terça-feira, 4 de março de 2025

Radio Detection And Ranging

 Recentemente, o presidente do Sporting, em mais uma entrevista na figura de paladino (só faltaram os cocos a fazer as vezes do trote dos cavalos fantasma, como no filme dos Monty Python e o Cálice Sagrado), conseguiu não acrescentar nada de realmente novo, nem explicar nada de realmente velho, como o facto de fazer de morto tão bem. Sem acrescentar nada de novo? Não foi bem assim:

O presidente assumiu que o plantel era – pelos vistos ainda deve ser- ajustado a um sistema que hoje não se aplica (já agora, não se aplica porque está fora de moda, ou não se aplica porque os treinadores preferem outro sistema?), mas que isso não terá passado por ele (a palavra usada foi: nós). Isto é, não terá passado pela direção, foi que o presidente disse, tentando sacudir o resto da água do capote, admitindo, embora sem o desejar, que era Rúben Amorim (e o seu braço direito) que decidiam o plantel, o sistema, o modelo, o diabo a quatro, incluindo não se vender jogadores e apostar tudo no (bi)campeonato, coisa que, aliás, foi reafirmada, publicamente, em segundas núpcias, após a tal viagem a Londres para conhecer o seu famoso smog, com a cabeça na neblina de Liverpool, e ter voltado para ganhar o título.

Tratar-se-á do mesmo sistema (será modelo? - nunca sei estas coisas) ultrapassado que o presidente anunciou com pompa na apresentação da continuidade, quero dizer, na apresentação da next big thing João Pereira? Uma next big thing que vinha sendo preparada para saltar de paraquedas e a seu tempo exportada, obviamente.    

Tínhamos, portanto, um manager (vamos dar nome ao fantasma) que decidia o sistema, o plantel, as cedências, as viagens turísticas, o menu do almoço e os posters que os diretores do clube deviam emoldurar nas suas paredes; presumindo-se, igualmente e, sem grande margem de erro, que também decidiu os moldes do seu contrato. Não apenas a sua duração e respectivos valores, mas, sobretudo, as cláusulas que dele constavam. Sabemo-lo: nele se encontravam definidos valores para clubes portugueses e estrangeiros e, dentro destes, parece que alguns clubes teriam direito a saldos. Ninguém se lembrou (ou o manager não aceitou) de acrescentar que estas cláusulas apenas teriam valor no final de cada época desportiva? Ou, sei lá, apenas teriam validade se o pagamento da cláusula fosse paga por um representante que apenas se deslocasse ao pé-coxinho? Qualquer coisa que impedisse uma saída a meio da época com o clube em primeiro lugar, fenómeno nunca antes visto, ou sequer sonhado pela ficção intrépida de um qualquer Kafka da bola.

Foi possível porque a direcção depositou todas as fichas na estrutura (exportado e respectivo braço direito igualmente exportado), aparecendo nas festas e fazendo-se de morta quando a coisa corre mal. A estrutura será sempre um bom bode expiatório.

Calhando, as lesões (traumáticas ou musculares) até servem para alimentar o bode. Calhando, as arbitragens são uma esfarrapada desculpa, bem a jeito. Se recomeçar a correr bem, vislumbra-se uma boa entrevista anunciando que tudo estava devidamente assinalado no radar.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Geopolítica do arranjinho e regionalização

A ideia [e a prática] de combinar os resultados das eliminatórias com os adversários [do Sporting] nas competições europeias é brilhante, sublime até: começamos a perder em casa por um resultado que não deixe dúvidas quanto ao desfecho da eliminatória e acabamos a empatar fora [com sangue suor e lágrimas para animar a coreografia, de preferência]. Tínhamos efetuado este arranjinho com o Manchester City há uns anos e correu bem, mas este com o Borussia Dortmund correu ainda melhor.

Assim se evita a mais completa e absoluta humilhação que pode ocorrer por puro e simples desfastio de qualquer um destes clubes e respetivas equipas [quem tenha dúvidas, pode rever os jogos da eliminatória com o Bayern de Munique no tempo do Paulo Bento]. Como uma derrota e um empate é sempre melhor do que duas derrotas, saca-se mais algum carcalhol, algum graveto, muito útil para se contratar um jogador de Salvador da Bahia. No final, cada um vai à sua vida: nós vamos jogar contra o Aves, o Pinheiro ou o Gil Vicente; e eles contra o Real Madrid ou o Liverpool.

