domingo, 28 de março de 2021

Não basta parecer

Segundo consta, Diego Costa aguarda um parecer fiscal. Não se sabe se terá telefonado ao Cavani. Para a sua (hipotética) viagem de volta ao reino de Madrid, Cristiano Ronaldo aguarda um parecer fiscal, algo que não permita o esvoaçar de milhões, tendo em conta o sistema de tributação mais vantajoso em Itália. Não tarda nada, será necessário o quatro nível em economia para os jogadores assinarem um contrato e nós percebermos que o futebol se desenrola em paraísos cuja artificialidade não dominámos.

Entretanto, a seleção nacional ganhou ao Azerbaijão e empatou com a Sérvia, embora tenha marcado mais um golo. Aguardamos um parecer fiscal que permita a Fernando Santos treinar as ilhas Cayman e a Cristiano Ronaldo ganhar o prémio Sérgio Conceição (antes de rumar a Madrid). O calor do jogo assim o justifica.

segunda-feira, 22 de março de 2021

What a Wonderful World

Ontem, quando me sentei para escrever qualquer coisa sobre o Sporting x Guimarães, deu-me uma branca, nada me ocorreu. A felicidade não propicia estados de alma criativos. Lembrei-me de começar pelo Palhinha, considerado culpado por não pretender ser condenado sem antes lhe ter sido atribuída a culpa, após trânsito em julgado [a utilização da expressão do trânsito em julgado é bem reveladora desta falta de imaginação]. Lembrei-me da vontade do Paulo Sérgio em chegar a roupa ao pelo ao Sérgio Conceição, que esbracejava, vociferava, mas sempre com adequado distanciamento social, não fosse dar para o torto. Lembrei-me do árbitro desse Portimonense x Porto a deslocar-se ao túnel para pedir, pedir encarecidamente aos jogadores para voltar, pois ainda havia jogo para jogar. Não, nada do que me passou pela cabeça parecia ter grande interesse, depois de ter visto o que vi. 

Pensei em falar do jogo, diretamente, sem mais delongas. O jogo teve interesse. Nos últimos jogos, o Sporting parecia esgotado, sem ideias. A entrada do Daniel Bragança deixou o Tiago Tomás e o Pedro Gonçalves mais na frente e reforçou o meio-campo. Houve bola, muito mais bola no meio-campo adversário. Atrás, com o Gonçalo Inácio a fazer de Coates, a defesa não tremeu e iam-se alternando momentos de circulação da bola com passes mais diretos, verticais, em profundidade. As duas primeiras oportunidades desperdiçadas pelo Pedro Gonçalves resultaram de dois passes fenomenais do Gonçalo Inácio. Aconteceu o primeiro golo, resultado de uma jogada coletiva, que começa do lado direito, com o Porro, vem ao centro, para o Palhinha, vai à esquerda, ao Nuno Mendes, e concluiu-se com um passe perfeito do Pedro Gonçalves para a não menos perfeita desmarcação do Tiago Tomás. Bola fora, afirma o videoárbitro, perentório. Quando o Porro inicia a jogada, parece que a bola saiu pela lateral, parece. Também parece que a bola veio atrás, ao Palhinha, interrompendo-se o ataque, que só depois é retomado pelo lado contrário. Estou convencido que noutras paragens se haveria de encontrar uma narrativa, uma subalínea, uma interpretação de um documento em inglês da FIFA ou da UEFA que permitisse concluir se não o contrário pelo menos o conveniente: na dúvida o videoárbitro deixa seguir. 

Escrevo estas linhas e apetece-me apagar tudo, mas é necessário chegar ao fim. Continuo, continuo a escrever sobre o jogo. Não foi à primeira, foi à segunda. Livre, bola bombeada pelo João Mário para a área, desvio de cabeça do Tiago Tomás, novo desvio de cabeça do Palhinha e Gonçalo Inácio a encostar de cabeça também para a baliza. Fora-de-jogo, assinala o fiscal de linha e confirma o árbitro. Começam as repetições e verifica-se que não há fora-de-jogo nenhum, embora os comentadores procurem agora encontrar uma falta. O árbitro confirma o golo e os jogadores festejam três dias depois. Vai-se para o intervalo. No regresso, tudo parece ter mudado. O Daniel Bragança não parece o mesmo e o Tiago Tomás e o Pedro Gonçalves estão mais sozinhos na frente. O Sporting recua e mete trancas à porta, que é uma outra forma de dizer que o Palhinha entra em modo “take no prisoners”. O jogo chega ao fim sem que o Guimarães crie mais uma oportunidade de golo para amostra.. 

