domingo, 23 de outubro de 2022

Há qualquer coisa certa que não está errada

 

Tinha começado as hostilidades com uns camarões, lerpando de seguida um bife de atum acompanhado de arroz branco e uma cebolada. Um tinto do douro ainda por ali andava quando o jogo começou e se desenrolou no âmbito do rotinado: há qualquer coisa errada que não está certa. Amorim (mais uma vez) encenava o seu modelo ao ponto de confundir os adversários (tratar-se-ia do modelo ou do seu simulacro?) e os próprios jogadores que, fazendo jus à encenação, desperdiçaram inúmeras oportunidades de golo, aliás, como tinha acontecido na primeira parte do jogo com o Chaves, por exemplo. O Casa Pia mesmo participando do simulacro foi duas vezes à baliza adversária: um golo e uma bola no ferro foi o resultado. Ficou ainda uma expulsão em banho maria, sem VAR que lhe valesse.

Na segunda parte a intensidade dramática (afinal o Sporting perdia em casa – mais concretamente em meia-casa), tinha tudo para resvalar para o abismo ou para a mais inusitada glória. Por essa altura ainda andava ali por perto uma garrafa de tinto do Douro e alguns cigarros mal apagados quando Trincão enviou uma bola ao poste, já com Chico Lamba em campo. Por momentos pensei que o simulacro levasse a melhor, mas depois com a entrada de Paulinho tudo se precipitou. Com Paulinho na frente acontece um paradoxo espantoso: a sua presença parece um equívoco no modelo (ou na sua simulação/encenação), mas ao mesmo tempo funciona com uma (hipotética?) referência lá na frente. Isto confere ao jogo ou, se quisermos, confere ao modelo, outra imprevisibilidade, principalmente para quem defende, tornando a equipa do Sporting com menos um artista em campo (Trincão) muito mais incisiva e inquietante para o adversário, tanto que em poucos minutos o resultado ficou feito, com a contribuição decisiva do tal equívoco e do sempre imprevisível e aguerrido Nuno Santos (entre outros!). Se calhar há aqui qualquer coisa certa que não está errada... mas posso estar enganado. 

 

domingo, 16 de outubro de 2022

Há qualquer coisa errada que não está certa (II)

Não sou dado a pressentimentos, o esturro chega-me sempre na sua fase calcinada. Quando Matheus Nunes rumou ao sonho Wolverhampton Wanderers, um sonho que o próprio sonhou de véspera, já que tempos atrás se sonhava noutro olimpo, condescendi com a teoria da época previamente planeada, ainda o Jeremiah St. Juste não se lesionava cada vez que se levantava da cama para o pequeno-almoço.

Entretanto, Amorim, na sua versão economista das tardes da Júlia, encaminhava-nos para um ambiente de incoerências sem qualquer responsável, a não ser talvez um ente divino que manobra a vida do nosso clube com sapiência transcendental. Nestes casos acredito sempre na ilusão que me faz vestir a camisola preparando-me para a cerimónia.

O Sporting não se reforçou, sejamos honestos, nem que seja por um segundo. Saiu o Sarabia para entreter as idas à mercearia do Kylian Mbappé ou para colmatar as ausências de Neymar quando este está em campanha pelo Bolsonaro. Saiu o Palhinha que também veio a reboque do Braga (e nunca ninguém se queixou disso, caro Amorim); saiu o Tabata diretamente da feira da ladra em bom saldo, e o marroquino Feddal que ainda alguns devem recordar com saudade. O Jovane anda em convalescença espiritual em permanente aquecimento e o Slimani rumou ao paraíso das redes sociais, em bom francês.

As entradas foram permutas, rascunhadas para o modelo, percebi logo isso, já as conhecia do tempo da universidade - não esquecendo o Edwards que já cá estava, embora falando português por uma palhinha. Ninguém achou necessário incluir mais avançados, nem pinheiros, nem arbustos daqueles corredores que se costumam ver nos filmes de cowboys, capazes de fazer a vez do Paulinho quando este estiver ocupado entre linhas no banco de suplentes. E estava tudo planeado, cogitando-se mais um Pote de ouro no final do arco-íris.