O “fine tunning” deste tipo de arranjinho não é simples. Só a experiência, a prática [continuada] é que permite encontrar a solução ótima, sem nunca colocar em causa os princípios inalienáveis que regem um clube eticamente irrepreensível como o Sporting [e centralista também, estava-me a esquecer]. Hoje [ontem, melhor dizendo], sabemos bem que os cinco a zero na eliminatória contra o Manchester City constituiu um resultado exagerado. Três a zero teriam chegado e, se eles insistissem, trocaríamos os dois golos por um ou dois médios lesionados. Também não custa nada permitir duas ou três defesas de encher o olho ao nosso guarda-redes para que ele volte a ser amigo do St. Juste.

Não sei se se pode dizer muito mais sobre o jogo de ontem. Talvez falar dos três ou quatro filhos do Musk que entraram na parte final do jogo. Os miúdos são traquinas, atrevidos, tanto metem o dedo no ouvido ou no nariz do pai na Sala Oval como a bola em qualquer uma das balizas do Westfalenstadion. Não aprecio recorrer a lugares-comuns, mas, ontem, com eles, ganhámos uma equipa. Que se cuidem o Lusitânia de Lourosa, o Varzim ou o 1º de Dezembro. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A silvicultura do reforço

Quando era treinador do Sporting, o Paulo Sérgio reclamou vezes sem conta um pinheiro. Na altura, não compreendi bem o alcance deste pedido, desta exigência, pois também não compreendi bem a sua passagem pelo Sporting em vez do André Villas-Boas. Não via préstimo algum num pinheiro, num pinheiro a sério, num “Pinus pinaster”, num "Pinus pinea" ou num “Pinus halepensis” plantado no relvado do Estádio de Alvalade. 

Passados estes anos todos, mais maduro, muito mais maduro, compreendo melhor o Paulo Sérgio. Recorreu a uma alegoria, tão-só. O que ele pretendia era um pinheiro de carne e osso, um substantivo próprio, um Pinheiro devidamente registado no Arquivo Distrital de Lisboa, como dantes constava dos Bilhetes de Identidade. Pretendia-o porque pretendia mais um jogador, um jogador que reforçasse o ataque da equipa. 

Também só agora é que compreendo o Bettencourt e o Costinha. O André Villas-Boas demorou mais de década e meia para perceber aquilo que tinha percebido o Paulo Sérgio há muito, muito tempo [teve razão antes do tempo, como se costuma dizer na política]. O Porto precisava de se reforçar e reforçou-se. Mesmo assim, não sei se chega, pois o Benfica parece ter-se reforçado mais, muito mais. O Sporting é que parece que nunca se reforça por muito que se reforce.

[Acrescentei o “Pinus pinea” (pinheiro-manso) à lista de espécies por sugestão de uma amiga Eng.ª Silvicultora, que hoje (terça-feira) faz anos. Parabéns, Mané!]

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Nova teoria das estruturas (II)

(continuação daqui)

Com o Rui Borges a fazer de Rui Borges e a dar o peito às balas, a inexistente estrutura poderia dormir mais descansada. O exportado fora definitivamente exportado e com o seu braço direito a prazo, entrávamos numa nova fase de reestruturação à portuguesa que consiste basicamente em fazer de morto.

Fazer de morto tem que se lhe diga: é preciso muito treino a alguma desenvoltura, ainda que estática. Esta assentou na concepção de uma cabeça bicéfala (para mantermos aqui alguma coerência anatómica) que substituiria o braço direito: um tecnocrata e um olheiro, reportando diretamente ao presidente, este sim, um verdadeiro expert a fazer de morto, principalmente quando a presunção o terá levado a abrir demasiado a boca.

A coisa até estava a correr bem, no entanto, com alguns resultados menos conseguidos dos nossos rivais (ao Porto, em falência de vários órgãos, falta-lhe a bengala que normalmente o amparava e, no Benfica, o presidente Di Maria tudo tem feito para ser reconduzido mais um ano, com o Otamendi a director desportivo), e com um Rui Borges habituado a desenrascar-se, conhecedor das limitações do nosso campeonato, o dever de mexer uma palha pôde dormir descansado durante algum tempo.

