terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A história de um jogo sem história ou o esforço de engonhar uma crónica a toda a sela

Em Portugal, um jogo não é um jogo, é o corolário de uma novela que se inicia no jogo passado e na semana passada e o interlúdio para a novela que se seguirá na próxima semana e se concluirá no próximo jogo. É uma pausa entre dois períodos, determinando o antes e o depois, que neste período de confinamento duram e duram, como se o tempo estivesse suspenso. O antes teve de tudo um pouco. Depois de uma perna e de um nariz partido, o Porto resolveu dizer basta, mandar um murro na mesa e decretar o Varandas como o dono disto tudo. Sou muito favorável a manifestações revolucionárias, a quaisquer revoluções, em particular das que se desenvolvem como no faroeste, em memória dos meus heróis de infância: Kit Carson, Daniel Boone, Buffalo Bill e Davy Crockett. O Benfica foi mais civilizado mas não menos eficaz e apresentou queixa ao Conselho de Disciplina por utilização indevida do Palhinha no “derby”.

Durante esta semana o Paços de Ferreira deixou de existir e o Benfica e o Porto teimaram em jogar contra o Sporting, quisesse ou não quisesse o Sporting. O Rúben Amorim foi avisando que jogávamos contra o Paços de Ferreira, mas, que não, que basta, que não é assim, que ninguém deixa de jogar contra o Benfica ou o Porto só porque sim, só porque o calendário não o prevê. O Benfica e o Porto jogam contra quem querem e lhes apetece e se não lhes apetece jogar contra o Boavista ou contra o Moreirense nada os pode obrigar. O Sporting manteve a sua, a de jogar contra o Paços de Ferreira, e o Porto e o Benfica mantiveram a deles, a de não jogar contra o Boavista e o Moreirense, e amigos como dantes ou inimigos, como se quiser e der mais jeito. 

Foi neste estado de nervos que se chegou ao jogo de ontem. Os jogos do Sporting ou constituem uma história de faca e alguidar, de baba e ranho ou não têm história, como se fosse um dia como qualquer outro, mais um dia no escritório. Com ou sem história, a tática é a mesma de sempre: a defesa é o melhor ataque e depois, bem, depois é deixá-los cair de maduros. Se caírem, não há história; se não caírem, a história é outra e sempre há história. Ontem era dia de não haver história e por isso [e só por isso] se continua com este parlapié enrolado, engonhando a bom engonhar, por que não sei bem o que se pode dizer sobre o jogo. 

O Paços de Ferreira joga à bola e jogando à bola está mais próximo de cair de maduro. Não foi à primeira, com um toque de calcanhar do Paulinho [o Rúben Amorim continua a dizer que ele é o melhor ponta-de-lança de Portugal e arredores e, se ele o diz, eu acredito como acreditaria se dissesse o mesmo de um bidão, de um “jerrican”], foi à segunda, de “penalty”, marcado pelo João Mário. O João Mário não só foi decisivo pelo golo como também pela forma como conseguiu adormecer o adversário e nos adormeceu. Os dribles permanentemente para trás, para ganhar espaço e tempo para passar ainda mais para trás, deixam os adversários sem saber bem onde fica a sua baliza e, por oposição, a baliza do Sporting. Inicia-se a segunda parte e, na sequência de um canto, desvio no meio pelo Feddal e o Palhinha ao segundo poste a enfiar a bola no ângulo depois de um vólei fenomenal: "game, set and match". 

Aconteceram mais coisas, seguramente, mas não me vem nenhuma à memória assim de imediato, de primeira. Pensando melhor, sim, houve substituições, entrando uns tantos e saindo outros tantos, de um lado e do outro, e, sim, também houve faltas, muitas faltas. Quando se concluiu o jogo, recebo uma das habituais mensagens de “WhatsApp”: “Este árbitro apita como respira!”. Pela primeira vez não estou de acordo com este meu amigo. Não, o árbitro não apita como respira, o árbitro respira com o apito metido na boca ou enfiou-o pela faringe abaixo e ficou a atravancar a laringe. Tudo acabou em bem e a bem e se a Câmara de Lisboa tivesse sentido das suas responsabilidades, amanhã o seu presidente estaria a receber a equipa do Sporting para a homenagear: o Benfica não foi ultrapassado pelo Paços de Ferreira e, assim, a Capital, a nossa Capital, não se viu ultrapassada pela Capital do Móvel [depois de um jogo como este que ninguém me peça para arranjar um trocadilho melhor]. 

12 comentários:

  1. Rui Monteiro
    As suas brilhantes crónicas, deixam sempre margem para todos os tipos de comentários, diria, decorrem em toda a largura do relvado.
    Foi um bom jogo, contra uma equipa muito bem organizada que sabe jogar à bola. Como diria o Freitas Lobo, a partida foi resolvida pelos detalhes. Que grande detalhe do Palhinha!
    No final, ninguém "levou com o pau", não houve cabeças partidas, nem maleolos a precisar de cirurgia. Tmbém não vimos a centena de madrecos junto ao Banco, nem Amorim entrou relvado a dentro. Ah..também não chamaram o INEM.
    Agora, vacinar os nossos rapazes, já mereceram a prioridade.
    SL

    João Balai

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    1. Caro João,

      Os nossos jogos podem ser chatos mas também não há pernas e narizes partidos. E o INEM fica à porta.