Já muito foi escrito e talvez até falado, nas tascas, sobre a desmontagem da equipa do Sporting, mas sempre numa perspetiva extrínseca, isto é, do adversário, sem pensar na possibilidade da sua subversão a partir do interior e consequente decomposição em peças, mais ou menos coladas com a saliva de cada momento. Assiste-se muito a isso na vida de todos os dias. Pensei nisso enquanto via um documentário sobre o Gaudí e a sagrada família de Barcelona, ainda hoje por terminar.

O modelo (actual) é um simulacro do modelo, e como todos os simulacros, creio que o disse Baudrillard, não se trata de um seu sucedâneo, ou apenas de uma representação do original, mas da criação de uma ilusão, no limite da simplificação da simulação: fingir ter o que não se tem. Por isso todos acreditam que Amorim insiste, quando este encena, e, nesse sentido, assume-se como um criador de imagens que ultrapassam a esfera do futebol. Acredito que o simulacro até certo ponto precede o original.

Um bom exemplo disso são os primeiros dois jogos da liga dos campeões. Dizem-nos que resultaram porque o Sporting jogou contra equipas que tentaram assumir os jogos, libertando espaços, podendo assim surpreender com transições e trocas entre os jogadores, quando o que aconteceu foi funcionamento do simulacro em condições ótimas, permitindo finais assombrosos: por onde andará o rei Arthur Gomes após o admirável golo contra o Tottenham? Presumo que esteja a ser preparado para o modelo.

Qualquer alteração significativa ao simulacro, ou melhor, qualquer interferência na simulação, seja a forma como o adversário se dispõe, não tentando desmontar o modelo, mas simplesmente desrespeitando-o, como o fez a Santa Clara recentemente, torna o jogo do Sporting um pastiche (um pastiche do simulacro) arrastado, sobrevivendo de alguns rasgos individuais. Nos jogos contra o Marselha a derrocada do Sporting não foi mais que a ingerência do fator humano no jogo, muito comum em futebol ou noutras actividades cuja presença humana seja notória. Não foram (apenas) os erros individuais que possibilitaram o descalabro, mas o descalabro que pairava como uma sombra terrível, aguardando apenas que o acolhessem.

Não será por acaso que após estas recentes ingerências etéreas no modelo (Amorim não se afasta nem um milímetro do seu… simulacro), o jornal Record tenha publicado que o Sporting procura pelo menos três jogadores para o mercado de Inverno; ou que tenha vindo a público o resultado financeiro absolutamente histórico, com lucro de 13,6 milhões nas contas da SAD, apresentado recentemente. Os números aparecem sempre nestas ocasiões, embora por aqui pairem algumas nuvens sobre o Clube, nomeadamente sobre o futuro das modalidades.

Nota: deixo aqui a minha perplexidade relativamente às assistências em Alvalade, após o anúncio com grande pompa do record de vendas de Gamebox. Em quatro jogos para o campeonato, dois não chegaram aos 30.000 espectadores e outros dois por pouco ultrapassaram essa barreira. Grande parte dos detentores de gamebox pura e simplesmente não vão ao estádio, ou estão sempre de férias, em lugar incerto. Outra perplexidade, para além dos silêncios cada vez mais prolongados nos jogos em casa, é aquela bancada vazia atrás de uma das balizas. Resolvam-se.

domingo, 21 de agosto de 2022

Há qualquer coisa errada que não está certa

 

Uns falam muito e conseguem não dizer nada – estão neste patamar alguns políticos da nossa praça; outros nada falam mas conseguem passar algumas coisas. Estão neste limiar os dirigentes do Sporting que nos últimos tempos se escondem atrás das conferências de imprensa do treinador. Amorim que ainda há pouco tempo era acusado de não ter qualificações para treinador de futebol, disserta agora sobre dinheiro e capital, gestão e empreendedorismo como se de um catedrático do IST se tratasse, ou de um avisado comentador económico nas tardes da Júlia.

Tudo isso poderia se afigurar estranho não tivesse eu andado a banhos e a whiskies velhos, peixinhos grelhados e tintos a condizer. E, nesse sentido, um pouco distraído. De volta, comecei a intrigar-me com alguns comentários de Amorim, principalmente na sua versão economista nas tardes da Júlia, não conseguindo discernir se o homem está realmente dentro de todo o processo ou se navega ao sabor dos velhos bitaites internos.  

