Não sou dado a pressentimentos, o
esturro chega-me sempre na sua fase calcinada. Quando Matheus Nunes rumou ao
sonho Wolverhampton Wanderers, um sonho que o próprio sonhou de véspera, já que
tempos atrás se sonhava noutro olimpo,
condescendi com a teoria da época previamente planeada, ainda o Jeremiah St.
Juste não se lesionava cada vez que se levantava da cama para o pequeno-almoço.
Entretanto, Amorim, na sua versão
economista das tardes da Júlia, encaminhava-nos para um ambiente de
incoerências sem qualquer responsável, a não ser talvez um ente divino que
manobra a vida do nosso clube com sapiência transcendental. Nestes casos
acredito sempre na ilusão que me faz vestir a camisola preparando-me para a
cerimónia.
O Sporting não se reforçou,
sejamos honestos, nem que seja por um segundo. Saiu o Sarabia para entreter as
idas à mercearia do Kylian Mbappé ou para colmatar as ausências de Neymar
quando este está em campanha pelo Bolsonaro. Saiu o Palhinha que também veio a
reboque do Braga (e nunca ninguém se queixou disso, caro Amorim); saiu o Tabata
diretamente da feira da ladra em bom saldo, e o marroquino Feddal que ainda
alguns devem recordar com saudade. O Jovane anda em convalescença espiritual em
permanente aquecimento e o Slimani rumou ao paraíso das redes sociais, em bom
francês.
As entradas foram permutas, rascunhadas
para o modelo, percebi logo isso, já as conhecia do tempo da universidade - não
esquecendo o Edwards que já cá estava, embora falando português por uma palhinha.
Ninguém achou necessário incluir mais avançados, nem pinheiros, nem arbustos
daqueles corredores que se costumam ver nos filmes de cowboys, capazes de fazer
a vez do Paulinho quando este estiver ocupado entre linhas no banco de
suplentes. E estava tudo planeado, cogitando-se mais um Pote de ouro no final
do arco-íris.
Já muito foi escrito e talvez até
falado, nas tascas, sobre a desmontagem da equipa do Sporting, mas sempre numa
perspetiva extrínseca, isto é, do adversário, sem pensar na possibilidade da
sua subversão a partir do interior e consequente decomposição em peças, mais ou
menos coladas com a saliva de cada momento. Assiste-se muito a isso na vida de
todos os dias. Pensei nisso enquanto via um documentário sobre o Gaudí e a
sagrada família de Barcelona, ainda hoje por terminar.
O modelo (actual) é um simulacro
do modelo, e como todos os
simulacros, creio que o disse Baudrillard, não se trata de um seu sucedâneo, ou
apenas de uma representação do original, mas da criação de uma ilusão, no
limite da simplificação da simulação: fingir ter o que não se tem. Por isso
todos acreditam que Amorim insiste, quando este encena, e, nesse sentido,
assume-se como um criador de imagens que ultrapassam a esfera do futebol. Acredito
que o simulacro até certo ponto precede o original.
Um bom exemplo disso são os
primeiros dois jogos da liga dos campeões. Dizem-nos que resultaram porque o
Sporting jogou contra equipas que tentaram assumir os jogos, libertando espaços,
podendo assim surpreender com transições e trocas entre os jogadores, quando o
que aconteceu foi funcionamento do simulacro em condições ótimas, permitindo
finais assombrosos: por onde andará o rei Arthur Gomes após o admirável golo
contra o Tottenham? Presumo que esteja a ser preparado para o modelo.
Qualquer alteração significativa
ao simulacro, ou melhor, qualquer interferência na simulação, seja a forma como o adversário se dispõe, não tentando desmontar
o modelo, mas simplesmente desrespeitando-o, como o fez a Santa Clara recentemente,
torna o jogo do Sporting um pastiche (um pastiche do simulacro) arrastado,
sobrevivendo de alguns rasgos individuais. Nos jogos contra o Marselha a derrocada
do Sporting não foi mais que a ingerência do fator humano no jogo, muito comum
em futebol ou noutras actividades cuja presença humana seja notória. Não foram (apenas)
os erros individuais que possibilitaram o descalabro, mas o descalabro que
pairava como uma sombra terrível, aguardando apenas que o acolhessem.
Não será por acaso que após estas
recentes ingerências etéreas no modelo (Amorim não se afasta nem um milímetro do
seu… simulacro), o jornal Record tenha publicado que o Sporting procura pelo
menos três jogadores para o mercado de Inverno; ou que tenha vindo a público o resultado
financeiro absolutamente histórico, com
lucro de 13,6 milhões nas contas da SAD, apresentado recentemente. Os
números aparecem sempre nestas ocasiões, embora por aqui pairem algumas nuvens
sobre o Clube, nomeadamente sobre o futuro
das modalidades.
Nota: deixo aqui a minha perplexidade
relativamente às assistências em Alvalade, após o anúncio com grande pompa
do record de vendas de Gamebox. Em quatro jogos para o campeonato, dois não
chegaram aos 30.000 espectadores e outros dois por pouco ultrapassaram essa barreira.
Grande parte dos detentores de gamebox pura e simplesmente não vão ao estádio,
ou estão sempre de férias, em lugar incerto. Outra perplexidade, para além dos
silêncios cada vez mais prolongados nos jogos em casa, é aquela bancada vazia
atrás de uma das balizas. Resolvam-se.