chega a falhar o falhanço que deveras falha. E vem o intervalo e vão todos para os balneários para logo regressarem para a segunda parte. E volta tudo ao mesmo, a bola que rola e rebola, de pé para pé, sem ninguém do Boavista a cheirar. E substitui-se, substitui-se e tudo muda e tudo fica na mesma. E o Porro enche o pé e marca um golão, o segundo. 

E o que faltava entrou. E podia voltar a valer a pena. E podia voltar a haver uma razão de ser, uma razão para se jogar aquele jogo. E o árbitro atrás de uma moita, à espera, à espreita. E o vento tudo levou e levou um jogador do Boavista e falta e amarelo, finalmente amarelo, e a razão para se jogar aquele jogo. E o jogador chora agradecido, da dádiva, da consideração. E aproximam-se mais jogadores a pedir, a pedir amarelo, invejosos. E o árbitro mostra e não mostra a quem deve, ao Coates, ao Neto e ao Nuno Santos também, porque não havia falta, falta deles, só falta do vento que tudo levou e levou o jogador do Boavista. E não vão descansar, descansar para o jogo a seguir ao seguinte, contra o Marítimo. 

[Volta-se a parafrasear Pessoa. O sportinguista é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. A dor é própria ou vergonha alheia. Até os das cartilhas, os cartilheiros, estavam desolados. Há uma dignidade na profissão. A zaragata explicativa exige cartilha, narrativa, explicações, plausíveis ou implausíveis, mas explicações. Nada pode ser o que é, em carne viva. Esta dor torna-se insuportável a cada jogo que passa. Resta o Rúben Amorim não perder a coragem e voltar a virar do avesso a cabeça dos jogadores, porque vale a pena, por eles, por nós, pelo Palhinha!] 

13 comentários:

  1. A insustentável leveza das crónicas deste blog é aguardada sempre com expectativa, e mais leves ficam quando despertam risos e sorrisos de admiração pela mordacidade e capacidade literária.

    É verdade que o Amorim não facilitou, quando passou um bom bife de carne vermelha em sangue debaixo do nariz do predador, quando este até então, se salivara, tinha sido de si para si, mas é bom lembrar que o culpado do desaparecimento do bife é quem o comeu, não de quem tentou o predador. Não é este um apontamento para o autor da crónica que ora se comenta, mas para os que condenam a temeridade da experiência do bife.

    Afinal, só um vai descansar (e vamos a ver se o deixam) no próximo jogo, e o que a esse se segue é que importa. É que o próximo é desse futebol normal, desinteressante, de relvado, e o seguinte será de novo futebol de lameiro, desse que é de inverno, para já, do nosso contentamento.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Estou preocupado com esse jogo, o jogo no lameiro como diz, contra o Marítimo. Contra o Benfica vai ser olhos nos olhos. O Sporting joga à bola, o Benfica também. Se não houver habilidades, habilidades dos senhores do costume, pode ser um bom jogo. Quando é um bom jogo só se espera que ganhe o melhor e que que o melhor seja o Rúben Amorim.

      SL

      Eliminar
  2. Rui Monteiro
    Não tenho palavras. Excelente.

    ResponderEliminar
  3. se o amorim descansou o palhinha durante 75 minutos , num jogo dificil , no bessa ,ja devia ter limpo todos os castigados em jogos anteriores , um de cada vez ,porque de todos os jogadores em risco , o mais importante era o palhinha .Já perdemos om campeonato , o de 2003/2204 , com o peseiro , por esta especie de treinador não tirar o liedson ,no jogo em casa com o guimarães , com o SCP a ganhar 1-0 ,quando só faltavam 5 minutos para acabar .
    A proposito , o amarelo foi muito discutível , e o padre foi o tio do verissimo , o benquerença .

    ResponderEliminar
  4. nesse jogo , com o guimarães , o liedson levou o 5º amarelo ,que o impediu de jogar com os galináceos .

    ResponderEliminar
  5. o jogo em questão foi o famoso jogo do ricardo com o luisão , e o liedson nessa altura brincava com o luisão .

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Nunca conseguimos fazer o contrafactual. E se? não sabemos. Só sabemos que os jogadores do Sporting devem ser tratados como os outros jogadores. A falta não é duvidosa à luz dos critérios do árbitro durante o jogo. Não é falta e não é, isso é que não é, para amarelo. É ver como atuou nas restantes faltas. Só um jogador do Boavista fez seis, seis faltas sem levar amarelo.

      Não podemos equiparar as coisas ou equiparamos a vítima ao agressor. É o pôs-se a jeito. Não há o pôs-se a jeito, como alguns juízes em Portugal ainda julgam casos de violação.

      SL

      Eliminar
  6. então mas o que eu digo é isso , toda a gente sabe que quando um jogador do SCP está para levar um amarelo , leva-o , nem que seja por espirrar ,logo havia maneira de prevenir ,forçando o 5º amarelo , porque já tivemos jogos tão faceis ou mais do que ir ao bessa , e aí ele, nem era preciso entrar se aqueles coxos do j.mario (escandaloso )e sporar concretizassem golos feitos .

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,

      Estamos de acordo. Gostava de conhecer um caso, um caso que fosse de um jogador do Benfica ou do Porto que seja castigado e impedido de jogar num jogo importante. Como diz, no nosso caso, a história vem de longe.

      SL

      Eliminar
  7. Jogamos a liga lamaçal. Literal e figurada.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não. A liga Lameiro (como referido em cima. Fica mesmo melhor.)

      Eliminar
    2. Meu caro,

      Essa é boa, é a boa interpretação: jogamos melhor na lama do que no lamaçal do campeonato.

      SL

      Eliminar