Não sendo um fanático dos factos - ou mesmo da realidade - embora apreciador do realismo mágico, consigo serenamente olhar o homem na sua circunstância: vários titulares foram à vida (mais o Tabata) às pinguinhas (e o mercado ainda não acabou), outros entraram, mas já o ano passado a equipa parecia mais que espremida. Entrou o dinheiro da liga dos calmeirões, acrescido das vendas de jogadores, supostamente parte da reestruturação da dívida ficou concluída com reconversão das VMOC, a equipa vinha sendo preparada com antecedência, segundo os responsáveis, isto é, Amorim. Se o treinador afirma que a incoerência não é dele, será do comentador de economia das tardes da Júlia? Temo que voltemos ao tempo da visão estratégica e dos funâmbulos das contas.

Chegamos ao Dragão com passagem em Braga: três vezes na frente do marcador, três vezes nos deixamos empatar, algo nada normal durante o consulado Amorim, treinador. Mesmo descontando os erros individuais, intrínsecos a todo o ser humano, percebemos que a equipa como um todo defendeu de forma mais desorganizada. O jogo treino com o Rio-Ave serviu para a despedida de Matteus Nunes. A discussão arrebatada sobre se Amorim já sabia ou não sabia da saída de Matteus, se o timing terá sido o melhor (meu deus – a janela de mercado dura uma eternidade), são lateralidades pouco importantes numa semana com um clássico que nos poderia deixar a cinco pontos do Porto.

Amorim continuou o seu trabalho como um avisado comentador económico nas tardes da Júlia, o que lhe deve deixar pouco tempo para treinar a equipa, não sabemos. E não sabemos se existirá mais alguém no clube(?), já não digo um presidente, mas um vogal, um assistente administrativo que possa ir às tarde da Júlia, se não for para esclarecer ao menos para deixar o Amorim treinador treinar a dor como diria o Abel Xavier.

Felizmente o Hidemasa Morita ainda pesca pouco de português e não deve assistir às tardes da Júlia (agora o programa chama-se apenas Júlia, mas como passa de tarde..), e assim não sabendo da existência do comentador avisado de economia Amorim começou o jogo no Dragão com vontade de resolver aquilo com um remate tão colocado que acertou no poste. A primeira vez que o Porto foi à baliza do Sporting quase que o Taremi sacava um penalti, mas a bola sobrou para um isolado Evanilson e o árbitro já não teve de picar o ponto. A história da segunda parte mostra-nos um Sporting um pouco desorientado, até o Adán andava aos papéis, o Porro com a cabeça nas mãos acenando a um Sarabia fantasmático. 

No final não fiquei para os comentários. Novidades, já sabemos, é nas tardes da Júlia.

 

terça-feira, 17 de maio de 2022

Para o ano há mais

 

O ano acabou bem com o Rui Monteiro a ter de ir ao VAR por suposta entrada a pés juntos ao Covid. Ou vice-versa. As imagens não eram conclusivas. Felizmente a Covid estava em fora de jogo por alguns centímetros. A grande penalidade não foi assinalada para espanto de alguns, mais incautos.

O ano acabou bem para o Braga, conformado. Um quarto lugar apenas faz sentido se o Benfica for o terceiro. Caso tivesse o Sporting ficado em terceiro havia lugar para o VAR e alguns comunicados.

O ano acabou bem com o jornal A Bola e outros órgãos oficiosos a fazerem a apologia do Seixal e da formação benfiquista, inventar para quê, com tantos pontos de distância a ferida obrigava a uma pequena sutura, parecendo estarmos perante o Sporting Lisboa e Benfica. A mudança de paradigma na luz, que decerto surpreenderia Thomas S. Kuhn, é muito conforme as luzes que vão aparecendo nos sonhos ou em algumas visões noturnas, isto se ninguém ligar o quadro elétrico ou o sistema de irrigação.

O ano acabou bem para o Porto, sagrando-se campeão de futebol, embora atravessado pelo pseudo tabu do agora anjinho Conceição, e após uma ultrajante perseguição de que terá sido alvo este clube reconhecido pelo seu fair play desportivo e alimentar, onde a fruta se revela um elemento preponderante para o seu sistema digestivo.

