terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Entre planos e aforismos

Há quem acuse o Rúben Amorim de estar obcecado com o seu plano, o Plano A, à falta de melhor definição. Desconfio de pessoas que não têm plano nenhum ou têm tantos, mas tantos que não passam da sua cabeça, que é uma forma ilusória de não ter nenhum [se nos recordarmos do Silas, percebe-se bem]. Talvez ontem tenha ficado claro que essa obsessão é mais dos adversários do que dele. 

Para contrariar o nosso Plano A, o Benfica adotou o seu Plano B [a letra é arbitrária, querendo dizer que adotou um plano diferente do habitual], que não era bem um Plano B, mas um plano para contrariar o nosso Plano A, isto é, dispunha de um plano que funcionaria na exata medida que contrariasse o nosso. O Plano B é parecido com o nosso Plano A, mas como qualquer “pastiche” não é a mesma coisa, não se troca o original pela contrafação. Os três centrais não serviam para projetar os laterais no ataque e os laterais serviam para fechar as laterais e os laterais do Sporting. Do lado esquerdo, a obsessão foi ao ponto de terem jogado com dois laterais, Grimaldo e Cervi, tal era o receio do temível Pedro Porro. 

O Benfica não queria perder, desse por onde desse. Nós queríamos ganhar e queríamos ganhar com o Matheus Nunes em campo. O Sporting ataca com poucos e vive de recuperações de bola, de acelerações de jogo quando um jogador de meio campo fica de frente para a baliza, de passes em profundidade para as costas da defesa e das diagonais dos avançados, obrigando os centrais a correrias e deslocações permanentes para as laterais. Na primeira correria, o Jardel lesiona-se ao perseguir o endiabrado Nuno Santos e o Benfica repõe os três centrais, recuando o Weigl e metendo o Gabriel no seu lugar, tal era a preocupação em manter o Plano B ou o anti-Plano A do adversário. Mas sem mais lesões, o desgaste dos centrais continuou muito por culpa do Tiago Tomás que não parava quieto e não se intimidava [a dado momento, a forma como enfrentou o Otamendi e o olhou parecia retirada da cena do “You talkin’ to me?” ao espelho do Robert de Niro, no Taxi Driver]. 

Na primeira parte, o Benfica viveu em permanente sobressalto, mas o Sporting chegava com poucos jogadores ao ataque, amarrados como estavam os laterais. Mesmo assim, ainda deu para o Neto falhar um golo cantado [mais para a frente, para compensar, tem que se arranjar forma dele marcar um golo, pois parecia desrespeitoso para com o nosso eternos rival marcá-lo ontem] e o Otamendi cortou sem saber bem como um remate com selo de golo do Pedro Porro. Na segunda parte, o jogo ficou mais equilibrado e mais amarrado ainda. O Tiago Tomás conseguiu aparecer desmarcado do lado direito, mas em vez de insistir e de se isolar, quando o Otamendi se encontrava em modo de desespero, resolveu passar para o lado, para o Pedro Gonçalves acertar com a bola no Weigl. Enquanto isso, assistia-se a uma arbitragem cheia de providências cautelares: o Pizzi continuou inimputável quase até ao fim do jogo; o Gilberto tentou ser expulso três vezes [na última, é hilariante a forma como o árbitro ainda acaba por assinalar falta do Pedro Gonçalves]; não se esquecia do habitual amarelo ao Neto para se esquecer logo depois do amarelo ao Gabriel. 

Com a entrada do Palhinha, o Sporting trancou a defesa e o meio campo e deu mais liberdade ao Matheus Nunes, que não se parece cansar e está em todo o lado ao mesmo tempo. O Tabata entrou bem, intenso, participativo, a defender e a atacar, enquanto o Jovane entrou acabrunhado, participando pouco no ataque e tendo pouco cuidado a fechar o seu lado e a apoiar o Nuno Mendes. Faltava alguém que refrescasse verdadeiramente o ataque, que continuasse o trabalho de Tiago Tomás. O Sporting manteve a intensidade de jogo e o Benfica aguentou como pôde, decidindo substituir os dois defesas esquerdos por um só, mais espigadote, pensando que o Pedro Porro estava arrumado, erro absolutamente decisivo, como se viu pouco depois. 

Coates enfia uma bica para onde está virado, o Weigl hesita e vê-se cercado por uma praga de gafanhotos liderado pelo tal de Tabata, um brasileiro brinca-na-areia que o Rúben Amorim transformou numa arma de destruição maciça, a bola sobra para o Jovane que com uma revienga senta dois defesas e depois, bem, depois seguiu-se uma cena tantas vezes repetida esta época: bola para o segundo poste, onde acaba de chegar o Pedro Porro, domínio perfeito, simulação, transformação do rapaz espigadote em homem-estátua, bola metida para a entrada do Jovane, saída do guarda-redes em desespero a sacudir a bola para a frente e Matheus Nunes, o homem de todos os sítios e sítio nenhum, a aparecer para encostar de cabeça e ganhar o jogo. Só uma equipa como a do Sporting acredita naquela bola vadia como se não houvesse amanhã e chega com cinco jogadores à área do adversário ao fim de noventa minutos de jogo.   

