sábado, 2 de março de 2024

Onze contra dez e onze contra onze

Não vi o jogo em direto [do Sporting] contra o Benfica para as meias-finais da Taça de Portugal [tinha um jantar marcado]. Vi o jogo em diferido. Ver um jogo nestas circunstâncias não é a mesma coisa. Vai-se a emoção e fica a razão, que me perdoe o António Damásio por admitir que possa existir uma sem a outra e vice-versa. Sabendo-se o resultado, é como fazer uma autópsia ou dissecar o cadáver de um girino, como quando andava no ciclo preparatório. 

Nestas circunstâncias, não vale a pena chover no molhado e descrever as jogadas, os lances mais ou menos promissores, os golos. Dissecar pressupõe ciência, método científico, colocar hipótese de trabalho e procurar confirmá-las ou infirmá-las, enquanto se mantém a mente desperta para novas ideias, novas hipóteses e novas demandas. Fui vendo o jogo e arrumando estas análises muito bem arrumadinhas na minha cabeça.

O jogo inicia-se com uma nova ideia, que foi desenvolvida por diferentes analistas e comentadores, durante e após o jogo. Tudo começa na [suposta] falta do João Neves sobre o Pedro Gonçalves, que devia originar a marcação de “penalty”. Quem está habituado ao andebol ou ao basquetebol, conhece a regra que determina a marcação de falta ofensiva. Um defesa desloca-se para onde pensa que os avançados vão efetuar o ataque, estaciona lá e espera pacientemente que esbarrem nele. 

Neste caso, temos o inverso da falta ofensiva ao quadrado. Não é falta ofensiva, porque é o defesa [João Neves] que esbarra no avançado [Pedro Gonçalves] e não o contrário. Não é falta, à semelhança da falta ofensiva, porque os avançados não devem estar onde se possa esbarrar neles. Parafraseando João Catatau, é como as regras de trânsito: o atropelamento só constitui infração se for numa passadeira [fora das passadeiras, a responsabilidade é do peão, que não seguiu o conhecido conselho do “pare, escute e olhe” antes de atravessar a estrada].

Havia ainda as duas seguintes hipóteses de trabalho relacionadas entre si. Encontrando-se o Benfica a perder, o adversário passa automaticamente a jogar com menos um? Se assim não fosse, então, encontrando-se o Benfica a perder e continuando a jogar contra onze, também acaba sempre por não perder?

O Sporting marcou o primeiro e nenhum dos seus jogadores deixou o campo. Marcou o segundo e tudo continuou na mesma, nenhum dos seus jogadores abandonou o jogo também. Folheando o livro das regras, verifico que para se jogar contra dez, contra menos um, é necessário que o árbitro proceda à respetiva expulsão. Foi uma epifania. Interroguei-me: “Será que os árbitros andam a expulsar os adversários do Benfica? Será que os adversários andam a atropelar jogadores do Benfica nas passadeiras?”

Quanto à segunda pergunta, tive que esperar um bom bocado mais, tal foi o desperdício da rapaziada do Sporting. No final, onze contra onze, o Benfica perdeu. Talvez assim se perceba melhor a chinfrineira no final do jogo. Há [ou havia, melhor dizendo] uma lei do universo que determina que ou o árbitro expulsa um jogador da equipa adversária ou valida um golo irregular ao Benfica, como na época passada. O Benfica é que não pode perder, sejam onze contra dez ou onze contra onze. Ora, afinal parece que não existe [mais] tal lei do universo, que o Roger Schmidt sempre pode perder contra o Ruben Amorim. O que se seguirá? As alterações climáticas? O fim do Mundo?

[Continuo a minha saga do jogo a jogo, crónica a crónica até à vitória final. Se não houver vitória final, não me podem culpar de nada. Culpem as regras do João Catatau, mas a mim é que não]

6 comentários:

  1. O Rui é culpado de escrever o óbvio! mas escreve daqueles óbvios que só o são depois de explicados... pelo menos para mim, que no ciclo preparatório ninguém se dignou a passar-me um bisturi para as unhas. Falta-me instrução, é o que é...

    Mais uma vez: obrigado!

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    1. Obrigado, meu caro.
      O Roger Schmidt é um pândego. Não bastou a pouca-vergonha da época anterior com um golo completamente irregular validado a acabar o jogo. Era precisa outra pouca-vergonha esta época também.
      Abraço,
      RM

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  2. Caro Rui,

    Com a agenda de jogos tão preenchida nem me tinha apercebido do seu regresso a estas lides... e que excelente notícia! Obrigado pelas brilhantes crónicas, que me deixam na dúvida sobre o que de melhor aconteceu ao Sporting este ano até agora: se a contratação (e continuidade) do Gyokeres, a lesão do Adán ou o regresso do Rui. Inclino-me por esta última...

    Falando de inclinação, estou inclinado a pensar que o grande problema do Schmidt e da sua equipa foi mesmo a falta do habitual desnível nestes jogos. O árbitro era tão mauzinho que nem conseguir "ir fazendo" as coisas. O resultado está à vista: quem está habituado a campos inclinados não se adapta com facilidade a terrenos de jogo mais planos (já se tinha visto isso na Champions...).

    PS: Escrevo após os jogos de ontem no Dragão. Apenas se pode concluir que o resultado magro de 5a feira é sinal do mau momento de forma do Sporting...

    Abraço
    João

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    1. Caro João,
      A minha filha insistiu no regresso para combater o tédio e a depressão. De facto, ao ganhamos por dois a um ao Benfica, demonstrámos que não estamos no nosso melhor momento de forma, isto quando nos espera um ASD, um Pinheiro ou um Godinho.
      Abraço,
      RM

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  3. Ontem o Porto jogou à benfica, durante 30 minutos: 11 contra dez e deu no que deu. O benfica a provar o próprio veneno. Ele há coisas...

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    1. Meu caro,
      Onze contra onze o Benfica perde. A jogar com dez, perde mais depressa e de forma mais deprimente ainda, é um facto.
      Abraço,
      RM

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