O ano apenas acabou mal para o Sporting. Assim parece. Amorim foi o único a dizer que foi um ano negativo, pese embora a ocorrência de um pequeno milagre (sem componente religiosa) mais uma vez realizado. O Sporting fez o mesmo número de pontos do ano anterior e isto com grande parte do ano a jogar com o Paulinho como grande recuperador de jogo e o Pote com a cabeça no final do arco-íris. E com dois títulos a tiracolo. Finalmente, o segundo lugar parece-nos o primeiro dos últimos. E com alguns milhões a compor o ramalhete. Talvez para o ano o Vinagre se transforme em vinho do bom. Entre outros. Para o ano há mais.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Zaragatoas e ideias comichosas

Há poucas coisas que me mexem com as ideias. A zaragatoa é uma delas. Intromete-se nas narinas, avança, insistente, inconveniente, até fazer cócegas no hipotálamo e se instalar uma comichão de tal magnitude que nos veem as lágrimas aos olhos, de riso ou de choro, conforme as ideias importunadas. Assim se mudam as ideias (em sentido literal). A conclusão do teste, positivo ou negativo, é a simples confirmação da maior ou menor volubilidade das ideias. Sim, nem sempre somos de ideias feitas, também mudamos de ideias.

Nos últimos dias mudei de ideias. Circunstâncias da vida, obrigaram-me a fazer o teste da Covid-19. Até vi estrelas, tal foi o número de ideias (feitas) sobressaltadas. Tinha a ideia do Pepe a enfiar um pero no Coates no jogo Sporting x Porto da primeira volta, em Alvalade, sem “penalty”, nem expulsão. Tinha a ideia da expulsão do Coates após falta do Taremi seguida do seu habitual mortal encarpado no jogo da segunda volta, no Dragão. Tinha a ideia que o Sporting podia ter mais quatro pontos e o Porto menos dois. Tinha a ideia que podiam (e deviam) ter acabado com os mesmos pontos, com o Sporting campeão. 

Tinha, mas já não tenho. Tratava-se de ideias erradas, muito erradas. A zaragatoa fez-me ver estrelas ou a (sua) luz, pelo menos. A zaragatoa e as inúmeras explicações dos últimos dias. O Porto bateu o recorde de pontuação do campeonato, é a melhor equipa portuguesa de todos os tempos. O Sporting fez tantos pontos quantos os da época passada, quando foi campeão, e foi a segunda melhor equipa atrás da melhor equipa portuguesa de todos os tempos. Os portistas estão orgulhosos e nós também.

[A zaragatoa mexeu-me com as ideias, é um facto, mas não, não conseguiu mudá-las, o teste deu negativo.]

sábado, 23 de abril de 2022

Dissecar o cadáver

 

Entre a Páscoa e a Pascoela, o Sporting decidiu mortificar-nos com um relance delicioso das nossas memórias. Como a memória é curta convém notar que a Páscoa este ano foi em Abril. Já não se trata do Natal, nem do dia de reis, nem sequer do dia dos namorados, ou perto do dia do pai. Não, o Sporting em meados de Abril ainda discute (ou discutia) o título e estava nas meias-finais da taça. Esse pormenor mostra-nos que o nosso sofrimento tem tido o prolongamento que merece.  

Dois factores contribuem decisivamente para alguma da penumbra que ensombra a clarividência dos Sportinguistas: os resultados recentes e, sobretudo, a perda do seu tempo assistindo aos vários programas da bola que por aí pululam. Nestes, assistimos a verdadeiras aulas de anatomia versadas em dissecação de cadáveres. Ontem, por desleixo, enquanto esperava o filme dos Monty Python “Em Busca do Cálice Sagrado” e bebericava um último copo de um tinto encorpado do Dão, dei por mim a fazer zapping pelos milhares de canais que se dedicam ao nobre ofício da informação futeboleira.

Invariavelmente o assunto era o mesmo: ora o mau momento do Sporting, ora o caso… a novela Slimani. As teorias eram tantas e tão diversificadas que dei por mim deleitado, pensando que aquilo não eram teorias da conspiração mas sim teorias da inspiração. As participações eram fervorosas, analíticas, conhecedoras, todavia, incrivelmente vazias. O objetivo era claro: mostrar que a turbulência teria voltado ao Sporting. Devemos sempre pensar a quem isto serve.