Enquanto isso, numa época em que podemos comemorar o bicampeonato (inédito em muitas décadas), a equipa desmoronava-se entre lesões e castigos, ao ponto de Fresneda aparecer a defesa direito a fazer de um Fresneda que ele viu num filme espanhol sobre auto motivação e capacidade de adaptação, filme esse que, não tarda, está a passar no telemóvel do Esgaio.

À modernidade líquida de Bauman, o Sporting contrapõe a futebolidade (deixem passar) líquida, onde a continuidade se torne descontínua, fluindo em conformidade. Ao mesmo tempo, a essa futebolidade e estrutura líquidas, junta-se o recurso à nossa senhora das dores, muito requisitada por enfermos e enjeitados. Nesse sentido, compreende-se a invulgar desenvoltura estática que nos acompanhou no último mercado, como se estivéssemos bem providos. Entretanto, o braço direito foi definitivamente exportado. Valha-nos o Biel Teixeira, que nos chega de São Salvador… da Bahia.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Rui Borges, o autêntico

Ando há semanas para escrever qualquer coisa sobre o Sporting nesta nova configuração que lhe é dada pelo Rui Borges e os jogos [entretanto] realizados. O Rui Borges é um treinador português certificado, um treinador com esta Denominação de Origem Protegida [DOP]. Como treinador português, é sobretudo alguém que desenrasca o que for preciso com o que tiver mais à mão [ou ao pé, para ser mais rigoroso]. A tática, o sistema de jogo, seja o que for que se chama à disposição dos jogadores em campo a correr para a frente e para trás, é resultado de circunstâncias, de contingências. Sem essas circunstâncias e, assim, sem necessidade de desenrascar, o Rui Borges não expressaria as suas virtudes [que são muitas], seguramente. 

É assim um género de senhor Manuel que tanto chamo para arranjar as persianas, instalar o fogão, pintar a casa ou dar um jeito na canalização [o vizinho de baixo está-se sempre a queixar e resta-me recorrer a uma sonda da NASA, daquelas que usam para explorar Marte e outros sítios como este, onde há muitos vizinhos de baixo]. Imaginem um treinador alemão, um Roger Schmidt desta vida, a lidar com o permanente rebuliço sanitário e organizativo que vem caracterizando o Sporting dos últimos dois meses. Querer contratar um lateral direito espanhol para substituir o Esgaio e descobrir que (já) o tinham contratado há ano e meio; dar com metade da equipa em lista de espera no Serviço Nacional de Saúde; querer contratar um extremo do Bahia que joga no União de Leiria e acabar a contratar um extremo do Bahia que joga no Bahia; ter um diretor desportivo do Manchester City que faz um gancho no Sporting e que contrata jogadores do Bahia estejam onde estiverem, joguem onde jogarem. 

O Rui Borges tudo aguenta, a tudo resiste, nunca se resignando, nunca se queixando. Dêem-lhe um canivete suíço e uma chave inglesa e ele monta uma equipa. Transforma trios de centrais em duos que parecem trios e às vezes até são trios; avança um central para o meio-campo e um jogador do meio-campo para o ataque; põe os laterais a jogar a extremos; percebe que o lateral direito que fala castelhano é o lateral direito espanhol que queriam contratar. Fazer implica convencer os jogadores a fazê-lo, mesmo sem o treinar. Se precisa de empatar, empata; se precisa de ganhar, ganha; se pode ganhar por poucos, não continua na fossanguice para ganhar por mais, como se não houvesse amanhã. 

O [eventual] problema dele será a normalidade, a monotonia do dia a dia de uma organização, os jogadores certos para os lugares [certos], o diretor desportivo sem estar de malas aviadas, o centro de treinos sem parecer as urgências do Santa Maria ou do Curry Cabral. O problema será essa normalidade e também o futuro do Bruno Lage [e, antes, do Vítor Bruno]. Com seis pontos de atraso, os treinadores do Benfica e do Porto têm feito o que podem para a criação de um mito [sportinguista]. Sem eles, [provavelmente] as circunstâncias fariam o seu [inexorável] caminho.  

