Vou começar pelo fim: já tinha
saudades de um espetáculo como aquele a que ontem assistimos no final do jogo entre
o Porto e o Sporting. Um espetáculo verdadeiramente envolvente, com a
participação de vários elementos erradamente (para alguns) considerados
estranhos a um jogo de futebol. Li
algures que parecia termos voltado aos saudosos anos oitenta e noventa, como se
a tradição não se tivesse mantido incólume todos estes anos naquela arena.
Sucede que o Sporting nos últimos tempos tinha deixado de contar na lida
daquela brava raça autóctone, e por isso mesmo a tradição ter-se-á suavizado,
num sentido paternalista, condescendente, adaptado à realidade.
Na arena em causa e, desde tempos
imemoriais, não se distingue a direção do clube dos grupos mais ou menos desorganizados
de adeptos, ou de outros elementos inerentes à tradição. Toda a gente pode
participar, seja de que maneira for. Essa tradição já terá alargado as suas
fronteiras a clubes como o Canelas, cujo nome nos transporta para o âmago da sua
imagem de marca.
Posto isto, voltemos ao início,
onde forçosamente teria de haver um jogo de futebol. O árbitro, parte
integrante da tradição, terá entrado em campo com algumas limitações, principalmente
em determinado local dado a evacuações, onde não lhe caberia um feijão. Não é
fácil arbitrar nessas condições. O orifício constrangido torna praticamente
impossível qualquer discernimento que ponha em causa o cicerone responsável pela
chave capaz de voltar a reabrir o dito cujo. Não é fácil respirar com aquilo
apertado, ficando a visão toldada, incapaz de qualquer acção contrária ao pré
estabelecido.
Não sendo o Sporting devidamente
informado destas condições respeitantes à tradição (nem os seus adeptos, que ingenuamente
compareceram em grande número), o jogo inicialmente até parecia semelhante a um
jogo de futebol. Até o Porto, sem o Paulinho Santos e o Jorge Costa em campo, aparentava
querer jogar à bola, embora a presença de Vítor Baía nas imediações indicasse o
contrário. Neste impasse, com o árbitro ainda a respirar por uma palhinha de
plástico, o Sporting marcou dois golos, o segundo verdadeiramente sublime, o
que me forçou a dar uma volta inteira ao sofá em plena e desvairada corrida. O jogo
de futebol, na sua aparência de jogo de futebol, terá continuado, já não me
lembro bem, mas terá continuado, até deixar de continuar a ser um jogo e ser
apenas algo que era parte de uma tradição.
Felizmente, a tradição trouxe-nos à
terra. Não há nada mais belo que uma tradição.
Por mim era já património
imaterial da animalidade. Obrigado.
Eu não diria melhor! (Se me permite o plágio ou, dizendo de outro modo, aplaudo na íntegra o seu comentário)
ResponderEliminarSaudações Leoninas
Obrigado, meu caro!
EliminarSL
Genial.
ResponderEliminarAquela parte final nem na América Latina. O desarranjo do árbitro está do melhor:
"O árbitro, parte integrante da tradição, terá entrado em campo com algumas limitações, principalmente em determinado local dado a evacuações, onde não lhe caberia um feijão"
SL
Viriato Soares
Obrigado, meu caro.
EliminarAquilo foi muito triste. Indiscritível.
SL
Subscrevo com prazer essa pertinente e merecida classificação.
ResponderEliminarA candidatura já foi enviada para a UNESCO
EliminarCaro Gabriel,
ResponderEliminarÉ bom voltar a ler de novo a sua crónica. Simplesmente brilhante!
Estou totalmente de acordo consigo. O ponto em que foca a nossa impreparação para estas lides é fundamental. Apesar do árbitro ter mostrado logo no 1º minuto as limitações com que vinha, não nos adaptámos às mesmas. Com isso, até mesmo um jogador experiente como Coates se esqueceu de mergulhar e gritar alto após ser pisado, levando a devida punição disciplinar por ter um comportamento desviante face à espécie de desporto que por ali se jogava.
SL
Obrigado, caro João
EliminarTem razão relativamente ao Coates. Somos uns anjinhos.
Ninguém nos avisou:)
SL
Gabriel
ResponderEliminarSimplesmente sublime.
Só faltou dizer que o árbitro João Pinheiro, um dos padres dos emails,tem o "dito cujo" , preso, porque o Francisco J. Marques sabe mais deles, do que as respetivas mulheres. Não foi por acaso que colocou os seus " jagunços " a apanha bolas e fazer lembrar aos fiscais de linha e árbitro as suas andanças fora da cerca....
Saudações leoninas.
Obrigado, meu caro
EliminarA tradição, afinal, ainda é o que era. E andam por aí tão preocupados com o desaparecimento de algumas tradições.
SL
Eu so tenho um problema com a repetição de um conceito de que " parece um jogo da América Latina.". Precisamente, talvez que na América Latina nao seja surpresa. O facto louco é isso precisamente acontecer em Portugal. Melhor seria deixar de complexos de superioridade. Andamos a ter provas demais que afinal a geografia da localização portuguesa esta errada.
ResponderEliminarSC
Meu caro,
EliminarA América Latina é um pedaço (gigantesco) incandescente da Península Ibérica. A tradição existe, mas não creio que deva ter espaço em qualquer geografia.
SL