Entretanto, e paralelemente, tenta-se salientar o (suposto) magnífico momento do Benfica, com os resultados que todos conhecemos. Do Porto, apenas maravilhas, com o seu presidente a tentar meter a foice em seara alheia. Como a memória é curta e desprovida de escrúpulos, já ninguém recorda aquele enternecedor jogo entre a B SAD (ou será be sad?) e o Benfica, ou esse longínquo FC Porto-Portimonense com que fomos (recentemente) brindados. Com a saída das máscaras, será que voltaremos ao velho normal? `


quarta-feira, 30 de março de 2022

Tenrinhos!

A Macedónia do Norte entrou a pensar ganhar a jogar para o empate. Ora, se há seleção cuja especialidade seja ganhar empatando é a portuguesa. Só com o Fernando Santos é que os tenrinhos da Macedónia acabavam por perder com dois golos de contra-ataque. Ainda há quem o queira substituir, que prefira ter razão a ganhar [sabe Deus como, mas ganhar, não interessa]. 

terça-feira, 22 de março de 2022

Forte personalidade (do ano)

Ontem, num jornal desportivo perto de si, analisava-se assim a arbitragem do árbitro Dias no jogo do Porto contra o Boavista: “Arbitragem globalmente competente em jogo intenso e com vários lances de difícil avaliação. A sua forte personalidade acabou por prejudicá-lo ao não aceitar boa indicação do VAR [de cartão vermelho para o Mbemba]”.

Embora com atraso, a nossa modernidade (tardia) implica nova linguagem e novas formas de codificação, e a bola não é, não pode ser exceção. Não, não se trata de ideologia de género [seja isso o que for] como agora se diz. Ninguém tem culpa, nem o pai, nem a mãe. Trata-se, tão-só, do filho de uma grandessíssima forte personalidade e quem sai aos seus não degenera, diz o ditado popular. 

domingo, 20 de março de 2022

O assunto é um futebol sério

 

Falar sobre futebol passou a ser um assunto. O futebol não deveria ser um assunto, apenas um jogo. Mas em Portugal (que eu me lembre) sempre foi um caso de vida ou de morte. Recordo-me bem de alguns “enterros” da equipa anteriormente campeã, com direito a desfile e tudo. Se tivermos em consideração os inúmeros casos que nas últimas décadas salpicaram o futebol porquês, percebemos que o futebol se tonou parte do cancioneiro ao mesmo tempo que do tribunal. Ser um assunto, portanto, não é de hoje. O que é de hoje é o filme que envolve o assunto. O filme e a logística. Por exemplo, ontem nem me passou pela cabeça deslocar-me a Guimarães para assistir ao jogo. Para isso precisamos de ter em dia o livrete das operações especiais undercover, com especialidade em caracterização e fuga. Não é fácil entrar naquele estádio (e noutros) sem um conjunto de habilidades e caracterização apropriada. Requer passagens anteriores por Guimarães e conhecimento da língua local. Também não é fácil sair do estádio, principalmente se estivermos na bancada dos adeptos leoninos (qualquer outra é totalmente desaconselhável, mesmo a experientes espiões). Durante o jogo a coisa também não se afigura simples, teremos sempre de ter em conta os adeptos adversários e os nossos. Fora das quatro linhas joga-se um jogo cuja linguagem é pertença de apenas uns (poucos) eleitos.

Ontem foi mais um dia de jogo, perdão, de assunto. As equipas entraram em campo e começaram a tentar jogar futebol, embora com as paragens normais nos vários apeadeiros do costume. Enquanto teve pernas para a intensidade de um jogo de futebol profissional, ainda que jogado às pinguinhas, o Vitória pareceu dividir o jogo, principalmente na primeira parte, fruto de algum desacerto (é assim que se diz?) leonino, criando assim a ilusão que estávamos perante um jogo de futebol. Na segunda parte, com a naturalidade habitual, o Sporting falhou e marcou. De repente o futebol voltou a ser um assunto qualquer que não interessa ao caso e começamos a assistir à lenga-lenga habitual de protestos dentro e fora de campo. Paragens, dentro e fora do campo. E uma carga policial, desta feita apenas fora de campo, mas dentro do estádio. A partir daí o assunto ficou cada vez menos dividido e o Sporting marcou e falhou, não necessariamente por esta ordem, demostrando algum virtuosismo no assunto em causa. O futebol é um assunto sério, ou o assunto é um futebol sério? Eis a questão.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Valha-nos Rúben Amorim e suas promessas!

