Há treinadores que exploram as regras do futebol até ao limite e, por essa razão, são considerados verdadeiros génios da modalidade. Num primeiro momento, a novidade produz resultados e gera adeptos e seguidores. Rapidamente aparecem as cópias, mais ou menos fidedignas, mas ou menos de contrafação. O futebol deixa de ser bola e baliza para passar a ser um emaranhado tático insuportável que só os Carlos Danieis e os Freitas Lobos desta vida apreciam, dado que só os génios do comentário podem perceber os génios da tática. Quase sempre, esses génios aproveitam as regras e montam dispositivos táticos para delas tirarem máximo partido e assim impedirem os adversários de jogar. Do desgaste físico e anímico dos adversários até à sua desmoralização completa vai um passo, restando depois dar-lhes tantas estocadas quanto as necessárias até à humilhação final.
O primeiro que me lembro foi o Arrigo Sacchi. A pressão do meio-campo e a movimentação da defesa orientada por Baresi deixavam sistematicamente os adversários em fora-de-jogo. Ou as desmarcações e os passes eram efetuados num “timing” perfeito ou havia sempre alguém que ficava em fora-de-jogo posicional, pelo menos. A esta forma de defender associava-se a exuberância atacante de extraordinários avançados como Gullit e Van Basten que ao reluzirem nos faziam pensar que estávamos em presença de ouro. As regras tiveram de ser alteradas, acabando-se com o fora-de-jogo posicional, para que o futebol não se transformasse num aborrecimento pegado.
Mais recentemente apareceu o Guardiola e o “tiki-taka” do Barcelona. A estratégia é a mesma do Sacchi: impedir que o adversário jogue e fazê-lo de tal forma que o leve à desmoralização. A ideia é simples, embora necessite de bons executantes. Se a equipa tiver a bola todo o tempo, não resta outra alternativa ao adversário que não seja a de correr atrás dela até se desgastar física e psicologicamente. É andebol jogado com os pés, mas sem jogo passivo. Os jogadores vão passando a bola entre si, procurando rodear o adversário. Na dúvida, ninguém arrisca o um contra um; na dúvida, é preferível passar para trás do que perder a bola; na dúvida, só se arrisca quando se tem superioridade na zona onde a bola se disputa. Para marcar golo, espera-se uma desatenção do adversário ou coloca-se o Messi em condições e acelerar o jogo e desequilibrar a defesa. O Messi fazia a mesma alquimia do Gullit e do Van Basten.
Esta forma de jogar tem sido exportada para os diversos cantos do Mundo por onde o Guardiola vai passando. O estatuto que adquiriu no Barcelona permitiu-lhe escolher as equipas e os jogadores que quer treinar: um género de Jorge Jesus mas em melhor e mais caro. Tudo lhe é concedido e permitido, apesar dos resultados estarem muito longe daqueles que obteve com o Messi. Vemos alemães a trocar a bola entre si como se tivessem menos meio metro e menos trinta quilos do que têm ou o “kick and rush” inglês transformado num entusiasmante Karpov vs Kasparov permanente.
Em Espanha, pátria deste aborto futebolístico, decidiu-se refinar este modo de jogar mas sem o Messi. O resultado foi o fastidioso jogo contra a Rússia. Em duas horas de jogo, a seleção de Espanha teve a bola mais de noventa minutos, sem que tivesse conseguido melhor do que um autogolo, marcado com o calcanhar de um central que estava em queda agarrado ao Sérgio Ramos e de costas para a bola. Não tenho dúvidas, que o desconhecimento do lugar onde estão as balizas e do papel do guarda-redes adversários na sua defesa foram decisivos para a derrota nos “penalties”. Podemos deixar as coisas como estão e acreditar na justiça divina, que deve estar a ser aconselhada pelo Bobby Robson e pelo Johan Cruijff. O problema são os cento e vinte minutos de puro e simples tédio. Está na altura de alterar as regras outra vez: estabeleça-se um tempo máximo de ataque ou defina-se uma linha qualquer a partir da qual a bola não possa voltar para trás depois de a ultrapassar.
Excelente análise ao estado actual do futebol. Não me recordo de ter perdido tão pouco tempo com os jogos de um Mundial. Ainda não vi um jogo completo depois do sacríficio "patriótico" de ter tentado não adormecer com os medíocres jogos da nossa selecção.
ResponderEliminarSendo as regras do espéctaculo determinadas pela sua eficácia enquanto instrumento de entretenimento televisivo, digamos assim, não custa a crer que se assistirá à progressiva adopção de regras existentes noutras modalidades - com destaque para a NBA - que visem minorar os riscos decorrentes do excesso de exposição dos espectadores ao tédio.