[O objetivo era dizer umas coisas sobre os jogos realizados em janeiro, do Campeonato, da Taça da Liga ou da Liga dos Campeões. Esta figura do Rui Borges dá-me comichões na ponta dos dedos e não, não consigo parar de escrever sobre ele e as suas circunstâncias trágico-cómicas. Os jogos ficam para outro dia mais inspirado] 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Nova teoria das estruturas

Não fosse a inesperada (revira)volta de João Pereira para a equipa B do Sporting e não estaria aqui a escrevinhar mais umas tontices em jeito de desabafo. Digo tontices para fazer pandã e justiça ao que se tem passado nos últimos tempos no Sporting.

Recordemos sucintamente o passado recente:

Cerca de duas semanas antes da exportação do nosso activo Amorim, abalava sem sair (de momento) do sítio, o seu braço direito: Hugo Viana. Em primeira mão vos digo que a famosa estrutura de futebol do Sporting era constituída pelo exportado Amorim e o seu braço direito Hugo Viana. Como será que um braço direito contrata um treinador é algo que ainda está a ser estudado, nomeadamente, em universidades um pouco por todo o mundo, sendo igualmente alvo de análise por parte de estudiosos do oculto e escritores do insólito.

Nessa altura Amorim terá afirmado que poderia não seguir as braçadas do seu braço direito (lembrar-se-ão da suposta vaga de Guardiola?) e que, eventualmente, um dia teriam de se separar. Nessa altura fiquei alerta, não é fácil seguir caminho sem um braço direito; Blaise Cendrars fê-lo, escrevendo e vivendo praticamente toda a sua obra sem um braço, mas nesse caso o esquerdo, perdido na grande guerra. Respondendo aos jornalistas que andavam à jorna, Amorim reiterou o seu compromisso para com o grande objectivo deste ano: o bicampeonato. Compromisso esse assumido igualmente com os jogadores.

Mau… pensei. Mau, mau, Maria: reiterar compromissos soa a voto de confiança a treinador na véspera de este subir a escadaria do senado. Assim terá sido com César.

Não sei se a coisa estava ou não a ser cozinhada, nem interessa, o resultado é conhecido: a exportação do treinador da equipa que seguia em primeiro lugar só com vitórias no campeonato, com um excelente desempenho na calmeirões, caso único, digno de pertencer aos anais da história, algo que já deve estar a ser alvo da pena de Rui Miguel Tovar.

Certo é que tudo estaria pensado. Apenas se encolheu o tempo para fazer a vontade aos deuses: É aqui que entra João Pereira in progress. Diga-se que o espalhafato da apresentação do João Pereira me surpreendeu até a mim pela bazófia do presidente, com aquela comovente estória da estrutura e de que tudo vinha sendo planeado. O lume brando estava aceso. Já agora, não passou pela cabeça de ninguém da estrutura que o JP poderia entrar como interino, sem grande pressão? Não passou porque a estrutura tinha sido exportada, ficando apenas um braço direito a acenar.

Com tudo isto, o que vimos na apresentação e dias seguintes foi um JP em versão woke, parecia que tinha sido submetido à mesma terapia de choque a que foi sujeito Alex DeLarge no filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, para ficar bonzinho, domesticado e seguir a cartilha. Sucede que a cartilha tinha sido exportada e o seu braço direito já estava a caminho da bifurcação entre um burocrata das contas e um olheiro (nova estrutura).

O lume brando tem dessas coisas: vai apurando até que se tem de desligar e deixar pousar. Nessa altura, nos prémios Stromp o discurso já indicava a pancadinha nas costas, em forma de choque emocional. O voto de confiança subia a escadaria do senado.

O exportado, bem o sabemos, exportou-se a ele mesmo (deixem passar). A exportação de JP teria outro nome: chicotada. Vítima do contexto - disse o presidente, sem se rir.

Entretanto chegou Rui Borges em versão Rui Borges. Um Rui Borges que estaria no radar do braço direito da estrutura há mais de um ano. É assim a continuidade: descontínua. Tanto é que o João Pereira está de volta à casa da partida. Não tarda será exportado.

Vai ficar tudo bem.

Venha a final da taça da liga!