Continuo a pensar o que sempre pensei sobre a Liga dos Campeões, mas começo a apreciar estes jogos a meio da semana. Não têm a emoção de um jogo contra um Varzim para a Taça de Portugal ou contra um Arouca para o campeonato, mas nem só de emoções vive um homem [ou mulher por muito que digam que são mais emotivas]. Os jogos da Liga dos Campeões são o mais parecido que se consegue arranjar de um jogo a sério. É um treino a sério e sério, um exercício com fogo real [embora não deixe de ser um treino para os mais atentos e avisados]. Depois de um jogo destes, um treinador pode ver-se despedido ou um jogador reabilitado. Também há o dinheiro [e não é pouco], uma espécie de Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] do futebol português, mas é conversa repetida, conversa gasta. 

Mas deixemo-nos de teorias e vamos aos factos, ao jogo propriamente dito contra o Manchester City, começando por sublinhar a argúcia tático-estratégica do Rúben Amorim. Ainda antes de começar, a eliminatória já estava perdida. Como estava perdida e estava [como se viu] tratámos de enfardar cinco de uma vez em casa. O facto de o termos feito em bom tempo e resolvido o que havia para resolver, permitiu-nos negociar um acordo de cessar-fogo e, assim, dividir o espólio com o adversário. Na primeira parte começámos por cumprir o acordo até que nos entusiasmámos e levámos a bola duas vezes seguidas para o ataque. O adversário ficou aborrecido [e com razão] e o vingativo Sterling foi muito desagradável com uma pessoa mais velha, com idade para ser avô dele, merecedora de mais, muito mais respeito. Valeu-nos [e valeu-lhe] o Adán que levantou o braço, segurou a bola e deu-lhe uma reprimenda das antigas. 

A segunda parte iniciou-se com uma brincadeira combinada entre as duas equipas. O adversário fingia que marcava, nós fingíamo-nos surpreendidos com os ressaltos e os passes e desmarcações, o Adán fingia que levava um frango e no final o árbitro anulava por fora de jogo. Ficava tudo na mesma mas sempre se podia dizer que a culpa [como sempre] era do árbitro [que só participa no jogo na exata medida que alguém tem de ficar com a culpa]. Às páginas tantas, o guarda-redes do Manchester City foi substituído por um senhor saído diretamente da repartição de finanças ou dos serviços municipalizados locais e foi esse senhor que demonstrou, se dúvidas ainda existissem, que o Paulinho falha sem olhar a credo, raça ou género, um verdadeiro paladino do princípio da não discriminação. Tudo acabou numa primeira bacalhauzada entre o Rúben Amorim e o Guardiola seguida de nova bacalhauzada entre o Paulinho [o único, o autêntico] e o Guardiola. 

Vou ter saudades destes jogos a meio da semana. O Rúben Amorim promete-nos que vamos regressar, para o ano. Valha-nos isso! 

quinta-feira, 3 de março de 2022

Real e sua representação ou futebol na Broadway

Para cada um de nós, a realidade, o real não existe, existindo, sim, a sua representação. O olhar pressupõe um entendimento sobre o que se vê e nem todos vêm o mesmo pois dispõem de entendimentos diferentes. Esta sobreposição entre o que se vê e o seu entendimento encontra-se bem expresso no Poema das Coisas Belas, de António Gedeão. Aqui vão uns versos:

"Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas, Mas só são coisas quando coisas percebidas, Por que direi das coisas que são belas? E belas para quê?"

"Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas, Sem precisarem de ser coisas percebidas, Para quem serão belas essas coisas? E belas, para quê?"

