sábado, 6 de fevereiro de 2021

(Ir)realidades

Dia passado em videoconferências e em telefonemas crescentemente aborrecidos, irritantes. Começa o jogo e encontro-me num desses telefonemas. Vou conversando e olhando para o ecrã. As imagens parecem-me distantes, irreais, incluindo o golo do Pedro Gonçalves. Acaba a conversa e tento-me concentrar no jogo. Percebo que estamos em modo “até ao pescoço é canela”. Reconheço um dos matulões que nos bateu o tempo todo no jogo da Taça de Portugal, que mais tarde voltou a sair do campo pelo seu próprio pé, não sendo expulso outra vez. 

Troca habitual de mensagens por “WhatsApp” e preparação para uma segunda parte concentradíssimo, como diria o Paulo Futre. O Paulinho tenta marcar de calcanhar e começo a ficar preocupado. Para sportinguista escaldado, qualquer sinal é sinal que não tarda o habitual balde de água fria. Nada disso, troca de bola do lado direito, com passes curtos e crescente congestionamento de adversários, saída para o centro e imediata solicitação do lateral esquerdo, o Antunes ["mas este Antunes não é o Antunes que não joga nada?"], centro para o meio e Pedro Gonçalves a encostar para o segundo golo: parecia futebol de salão.

Ligam-me outra vez. Outro assunto aborrecido, muito aborrecido. Volto a acompanhar as imagens à distância, volta a irrealidade. Sem atenção não há envolvimento e o jogo é simples sequência de imagens, com bola e jogadores. Acaba o jogo e o telefonema. Vejo o resumo e delicio-me com a beleza do primeiro golo. Aproximação do Pedro Gonçalves ao portador da bola como manobra de atração do defesa e imediata desmarcação nas suas costas, passe de trinta metros de Gonçalo Inácio para o encontro perfeito entre o Pedro Gonçalves e a bola no sítio certo, no momento certo, túnel no guarda-redes e passe para a baliza. Estética como função num só lance, fazendo-me lembrar o Poema das Coisas Belas, de António Gedeão. 

Continuo a ver televisão e a ouvir comentários. A irrealidade continua, mas não, não é da minha responsabilidade. Há um mundo irreal que rodeia o futebol. Aparentemente, por cada jogo que passa, o Sporting perde onze pontos por jogar com o Palhinha [ou oito, sei lá!]. Há uma cabala internacional da arbitragem contra o Porto. Não dizem, mas imagina-se uma coisa engendrada pelo Varandas com o apoio de serviços de inteligência, como a CIA ou o KGB. O Benfica está com os mesmos pontos do Paços de Ferreira e ninguém acredita na realidade, nesta realidade. E nós? Nós continuamos a viver este real irreal, desconfiados, resistindo à tentação do desta é que é, enquanto o Amorim explica: jogo a jogo, hoje o Paulinho, amanhã o Tiago Tomás, o Antunes, o nosso Vitorino, o herói improvável. 

8 comentários:

  1. Caro Rui,

    Continuamos assim, jogo a jogo que estamos muito bem. Depois de uma pré-época em que nem valia a pena jogar, tal a qualidade e o investimento de um dos adversários, nem estamos nada mal.

    E assim se vai andando, um dia o Porro, outro o Antunes, mais três pontos aqui e outros tantos ali. Ainda vivo na esperança que até o Neto venha a ter o seu momento de glória!

    SL

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    1. Caro João,

      É isso mesmo, cada jogo seu herói, para ninguém ficar muito convencido e a pensar que é o maior (o maior é o Amorim e mais nada), e jogo a jogo procurando andar entre os pingos da chuva sem se molhar.

      SL

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  2. o Amorim tem um discurso fantastico , para os sportinguistas e para o balneário .

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    1. Meu caro,

      Só ao Amorim é que lembraria aquele elogio ao Antunes, sobretudo nos termos em que o fez. É o onde vai um, vão, todos, agora com o Antunes a ir.

      SL

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  3. Tive a mesma ideia, o segundo de Pedro Gonçalves " parecia futebol de salão". O primeiro é uma obra de arte a começar no passe de Gonçalo Inácio. Já não é a primeira vez que vejo este puto, criado entre vacas e bois(BdC) fazer passes destes.
    Antunes em grande, João Pereira, o mesmo João(amarelo) são mestres dos miúdos. E assim Amorim construiu uma orquestra com violinistas e carregadores de piano. Malcolm Allison dizia que o Sporting não era só Oliveira , Manuel Fernandes e Jordão, era também Nogueira.
    SL

    jOÃO bALAIA

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    1. Caro João,

      Podemos não gostar muito deles ou de alguns deles, mas é a experiência e a segurança do Adan, do Coates, do Feddal e do Palhinha que permitem que os avançados como o Pedro Gonçalves joguem o que estão a jogar. É a segurança defensiva que permite que os artistas possam brilhar.

      Bom regresso do João Pereira que viu logo um amarelo para se ambientar.

      SL

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  4. E nunca mais há pagode com o Palhinha ...

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    1. Meu caro,

      Como é preciso desviar as atenções, arranjou-se este caso do Palhinha. É preciso arranjar problemas no Sporting, sempre.

      SL

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