quarta-feira, 18 de maio de 2011

Freitas Lobo, o Javier Marias português

O melhor do mundo são as crianças. O pior do futebol são os comentadores. Não os comentadores-adeptos, que, enquanto tal, vamos escrevendo e comentado nos media. Esses fazem o seu papel e, tirando um ou outro, não se dão ares.

Estamos a falar dos comentadores profissionais. Os comentadores profissionais actuais procuram, através de uma (pseudo)reinvenção da linguagem, transformar a discussão futebolísticas numa coisa de especialistas. O futebol é uma coisa simples. Mais, é um desporto que qualquer um compreende e que muitos de nós vemos há dezenas de anos. A muito poucas actividades dedicamos tanto tempo como a ver futebol. Não há grandes mistérios, portanto. Os comentadores profissionais querem-nos convencer do contrário; que é uma coisa complicada, só alcance de estudiosos.

A reinvenção da linguagem não tem mal nenhum, muito pelo contrário. A linguagem e o conhecimento são uma e a mesma coisa. Novo conhecimento requer nova linguagem. O problema é quando uma personagem como Freitas Lobo se quer transformar no Javier Marias português. Depois saem pérolas como a da última crónica no Expresso: “A equipa em busca da sua “paz interior futebolística” na hora das últimas palavras dentro do relvado”; “Não existem campeonatos iguais. Todos são diferentes”; “O Benfica não percebeu que tinha de lhe criar essa “jaula ideológica”; “O eclipse de Saviola coloca a questão: por que é que os “coelhos” (Saviola) desaparecem? A explicação cruza factores mentais, físicos e tácticos. Por esta ordem, até, por fim, todos se unirem em campo”.

A crónica continua com conversa e mais conversa desta sem que ninguém, nem mesmo o autor, admito, perceba bem do que se está a falar. E é isto um especialista português da bola.

4 comentários:

  1. Plenamente de acordo. Apenas com um pequeno reparo, a linguagem é uma forma de expressar o conhecimento e não "uma e a mesma coisa". Alias, a linguagem pode esconder a falta de conhecimento. O F.L. faz isso com alguma mestria, ou seja, tenta utilizar uma linguagem cuidada para esconder a falta de substrato.
    Como dizia o mestre, nada há para inventar no futebol. Eu diria é que há ainda muito por ineventar nos meios de comunicação social.

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  2. Caro anónimo,

    Não estamos completamente de acordo. Só se sabe o que se é capaz de formalizar. Flar por falar, sem dizer nada, é uma forma de não falar. Existe alguma evidência no que eu digo, mas as opiniões são discutíveis.

    No essencial estamos de acordo. Os nossos comentadores não sabem o que dizem e são especialistas em metáforas tão boas que acabam todos entre aspas, não vamos lá nos entender as expressões em sentido literal.

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  3. Em que medida é que um desporto com 11 jogadores é simples?

    Se me falar de desportos individuais, não me parece nada complexo.

    Mas com 22 indivíduos a interagirem num jogo, a complexidade existe, efectivamente. São as acções de todos eles que interferem com um único momento, um único lance.

    O problema de muitos (inclusivamente comentadores, mas sobretudo adeptos) é que não percebem que um avançado dar dois passos para um lado ou para o outro, quando um defesa tem a bola, pode significar o sucesso ou o falhanço de uma equipa.

    Um exemplo: no golo do Ronaldo contra a Holanda (passe de João Pereira) toda a gente se focou no comportamento de quem assistiu, e de quem se desmarcou e marcou.

    Qual foi o comportamento dos outros? E se os movimentos dos outros (não só adversários, mas também - e porque não são coisas separadas - colegas de equipa) tivessem sido diferentes?

    Um jogo em que as decisões e acções de 22 indivíduos interferem com o mesmo, será sempre complexo. E só será percebido por quem não só o compreender, como ter isso em atenção quando se vê um jogo.

    Da televisão, então, é muito, muito difícil. Especialmente visto em directo.

    Ver futebol, como ouvir música ou até fazer tarefas aparentemente simples como ler jornais, durante décadas, não significa que se perceba efectivamente aquilo que se vê, ouve ou lê.

    Eu, ouvindo muita música, estou longe de perceber efectivamente o que é a música, tudo o que influencia aquilo que oiço. Se me quiser ficar pelo "este gajo aqui teve agora um acorde porreiro" ou o "o João Pereira passou, o Ronaldo desmarcou-se e desviou do guarda-redes" posso estar a constatar o óbvio. Mas estou a esquecer tudo o resto e não sou de todo alguém que compreende verdadeiramente a música e o futebol.

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    1. Caro anónimo,

      Sou há muitos anos, entre outras coisas, professor. Um bom professor é aquele que se expressa de forma simples. É o que descodifica o complexo.

      Explique-me lá de que forma é que os comentadores de qua falo têm contribuito para que alguém perceba um pouco mais de futebol?

      Dou-lhe um exemplo, vá ao blogue do Lateral Esuqerdo e veja a diferença. Esses sabem do que falam e transformam o que sabem em ideias muito simples e de fácil compreensão. Quando lá vou aprendo a ver futebol. Quando ouço os picaretas falantes, acho que anda meio mundo a gozar com outro meio.

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