Ontem, o Evanilson tropeçou no Pedro Porro e caiu, aproveitando ainda para lhe enfiar uma bofetada nas fuças. O Paulinho tropeçou no Bruno Costa e caiu também. Os tropeções e as quedas são iguais, diferenciando-se uma situação da outra pelas fuças amassadas. A representação do Evanilson e a representação do Paulinho constituem uma dupla representação, a representação de dois artistas que remetem para a representação do real, sendo essa representação diferente para mim e para o árbitro Dias. Há dias, a representação do Taremi também foi diferente para mim e para o árbitro Pinheiro. Há mais dias ainda, a representação do Pepe e a queixada amassada do Coates também foram diferentes para mim e para o árbitro Almeida. 

Três jogos, dois empates e uma derrota. É mau? Podia ser melhor? Podia ser pior? Não sei nem me interessa. Representação é arte, teatro, não é desporto. Se fosse desporto, futebol, interessava, sendo arte performativa, tanto faz que seja drama ou tragicomédia, revista ou ópera, desde que seja boa e se desenrole nos sítios certos, na Broadway ou no Parque Mayer, tanto faz também.     

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Coletes e apitos: mais do(s) mesmo(s)

O jogo de ontem contra o Estoril constituiu uma lição para o Rúben Amorim, outra para o Pepe Guardiola e outra ainda para nós, sportinguistas, dados a elucubrações técnico-táticas sobre o futebol. O Rúben Amorim ficou a saber que não tem mal nenhum defender com os onze atrás da linha do meio-campo, com cinco na defesa, quatro no meio campo e um no ataque [mas a defender e a correr atrás dos adversários como se não houvesse amanhã], sempre que o inimigo é superior em número e armamento. O Pepe Guardiola ficou a saber que, depois de se estar a ganhar por três a zero, fazem-se substituições aos magotes e deixa-se o jogo andar, conforme estabelecido na Convenção de Genebra. Nós, bem, nós definitivamente ficámos a saber que, no final, ganha a melhor equipa, a que tem os melhores jogadores, e pouco interessa se joga este ou aquele ou se se joga com mais ou menos autocarro, com este ou aquele sistema tático [a melhor é a mais cara e a mais cara é a melhor porque uma coisa é a outra e vice-versa, de acordo com teoria da eficiência dos mercados]. 

O campeonato continua mais do mesmo. Continuam os coletes nos jogos do Porto. Mudam-se as cores mas não se muda a moda [dos coletes]. O futebol transformou-se em “paintball” sem armas de brincar mas com bofetadas, pontapés e jogadores aos pinotes e essa é a razão para os coletes, as cores dos coletes [no azul, não confundir coletes com capacetes]. Também continuam as notícias sobre empresas de informáticas e as suas relações comerciais com clubes de futebol [é a isto que se chama digitalização ou transformação digital]. A este propósito, tem sido inestimável o jornalismo de investigação do Porto Canal, havendo quem afirme que um dia destes também irá descobrir o Apito Dourado [ou descobrir que não é possível descobri-lo porque nunca existiu], o verdadeiro Santo Graal do jornalismo desportivo.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Há coisas que não se pedem a ninguém

Não se envia uma equipa na sexta-feira para a fronteira entre a Ucrânia e a Rússia para a mandar regressar a casa passado um par de dias para jogar à apanhada com umas borboletas de Manchester. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: o teatro de operações e as tropas de camuflado da Organização do Tratado do Atlântico Norte não se confundem com o recreio e os meninos de bibe e chapéu de palhinha do Jardim Escola João de Deus. 

Vão-se os anéis, ficam os dedos ou, por outras palavras, vão-se os resultados e as eliminatórias, fica o pilim, o graveto, o carcanhol. Se bem percebi as notícias dos últimos dias, os clubes portugueses de futebol precisam de cada vez mais dinheiro para contratar empresas de informática. Quando se trata de cibersegurança, não se brinca, não se olha a meios. Fica a dica para as empresas de telecomunicações e de media e os laboratórios de análises clínicas.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Não há nada melhor que uma boa tradição

 

Vou começar pelo fim: já tinha saudades de um espetáculo como aquele a que ontem assistimos no final do jogo entre o Porto e o Sporting. Um espetáculo verdadeiramente envolvente, com a participação de vários elementos erradamente (para alguns) considerados estranhos a um jogo de futebol.  Li algures que parecia termos voltado aos saudosos anos oitenta e noventa, como se a tradição não se tivesse mantido incólume todos estes anos naquela arena. Sucede que o Sporting nos últimos tempos tinha deixado de contar na lida daquela brava raça autóctone, e por isso mesmo a tradição ter-se-á suavizado, num sentido paternalista, condescendente, adaptado à realidade.

