A Taça da Liga merecia também um filme de Steven Soderberg. Em 2009, o vídeo não deixava margem para dúvidas: o Pedro Silva tinha dominado a bola com o peito. Seguiu-se uma rábula protagonizada pelo Lucílio Baptista e a sua equipa de arbitragem que se concluiu com um “penalty” contra o Sporting. Como se demonstrou, nenhum dos árbitros tinha efetivamente visto “penalty” algum, tendo o bandeirinha que estava mais mal colocado adivinhado que tal tinha acontecido. Havia vídeo mas, de acordo com as regras, o que valia era a mentira. Essa taça passou a ser um símbolo da mentira do futebol português.
Este fim-de-semana assistiu-se a vídeos e a mentiras, tendo, apesar de tudo, prevalecido a verdade ou, pelo menos, parte dela.
Contra o Porto, mesmo com vídeo e vídeo-árbitro, o árbitro não marcou um “penalty” escandaloso a favor do Sporting. Sem vídeo-árbitro, o árbitro não marcou o “penalty”. Com vídeo-árbitro, o árbitro continuou a não marcar o “penalty”. Um pouco mais tarde, o Porto marcou um golo. O árbitro e o fiscal-de-linha nada assinalaram. O vídeo-árbitro veio confirmar que o jogador do Porto estava fora-de-jogo, restando saber se muito se pouco. Sem vídeo e vídeo-árbitro, continuava-se com a mentira toda. Com vídeo e vídeo-árbitro, repôs-se parte da verdade.
Estranhamente estes dois lances foram equiparado, como se uma mentira fosse igual a uma verdade. A coisa foi tão longe, que ouvi um daqueles entendidos da bola que pululam na televisão a dizer que o árbitro e o vídeo-árbitro só tinham reposto a verdade no segundo lance, porque sabiam da mentira no primeiro. De repente, uma mentira passou a ser igual a uma verdade. No futebol português, está toda a gente tão habituada à mentira que a confundem com a verdade. A verdade, as duas verdades, é que foi “penalty” contra o Porto e o golo foi marcado em fora-de-jogo.
Contra o Setúbal, o árbitro não viu “penalty” nenhum. O vídeo-arbitro veio confirmar que tinha sido “penalty”. O árbitro não quis acreditar no óbvio e foi confirmar também. Demorando cerca de cinco minutos, acabou por marcar “penalty” a muito custo, tendo-se esquecido de expulsar o jogador do Setúbal. Numa das substituições, o jogador do Setúbal atirou-se para o chão e demoraram cerca de três minutos para o tirar de campo. Estes oito minutos, mais as substituições e todas as estratégias de perda de tempo do Setúbal, deram origem a uma compensação de cinco minutos. Sem vídeo e vídeo-árbitro, continuava-se com a mentira toda. Com vídeo e vídeo-árbitro, repôs-se parte da verdade, mantendo-se parte da mentira no que respeita à expulsão do jogador do Setúbal e ao tempo de compensação.
Sem vídeo e vídeo-árbitro não teríamos chegado à final. Mesmo na final, sem vídeo e vídeo-árbitro não teríamos ganhado. Não ganhou a verdade toda. Ainda se manteve uma parte da mentira. Mesmo sem a verdade toda, ganhámos. Com a verdade toda, talvez nem precisássemos da lotaria dos “penalties”. A quem é que interessa continuar com a mentira? Não me parece que seja ao Sporting.
"De repente, uma mentira passou a ser igual a uma verdade. No futebol português, está toda a gente tão habituada à mentira que a confundem com a verdade."
ResponderEliminarEm duas frases, 30 anos de Futebol Português.
Nem os famosos resumos das edições da Europa-América fariam melhor.
Um abraço
Caro Cantinho,
EliminarHoje, no Benfica contra o Belenenses, chegou-se aos sete minutos de descontos, tantos quantos os necessários. Tudo mentira, tudo verdade, mais uma vez.
SL
No final dos anos 80 (ou inícios dos 90, não me recordo), o SLB foi campeão num campeonato que o meu pai apelidou de "Campeonato da 2ª feira", em alusão aos jogos que o SLB vencia no "tempo de compensação" cedido pelos Carlos Valentes de então.
EliminarNesse tempo ainda era mais fácil, pois não era obrigatório mostrar o tempo de desconto. Basicamente (como ontem), era até marcarem. E assim foi...
SL
Mais um excelente post. Parabéns. J. Rocha. SL
ResponderEliminarObrigado J. Rocha.
EliminarMuito boa crónica.
ResponderEliminarMuito obrigado.
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