Melhor do que o jogo foram os comentários na televisão logo a seguir. “Não se jogou nada, raspas”. “O jogo foi uma porcaria”. “Foi sorte, muita sorte, com golo depois dos noventa minutos”. “O Benfica tem de jogar mais”. “O Sporting, sim, e o Sporting?”. “Peço desculpa, o Sporting o quê?”. “Como é que o Sporting jogou?”. “O Sporting jogou?”. Tudo se concluiu, a bem, com um aforismo de um velho treinador: “É muito difícil prever, principalmente o futuro”. É, pois é, talvez seja preciso um plano.  

10 comentários:

  1. Brilhante!
    O Sporting ganha os jogos sempre com golos caidos do céu. Talvez mais certo seria dizer que os outros é que são anjinhos.
    Onde estava o defesa esquerdo, "futuro titular da selecção"?Onde estavam os 3 centrais?
    Os Benfas ainda tiveram sorte, se Salvador disponibiliza mais cedo o Paulinho era golos atrás de golos.
    Futuramente vai ser assim : futebool são 11 contra 11, no fim ganha o Sporting.....com golos caídos do céu, mas grandes golos.
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João,

      O Sporting tem uma equipa muito intensa que jogo o jogo até ao último minuto e não dá um lance por perdido. Imagine-se a época passada: quantos jogadores teríamos conseguido envolver naquela jogada de ataque depois de 90 minutos com aquela intensidade? Nem sequer teríamos tentado e se tentássemos chegavam lá dois jogadores no máximo.

      É normal que o Sporting marque mais para o fim do que para o princípio. O Sporting não tem jogadores que desequilibrem no ataque, como um Bruno Fernandes ou até ao Raphinha. Vive do jogo coletivo e do desgaste do adversários.

      SL

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  2. Ontem havia muita gente aziada na comunicação social, foi lindo de ver. Ganhámos porra ! :)

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    1. Meu caro,

      Há velórios mais animados. Parecia que só tinha jogado o Benfica. O Sporting também jogou e ganhou. Falem do Sporting e esqueçam por uma vez o Benfica.

      SL

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  3. Excelente! O plano é marcar depois do tempo regulamentar quando os outros já estão de gatas e cria mais azia SL

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    1. Meu caro,

      O plano é estar sempre em cima deles, pressionar o jogo todo e aproveitar todas as oportunidades. Para o fim do jogo, quando está tudo mais desgastado é mais fácil com a vantagem de não haver resposta possível. E há a azia! Nós sabemos bem o que isso é. Habituem-se também!

      SL

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  4. Caro Rui Mateus:
    O aforismo do Cajuda é fabuloso, nem o senhor de La Palice diria melhor: " é muito difícil prever, principalmente o futuro ".
    Mas, no fim do jogo, fiquei feliz a triplicar porque:

    1 - O Sporting ganhou
    2 - O benfica perdeu
    3 - O Sporting ganhou ao benfica.
    Daí o grande gozo a ouvir os " jormaleiros " e " paineleiros " das TVs, bem como, as banalidades do Rui Costa, com ares de primeiro ministro, reproduzidas por toda a comunicação social, provando à saciedade, que o benfiquistão está doente.
    Já agora, vamos ver o que o rapaz da minha terra - o Paulinho - vai fazer no Sporting.
    Eu não lhe disse há uns dias, que ele estava a fazer pressão para sair das " garras do trolha "?
    Um abraço

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    1. Meu caro,

      Disse tudo: o Sporting ganhou. Habituem-se. Quanto ao Paulinho, não só o jogador queria como a roda de negócios tem que rodar permanentemente. É desta roda que vive o Braga e não havia outra hipótese. É escusado vir cantar vitória numa negociação que, segundo o próprio, não queriam fazer por menos de 30 M€.

      Abraço,

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  5. " uma arbitragem cheia de providências cautelares " :)

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  6. Sou sincero, achei o Amorim caro, para treinador incomprovado.

    Acho o Paulinho caro para ponta de lança doméstico.

    Porém...

    Sou obrigado a dar o braço a torcer pelo Amorim, treinador, gestor do plantel e comunicador do clube de excelência. Não foi caro, afinal.

    Que o diga também do Paulinho no fim da época.

    Guia de resposta a colega de trabalho lampião:

    - preocupado com o pagamento do Paulinho? Estás preocupado com as contas do Sporting ou as do Sporting de Braga?

    - o Paulinho é caro? Caro é o Darwin, mesmo que tivesse vindo por metade.

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