      SL

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  2. Agora até conseguimos ver meio jogo apenas de controlo de resultado bocejantemente e não com o coração nas mãos como em épocas anteriores...

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    1. Caro Rui,

      É o que diz, está a ficar aborrecido e de tão aborrecido que está que nem dá para ataques de ansiedade.

      SL

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  3. Caro Rui Monteiro
    Fartei-me de rir com a crónica. Só faltou aqui um detalhe:os comentários histéricos do Rocha da Sport TV.
    O Rocha não dava um crónica, dava um livro.
    Abraço

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    1. Meu caro,

      Não ouvi, mas ouvi muitas vezes o Rui Pedro Rocha. Aquilo não é normal. Há doenças com sintomas mais subtis.

      SL

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  4. Meu caro Rui Monteiro
    Lamento mas tenho que me insurgir contra algumas práticas desta casa. A primeira é que não sei como não encontras assunto para umas cronicazinhas a meio da semana, confinamento não induz sopitamento e enquanto não chega o livro íamos desfrutando... Também não sei porque se perde tempo com comentadores como os já referidos na página e não se atribua relevo ao mérito supremo do jornalismo analítico como o de Joaquim Rita. Opiniões abalizadas e discurso sereno (apesar de cada vez mais murcho) são peças fundamentais para a nossa compreensão do fenómeno desportivo
    Luís Silva

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    1. Caro Luís Silva,

      O trabalho atrapalha muito a nossa vida naquilo que ela tem de mais importante: ouvir os comentários do Rira, o Joaquim. Fora de brincadeiras, falta tempo para tudo.

      SL

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  5. Jogo que não se adivinhava nada fácil e muito mais difícil se poderia ter tornado, depois da reportagem sobre os Castores, passada no dia anterior na SIC, em pleno Jornal da Noite e da autoria de Nuno Luz.
    Não questionamos Nuno Luz nem o seu brilhante profissionalismo, pautado pelo rigor e isenção. Não questionamos a linha editorial dos noticiários da Sic nem dos seus programas desportivos. Não questionamos o timing nem o espaço que lhe é dedicado em horário nobre de um domingo à noite.
    É por demais conhecido o interesse dos portugueses, no retorno do investimento de cerca de dez milhões de euros, efetuado pelo Futebol Clube Paços de Ferreira em infraestruras.
    Setenta e cinco por cento da população, andava desejosa por conhecer a metodologia de treino e o segredo da brilhante época que está a efetuar o clube pacense até agora. A preocupação generalizada com o clube da capital do móvel terá sido motivo, mais que suficiente, para justificar este excelente exemplo de serviço público.
    Todos ficamos a saber a partir dessa noite, que não existem dívidas à banca e as portas do mercado estão abertas ao Eustáquio e ao Pepa. Todos também ficamos a saber que o Paços vai continuar o seu caminho assente em princípios rígidos de uma boa execução financeira, sem entrar em grandes desvarios provocados por alguma euforia momentânea. Todos, sem exceção, podemos dormir mais descansados, com a certeza de que o Paços, não será nunca um Novo Banco ou a TAP.
    Foi esta equipa, edificada numa solidez estrutural e financeira, rara nos tempos de hoje, que o Sporting quase vulgarizou no jogo de ontem. Por momentos, antevi a entrada em campo de Nuno Luz, com um cap da JOM na mona, de modo a acelerar o presumível efeito tónico, que pretendeu vir a provocar nos, jogadores pacenses, a sua reportagem. Não o conseguiu.
    O próximo jogo é em casa com o Portimonense. Fico a aguardar, com alguma ansiedade, a entrevista que deverá ter preparada a Zezé Camarinha, confesso adepto do clube algarvio e que com ele prima por ser detentor de suprema inteligência.

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    1. Muito bom, Carlos.

      Com este desempenho do Sporting, o jornalismo desportivo, admitindo que ele exista, está em profunda transformação. Não tarda nada, temos análises à culinária dos jogadores do Porto e do Benfica. O Zezé Camarinha é um excelente ângulo de abordagem ao jogo contra o Portimonense, sobretudo se o ganharmos.

      Abraço

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  6. Caro Rui,

    Depois da angústia pré-jogo, o jogo não podia ter sido mais enfadonho. O Paços, o temível Paços, cujos relatos nos falavam de cantos mais perigosos que grandes penalidades, com médios tão tecnicistas como os melhores do mundo e com jogadores especialistas na conversão de livres da forma mais incrível, ficou-se por um remate à baliza e dois ou três ao lado.

    Não sei se as defesas ganham campeonatos, mas espero que sim. Para já, no Sporting temos visto a defesa ganhar muitos jogos. Para além de deixarem os adversários à beira de um ataque de nervos, pela incapacidade de sequer fazerem cócegas ao Adán, ainda têm tempo para se armar em médios e fazer assistências ou, quando não há alternativa, até mesmo em avançados goleadores.

    Venha o Portimonense, o jogo mais importante dos importantes.

    SL,

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    1. Caro João,

      O ponto é mesmo esse. O Sporting não concede oportunidades, seja a quem for. É um pouco à custa de ter menos desenvolvimento no ataque. Como somos mais eficazes, a coisa funciona.

      Agora, resta ser campeão do próximo jogo, e do seguinte, e do seguinte, até ao final dos dias.

      SL

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