sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Um clube de croquetes ou a arte de ganhar com educação, com respeito

Não é simples jogar contra equipas de países neutrais. Países desses, como a Suíça, não se metem em guerras, nem em escaramuças fronteiriças sequer. As respetivas equipas de futebol metem-se em disputas, mas não deixam de ser de um país neutral por essa [simples] razão, não deixam de ser o que é da sua natureza ser, se me faço entender. Parece existir uma contradição, um oxímoro, mas trata-se de conciliar opostos, tarefa que só está ao alcance de países mais desenvolvidas, países que praticam arco e flecha em maçãs colocadas no cocuruto da cabeça. 

No jogo em Berna, ainda não tínhamos concluído se o equipamento do Young Boys nos fazia ou não lembrar a Abelha Maia e já eles tinham tratado de um autogolo e de um “penalty”. A equipa do Sporting reagiu mal, muito mal e, sem qualquer consideração pela natureza do adversário e do respetivo país, tratou de somar dois golos a seu favor imediatamente. Ainda deixámos marcar um golo, mas vínhamos da fossanguice do nosso campeonato e não tardámos a marcar o três a um e acabar com o jogo e a eliminatória. Não, não foi bonito. Não, não temos razão para nos orgulhar. Esperava-se que, na segunda mão, nos soubéssemos comportar, que soubéssemos respeitar e dar-nos ao respeito.    

Ontem foi completamente diferente para melhor. Ainda começamos com a mesma fossanguice e marcámos um golo. Bem, depois fomos exemplares. Não marcámos mais nenhum golo, mas não foi isso ou só por isso: falhámos bem, consistentemente bem; o que não está ao alcance de qualquer equipa. O Edwards a meio metro da baliza enfia um biqueiro na bola com toda a força e ela praticamente não se mexe. O Daniel Bragança a meio metro da baliza também acerta com a bola nas pernas do guarda-redes. O Gyökeres, o infalível Gyökeres falha um “penalty” [até quem não estava a ver o jogo sabia para que lado ele o ia bater]. Por fim, a cereja no topo do bolo: o “penalty” que o Edwards tratou de arranjar num gesto de reciprocidade que lhe fica bem. Um empate, um empate nestes termos honra-nos, honra-nos muito. 

A equipa aprende, umas vezes mais depressa, outras mais devagar, mas aprende. Comporta-se como se deve comportar em circunstâncias como estas, quando joga contra equipas de países neutrais, de países mais desenvolvidos, não comendo de boca aberta nem enquanto fala e não lançando, assim, perdigotos em todas as direções e sentidos. Mas o próximo jogo é contra o Rio Ave. É preciso desaprender e reaprender o que estava apreendido. Não se espera da rapaziada das Caxinas estes salamaleques, este marque vossa excelência, marque vossa excelência primeiro, se faz favor. Ninguém nos vai pedir desculpas por nos marcar um golo. Ninguém nos vai oferecer nenhum golo para ser educado. A não ser que um desprendido benemérito na bancada tenha contratado esses salamaleques só porque sim, só porque é do Sporting e quer que o Sporting [sempre] vença.

11 comentários:

  1. Excelente
    Soberbo.
    Divinal.
    Que dizer mais?
    Até me ficaram a doer as maçãs do rosto do esgar de riso que fui mantendo enquanto lia a crónica...

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    1. Obrigado, meu caro. Tem que agradecer à minha filha que muito inisistiu para voltar a escrever este tipo dee parvoíce. É uma forma de resisitir à velhice como outra qualquer.
      Abraço,
      RM

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  2. Respostas
    1. Obrigado, Pedro. Procurei à viva força incluir a referência a um oxímoro também.
      Grande abraço,
      RM

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  3. Meu caro Rui Monteiro
    É sempre um prazer ler os seus comentários, além do mais pela sua criatividade e imaginação. Quem senão o Rui Monteiro, é que se ia lembrar de fazer uma associação à neutralidade suiça com a postura (neutral) dos jogadores do SPORTING no jogo de ontem com o Young Boys. Divinal!
    Se dirigisse a SPORTING TV ou o Jornal do SPORTING, há muito que o teria convidado para comentar na TV ou escrever no jornal.
    Saudações leoninas

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    1. Obrigado, Carlos Antunes. Não me meta em sarilhos. Com a quantidade de jogos do Sporting, quase dia sim, dia não, tenho que meter licença no trabalho para continuara a escrever, não tarda nada. Nem a UEFA nem a Liga estão a respeitar o prazo mínimo de recuperação de um "blogger".
      Abraço e SL,
      RM

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  4. Faço minhas as palavras dos 3 de cima.

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  5. Sabe, Rui, conhecimento é saber que um oxímoro é uma antítese, sabedoria é não misturá-lo numa salada de frutas de dialética hegeliana (tese, antítese, síntese) como eu às vezes faço :). A

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  6. (Isto comeu-me o parágrafo) Agora a sério, o que o Rui faz é notável e eu não gostaria de ser um daqueles portugueses que convivem com o génio e fingem não o conhecer. O mérito não é seu de eu acreditar no mérito, mas o mérito do que faz aqui é todo seu. [Era isto fundamentalmente que lhe queria transmitir, o comentário de cima foi só uma triste figura (de estilo) minha.] Um abraço e continue.

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    1. Obrigado, Pedro.
      Vão-se construindo relações e amizades a partir da Internet. Vão-se descobrindo proximidades culturais e desportivas também. É um admirável mundo novo, mesmo que Huxley não o tenha antecipado.
      Grande abraço,
      RM

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