Um verdadeiro sportinguista, um sportinguista que se preze, sofreu a bom sofrer trágicas eliminatórias europeias. Mas as tragédias não são todas iguais, umas são mais iguais do que outras. Por exemplo, as tragédias contra o Barcelona, em 1986, ou o Real Madrid, em 1994, não são da mesma natureza das tragédias contra o Rapid de Viena, em 1995, ou o Basaksehir, ontem. Nas primeiras, à enorme desilusão associa-se o reconhecimento de bom desempenho dos jogadores e da equipa; nas segundas, nem sequer desilusão existe, existindo, isso sim, raiva, muita raiva a nascer-nos nos dentes.
Esta eliminatória, contra o Basaksehir, constitui um manual da arte de cavalgar a toda a sela do Portugal dos pequeninos, do cada um que se desenrasque, da incompetência e falta de planeamento. Depois de estarmos a ganhar por três a zero na primeira mão, resolvemos dar a bola ao adversário, recuar e meter o Doumbia, para jogarmos na retranca, tática portuguesa que consiste em colocar os mais altos e fortes em posições razoavelmente indefinidas no meio campo e na defesa, esperando que atrapalhem os adversários. Podia-se ter aprendido alguma coisa, mas, para se errar melhor, é preciso errar sempre.
Ontem, a equipa do Sporting iniciou o jogo recheada de táticas, muitas táticas. As táticas foram tantas que ainda agora não se sabe se o Sporar jogou a ponta-de-lança e qual a posição do Bolasie no campo. Plano, estratégia de jogo é que não existia ou, então, tratou-se do habitual deixa andar, deixa o tempo correr na expetativa de que o adversário esteja disposto a fazer o mesmo. Sem objetivos, sem saberem se e quando era para atacar ou defender, os jogadores não sabiam muito bem o que fazer, não conseguindo trocar a bola entre si e sucedendo-se ressaltos, passes mal feitos e constantes perdas de bola. Como diria o O'Neill, o Sporting era uma coisa em forma de assim.
Ao intervalo, o plano do deixa andar tinha cumprido o seu (habitual) destino. Esperavam-se mudanças, de jogadores, de atitude, de vontade, de táticas, de qualquer coisa, mas nada, voltando a paz dos cemitérios na segunda parte. Não dei o tempo por perdido, tendo continuado a ajudar o neto do dono do café onde vi o jogo a fazer os trabalhos de casa, tarefa a que me tinha dedicado após o segundo golo sofrido. Quase um quarto de hora depois, o Silas viu a luz e fez o óbvio ululante, tirando o Bolasie para meter o Plata, e o jogo mudou. Os jogadores passaram a dispor de um plano, marcar ao adversário. O Vietto levou tão a sério esse plano que marcou de cabeça, o que não deixa de ser uma contradição nos termos: Vietto, cabeçada e golo numa só frase não costuma fazer grande sentido, mesmo que se acrescente Acuña e centro.
Por cima na eliminatória e emocionalmente, o Silas voltou a ser o Silas e voltou a mais um tática, à tática do vamos aguentar, que tão bons resultados tinha proporcionado na primeira mão, tirando o Jovane Cabral para meter o Doumbia. A partir desse momento, instalou-se o caos, ninguém mais sabia bem qual era a sua posição - no lado esquerdo passaram tantos jogadores que nem cheguei a perceber quem era suposto ocupar aquela posição -, se atacava, se defendia. Para arriscar e marcar o terceiro golo, não foi preciso a equipa do Basaksehir partir o jogo: o Sporting encarregou-se de o fazer. Antes do canto que origina esse golo, em contra-ataque – sim, perceberam bem, em contra-ataque -, os adversários ficaram em igualdade numérica com a nossa defesa e valeu São Coates.
Antes do canto ainda, o Silas inventa mais uma tática, a tática do vamos meter mais um para a molhada, tirando o Wendell e entrando o Eduardo. Ainda há um primeiro cabeceamento a aliviar, mas a equipa não avança para pressionar a circulação da bola e obrigar a recuar os adversários e ela vai para o lado esquerdo do ataque, onde tinha ficado em desvantagem o Ristovski, para um adversário rematar pelo meio de duas dezenas de jogadores que se amontoavam na pequena área e suas imediações e à frente do Max.
Depois deste soco no estômago, com vários jogadores estafados e três tristes trincos em campo, o prolongamento servia para selar o destino. Não se pode dizer que se tenha jogado pior do que o adversário durante esse período, mas a tremedeira, o nervoso miudinho perante qualquer ataque adversário constituía o seu prenúncio e, a um minuto do fim, mau alívio, Vietto no sítio errado, à hora errada, “penalty” e fim da crónica de uma derrota anunciada.
Este jogo tinha contornos diplomáticos complexos no contexto da atual geoestratégia internacional. Pretender ganhar a eliminatória com o Ilori, o Bolasie ou Eduardo parecia exagerado e, sobretudo, desrespeitoso para com o adversário e, em particular, o Erdogan, seu adepto mais destacado. Mas talvez o que melhor explique este resultado seja esta anedota bem conhecida: “O pai leva a filha ao seu trabalho. Chegada, desata a chorar, perante a estupefação do pai e dos seus colegas. Filha, o que tens?!, pergunta-lhe o pai. Pai, onde é que estão os palhaços que dizias que trabalhavam contigo?”. No Sporting, pelo menos as crianças não têm razão para chorar.