No futebol, como nas sociedades tocadas pela desigualdade extrema, existe a "sabedoria" para fazer todas as mudanças necessárias para manter tudo na mesma. É necessário limitar os excessos dos Guardiolas deste mundo.
Meu caro,
EliminarCom ou sem Lampedusa, é necessário mudar alguma coisa. Os jogos estão transformados em autênticos soporíferos.
Nunca daria certo a questão do cronometro de ataque como na NBA. O futebol não tem o nível de controlo que tem um jogo de Basket, pois é jogado com os pés e não com as mãos.
ResponderEliminarO que acabaria por acontecer seria muitas equipas a despejar bolas para a área porque não conseguiam atacar dentro do tempo de outra forma. E esse futebol, para mim, é muito pior que o tiki taka.
Acho que estás a analisar um problema que não é um verdadeiro problema, pois são muito poucas as equipas que podem praticar este tipo de futebol com sucesso, pois é necessário um conjunto muito bom de jogadores e mentalidade.
Meu caro,
EliminarÉ verdade que são poucas as equipas que podem jogar assim. O problema é que essas equipas constituem o paradigma vigente. Todas querem jogar assim, podendo ou não. Os jogos transformam-se numa chatice.
Meu caro Rui Monteiro, ainda a propósito do seu excelente texto, chamo a sua atenção para um aspecto pouco debatido e que pode ter a ver com as consequências nefastas da exposição ao tédio nos jogadores.
ResponderEliminarBernardo Silva e Gabriel Jesus eram apontados como jogadores capazes de atingir um elevado desatque neste mundial. As suas actuações traduziram-se em relativos fracassos. Porque será? No caso de Bernanrdo Silva parece que o dinamismoe imprevisibilidade que mostrou ao mundo no Mónaco de Leonardo Jardim foi totalmente soterrado no City, com a sua deslocação para a ala direita, imediatamente copiada por Fernando Santos. O Bernanrdo que vimos muitas vezes no City e que esteve neste Mundial é um jogador muito menos interessante do que o jogador que Guardiola foi buscar ao Mónaco.
Gabriel Jesus que fazia coisas dificeis de uma forma fácil foi-se padronizando e, nesta altura, parece já nem conseguir fazer as coisas fáceis. Estes jogadores parecem ambos orfãos de um sistema relativamente ao qual aprofundaram a sua dependência.
É só uma ideia.
Meu caro,
EliminarExcelente análise. Não é só o jogo que fica estereotipado, os jogadores também. De repetente, parecem todos iguais. No Barcelona era por demais evidente.
Muito Obrigado, caros Rui, JG e Mike, pelos excelentes texto e comentários!
ResponderEliminarNa verdade, hoje quem quer emoção, ou vê futsal, desde que tendo um bom Serviço de Urgência perto, para a eventualidade de um enfartezito, nos jogos do nosso Clube versus Carnide, onde a frequência cardíaca atinge níveis dignos de uma prova de esforço, ou vê as corridas do nosso Miguel Oliveira no campeonato mundial de Moto 2. O rapaz parte sempre de muito atrás, segundo ele pelo facto da moto ser pouco competitiva nas qualificações, mas na realidade, acho eu, por lhe dar um gozo do caraças dar cabo das nossas coronárias com aquela escalada imparável classificação acima, a cada grande prémio.
Quanto ao brutibol, graças a Mourinhos, Guardiolas e Santinhos, tem hoje a emoção de uma repartição de finanças em hora de ponta.
esquece-se o facto básico que os ingleses colocaram como fito primeiro do jogo, que é essa coisa estranha de marcar mais golos que o adversário, e faz-se um futebol, como diz esse iluminado da bola de seu nome Freitas Lobo, "construído a partir da defesa".
Caramba, já ninguém se lembra do Malcolm Allison, que dizia que queria lá saber se sofria quatro golos, desde que marcasse cinco?
Temos jogadores cada vez mais habilidosos e fisicamente dotados, e pomos a treiná-los o Fernando Santos? O Fernando Santos?
Isto é como dar um Ferrari à avozinha de 90 anos!
Pior, como apesar daquele futebol, por um bambúrrio de sorte que só ele deve entender, ganhámos um Europeu, a malta toda agora acha que o Santinho é o guru dos treinadores.
Vejam o contraste: o pobre do Zé Peseiro põe as equipas que treina a jogar um futebol do caraças, mas como enfrenta legiões de Fernandos Santinhos com o seu futebol burocrático, os resultados têm sido o que sabemos.