Na arena em causa e, desde tempos imemoriais, não se distingue a direção do clube dos grupos mais ou menos desorganizados de adeptos, ou de outros elementos inerentes à tradição. Toda a gente pode participar, seja de que maneira for. Essa tradição já terá alargado as suas fronteiras a clubes como o Canelas, cujo nome nos transporta para o âmago da sua imagem de marca.

Posto isto, voltemos ao início, onde forçosamente teria de haver um jogo de futebol. O árbitro, parte integrante da tradição, terá entrado em campo com algumas limitações, principalmente em determinado local dado a evacuações, onde não lhe caberia um feijão. Não é fácil arbitrar nessas condições. O orifício constrangido torna praticamente impossível qualquer discernimento que ponha em causa o cicerone responsável pela chave capaz de voltar a reabrir o dito cujo. Não é fácil respirar com aquilo apertado, ficando a visão toldada, incapaz de qualquer acção contrária ao pré estabelecido.

Não sendo o Sporting devidamente informado destas condições respeitantes à tradição (nem os seus adeptos, que ingenuamente compareceram em grande número), o jogo inicialmente até parecia semelhante a um jogo de futebol. Até o Porto, sem o Paulinho Santos e o Jorge Costa em campo, aparentava querer jogar à bola, embora a presença de Vítor Baía nas imediações indicasse o contrário. Neste impasse, com o árbitro ainda a respirar por uma palhinha de plástico, o Sporting marcou dois golos, o segundo verdadeiramente sublime, o que me forçou a dar uma volta inteira ao sofá em plena e desvairada corrida. O jogo de futebol, na sua aparência de jogo de futebol, terá continuado, já não me lembro bem, mas terá continuado, até deixar de continuar a ser um jogo e ser apenas algo que era parte de uma tradição.

Felizmente, a tradição trouxe-nos à terra. Não há nada mais belo que uma tradição.

Por mim era já património imaterial da animalidade. Obrigado.

 

 

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Superstições

Não me considero uma pessoa supersticiosa mas a verdade é que a melhor explicação que encontro para o visível abaixamento de forma do Sporting é a falta de diálogo sobre o tema aqui na 'Insustentável leveza de Liedson'. Assim sendo, resolvi escrever este pequeno texto para que não fiquemos a ver a importantíssima Taça da Liga por um canudo, só por ausência de textos neste blog.

E existe muito para escrever. Podia começar por falar da insustentabilidade que é andar a jogar à bola sem uma defesa quase imbatível. Ou da insustentável falta de leveza da tripla "PSP", que parece continuar a falhar golos como se ainda vivêssemos no tempo em que os adversários já se davam por contentes se o Adán fizesse mais que uma defesa no jogo inteiro (quanto mais marcar 2 ou 3 golos!). Ou será que a insustentabilidade é mais global e não podemos esperar que um plantel curto não chegue para tanto durante tanto tempo ?

Não sabemos. Aliás, não sabemos se o Rúben Amorim não terá razão quando diz que até jogamos melhor que o ano passado, mas as coisas parecem não acontecer...

Mas algumas coisas sabemos. Sabemos que a equipa não tem a crença que vai aparecer um golo aos 90+ minutos a salvar o dia. Não queremos saber, mas sabemos, que os árbitros se vão habituando ao VAR e afinal um murro do Pepe não vale tanto como um choque entre o Matheus Reis e o Galeno (ou que os pitons do Bragança são afinal muito mais violentos que os do Otamendi ou do Mbemba). Nem tanto queremos saber se o Nuno Santos é o único futebolista em Portugal que provoca o público.

Enfim, diria que passaram apenas umas semanas desde o dia 17 de novembro, quando por aqui se refletia sobre a impressionante performance da nossa seleção, e quase nada mudou. O Sporting perdeu, como vai continuar a perder (e a ganhar e a empatar), mais por demérito próprio que outra coisa qualquer. Mas o futebol Português, esse continua a não desiludir (vá, talvez a seleção desiluda um pouco). Assim sendo, resta-nos a superstição para acreditar que vai ficar tudo bem!