Raros são os Klopps e os Zidanes deste mundo hoje em dia, que lançam as equipas para a frente, com a faca nos dentes, e ordem de não fazer prisioneiros.
Tudo o resto é um conjunto de, como dizia e bem o Pedro Sousa na tv há dias, equipas de nove pernas de pau e dois excelentes jogadores, que com esse anti-futebol entediante, ganham jogos, esquecendo uma noção muito antiga que presidiu à criação deste desporto: "aquilo é para a malta se divertir, e marcar golos".
Que tempos estes!
Grande Abraço,
José Lopes
Meu caro,
EliminarA frase que gostaria de ter dito: "[o futebol] tem hoje a emoção de uma repartição de finanças em hora de ponta.
Excelente reflexão. Concordo com sugestão. Poderia ser a linha de grande área, de ponta a ponta (como a linha de meio campo), ao terceiro passe para trás, seria marcado um livre direto no limite d linha. Além disso, para acabar com o antijogo, parava-se o cronómetro cada vez que o jogo estivesse parado, reduzindo o tempo de duas partes para 30 min e pausa de 10 min ou três partes de 20 min e pausa de 5 min.
ResponderEliminar*cada vez que o jogo estivesse interrompido
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarCronometrar o jogo parece-me uma medida de puro e simples bom senso. Ainda não percebi a razão de não se aplicar. Para mim, o rugby tem as regras mais interessantes. Joga-se para trás para se avançar e mesmo assim não se passa o tempo a atrasar a bola.
Se passarmos os olhos pelos mundiais onde supostamente o futebol era total e que a partir de certa altura o contemporâneo não presta,vemos passes sistemáticos para o guarda-redes apanhar,devolver e voltar a apanhar,venha o diabo e escolha!A aberração do catenaccio e do tiki taka,pelo menos trouxeram alguma ordem ao jogo em si.E na minha opinião o futebol fastidioso de hoje,e um pouco mais vistoso do que o futebol desorganizado dase décadas de 80/90
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarA impossibilidade de os guarda-redes puderem receber todos os atrasos mudou o jogo. Mas é pouco. É verdade que havia mais indisciplina táctica, mas, para mim, o jogo era melhor. Não voltaremos a ver uma equipa como a do Brasil em 82. Quem jogar assim perde sempre. Quem perde somos nós que vemos todas as equipas a jogar da mesma maneira.
Como ex futebolista e guarda-redes habituado a ver o jogo num ângulo pouco comum a qualquer espectador pois via o jogo de frente e onde estavam os espaços livres para atacar,é natural que desmonte o jogo de forma diferente .Para mim a essência do jogo está em encontrar antídoto para cobater a organização adversária.Lógico que não é bonito,nem romântico,mas hoje vemos o jogo pelo campo todo.Eu também gostaria de voltar ao Brasil de 82 ,mas sem os atrasos ao guarda-redes e sobretudo sem a carga de jogos que os protagonistas apresentam nestes torneios,onde é visível a falta de frescura física que em minha opinião também limitou a nossa selecção.
EliminarCaro Fernando Gonçalves,
EliminarVer o jogo nessa posição e por esse ângulo deve ser uma ansiedade permanente. Percebe-se com antecedência o que pode vir a acontecer sem sequer ter tempo muitas vezes para avisar a defesa.
Todos os jogos podem ser comparados à guerra. A baliza é o castelo que é preciso tomar e a equipa tem a infantaria, a cavalaria e mesmo a artilharia. A estratégia de jogo é como a estratégia de uma batalha e, por isso, percebo o seu ponto de vista.
Onde estamos completamente de acordo é na falta de frescura física dos jogadores. Não há dúvidas que os jogadores jogam mais durante o ano nos seu clubes do que no final do ano nas selecções.
O que sucedeu nos desportos preferidos dos Norte-Americanos, embora em épocas diferentes, e de modos diferentes, foi uma adaptação das regras, tanto do jogo em si,de modo a torná-lo mais apelativo para o público, bem como da política de contratações das equipas e da distribuição dos lucros, de modo a nivelar e a tornar a competição mais justa, evitando que os vencedores sejam sempre os mesmos.
ResponderEliminarIsto aconteceu como resposta às fracas audiências, tanto nos recintos como na TV, que cada um dos desportos teve a dada altura.
O problema com o futebol é que, com o aumento do poder de compra de países em que é o desporto mais popular, como a Europa de Leste, Ásia, América do Sul e Central, e numa segunda linha, do Médio Oriente e África, as audiências e o dinheiro movimentado pelo futebol foram aumentando, mas de modo artificial, pois esse aumento não é devido à maior espectacularidade do jogo, mas simplesmente porque há mais pessoas que podem assinar um canal de desporto pago, comprar equipamentos do Clube/Seleçção favorito(a), e adquirir produtos das marcas que tradicionalmente patrocinam o futebol.
Quando esta poeira assentar, é que iremos ver alterações para tornar o desporto mais apelativo e emotivo, porque enquanto a vaca continuar a dar milhares de milhões todos os anos, os dirigentes não verão razões para mudar.
Caro Vítor Hugo Viera,
EliminarNão conhecia esses dados. Excelente análise. O futebol tem evoluído muito pouco do ponto de vista das regras. O jogo não é muito diferente do que se jogava há anos, com a diferença de os jogadores serem muito melhores atletas do que nesses tempos.
Enquanto houver público para isto e se ganhar dinheiro, com efeito não há razões para mudar. No entanto, enquanto espectáculo o futebol começa a não ter interesse nenhum, sobretudo nos jogos de selecção com as épocas a acabar. Pode ser, como diz, o dinheiro (a falta dele, mais propriamente, aguce o engenho.
Caro Rui, e caro Vítor Hugo:
ResponderEliminarO Vítor Hugo tem toda a razão.
Como aficionado dos desportos ditos americanos, vejo bem a influência que regras que lá existem têm no nivelar do jogo.
Desde o “cap” nos salários, que os leva a ter que pagar fortunas em taxa de luxo se o excederem, ao facto de os jogadores a partir de certa idade poderem negociar como agentes livres e, ainda, ( sendo esta não aplicável na Europa) os jogadores que passam do desporto universitário para o profissional serem escolhidos, por ordem de qualidade, primeiro pelos clubes pior classificados, equilibra muito mais as coisas.
Claro que também tem coisas más, como o facto de não existirem mudanças de escalão, sendo os clubes sempre os mesmos, mas não se dão mal com isso.
É algo a pensar para o futuro.
Grande Abraço
José Lopes
Meu caro,
ResponderEliminarSó há um problema na tua reflexão, é que confundes futebol com este paliativo que nos dão de dois em dois anos no verão enquanto esperamos que o futebol volte. Estas coisas das Copas têm piada, como entretenimento, mas ninguém acredita que os amigos do Barrichelo lá por treinarem um mês juntos vão ser uma equipa. Já não digo os amigos do Schumacher porque esse atualmente, mesmo no estado em que está, percebe melhor que o Ricardo Pereira que era preciso marcar o Cavani.
Claro que os jogadores hoje percebem melhor o jogo, porque evoluem mais nos clubes, e quando chegam à seleção permitem que exista mais organização coletiva do que antigamente. Mas isso é a defender, que a atacar é cada um por si. Nada que o JJ não pudesse defender. Era essa ideia quando meteu o Rubem Ribeiro de início na semana em que chegou.
SL
Caro Sérgio,
EliminarIsto é nostalgia do Mundial de 82. Em plena época de exames para admissão à faculdade, consegui ver os jogos todos, com excepção de um Brasil vs Argentina que calhou na hora do exame de matemática. Tive que acabar o exame à pressa para ver o resto do jogo. Não dei o tempo por mal empregue (a ver o jogo).
SL
Teremos tédio enquanto, ao contrário de outras modalidades coletivas, for permitido resultados de 0-0.
ResponderEliminarO lance de um jogador que vai isolado, passou toda a gente de forma legal, é ceifado à entrada da área,(por um jogador que devia ser excluido por 30 anos!) O lance é transfomado num livre. Ou seja, transforma-se uma oportunidade de golo por zero oportunidade de golo! A injustiça é recompensada.
Outra situação: um atacante dentro da grande área, rodeado de defesas e onde não tem a mínima hipotese de fazer golo, sai da área para voltar a entrar, e é novamente ceifado por outro defesa que devia apanhar 30 anos, e dá pênalti. Ou seja, uma oportunidade de não golo tornou-se numa oportunidade de golo!
Se a festa do futebol é o golo, porque existem regras que impedem resultados largos como 19-12, 8-10?... aí sim veríamos quem venceria por ser melhor equipa e o verdadeiro talento dos jogadores.
ha umas que seriam interessantes: jogador que toca na bola depois de uma falta tem de executar o lance (livre ou lançamento) sob o risco de perder essa vantagem para o adversario; tempo maximo para execução de livres e lançamentos... e outra para reflexão: porque nao acabar simplesmente com o fora de jogo?
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