Era preciso escrever até ao fim, custasse o que custasse, para que pudesse escrever o que verdadeiramente tinha de ser escrito. O jogo acaba e vê-se Dário Essugo, um menino de dezasseis anos, a chorar, rapidamente confortado pelos seus colegas. Enviam-me por WhatsApp fotografia do Dário Essugo ainda mais menino abraçado ao João Mário, o mesmo João Mário que tinha substituído neste jogo. Veio-me uma lágrima ao canto do olho, por ele, pelo menino, mas pelo seu pai também. O Dia do Pai, o meu ou do pai do Dário Essugo, pode ser antes ou depois, quando um homem quiser, desde que se aprenda a chorar, a envelhecer envolvido numa doce melancolia. E o Rúben Amorim remata: “treinou bem, foi convocado, era o único médio que tínhamos no banco e era de um médio que precisávamos para substituir o João Mário”. Ouvia-o e era como se ouvisse Louis Armstrong: “I hear babies crying, I watch them grow/They'll learn much more, than I'll never know/And I think to myself, what a wonderful world/Yes, I think to myself, what a wonderful world”.

[Acabei de ler “Porque é que Marx Tinha Razão”, de Terry Eagleton. O autor procura desmontar uma a uma as principais críticas a Karl Marx. Desmonta o argumento do marxismo enquanto utopia, explicando, com humor, que não se espera do socialismo o fim dos acidentes de trânsito ou do mau gosto. Tenho algumas dúvidas mas uma coisa eu sei: se fosse o Rúben Amorim a escrever O Capital tenho a certeza que ou se evitaria a moda masculina das calças à boca de sino e dos sapatos altos atamancados dos anos sessenta e setenta ou, se não se evitasse, não a consideraríamos pirosa como a consideramos] 

domingo, 14 de março de 2021

Enrolando

Acontecem mais coisas durante a semana do que durante o jogo e, assim, o jogo constitui um tempo de reflexão sobre o que se passou durante a semana. Não dispondo de melhor alternativa, foi o que fiz e não dei o tempo por mal-empregado. “O Emanuel Ferro é uma fraude!”, disse-se durante a semana, mais coisa, menos coisa. É muito injusto. O Sporting contratou o Emanuel Ferro para treinador principal, dispondo de todas as habilitações e mais algumas. Tem contratados adjuntos com adequadas qualificações também. Umas vezes resulta, outras nem por isso. O Jorge Silas não foi grande coisa, o Rúben Amorim saiu melhor. O que parece desagradável é a usurpação do lugar do Ferro pelo Amorim quando estávamos em primeiro lugar [sobre esta alteração não se disse nada, zero, como se não merecesse um comunicado como mereceu o José Peseiro]. Fez-me lembrar aquela substituição do Bobby Robson pelo Carlos Queiroz, que conheceu os seus dias de glória como treinador adjunto do Alex Ferguson [segundo a imprensa indígena, sem o Queiroz, o Manchester United não teria ganhado nada, dado que o Ferguson não era dado a usar fato de treino e chuteiras e a colocar pinos durante os treinos].  

O Domingos Paciência desenvolveu um pensamento disruptivo, completamente fora da caixa, dizendo: “O Sporting não é um líder com nota dez”. O futebol necessita de novos olhares, novas perspetivas sobre a modalidade, que nos façam refletir e encontrar outros caminhos, caminhos que nos levem a outros lugares ou a lugar nenhum, não interessa, interessando a reflexão, tão-só. É necessário parar para pensar, para nos interrogarmos: é preferível ser primeiro com nota sete ou segundo com nota nove? Seguindo esta dialética, da quantificação qualificada ou da qualificação quantificada, todos os questionamentos são possíveis. No limite, o último é o último ou só o é se for o último com nota zero? O último é o que fica atrás dos demais ou é o último enquanto absoluto, quando abaixo se encontra o vazio, o nada? Este tipo de reflexão, denso e metafísico ou metafisicamente denso, foi ainda aprofundado pelo Jorge Jesus, quando afirmou que a liberdade de expressão por si só, sem liberdade intelectual, espiritual, não determina a liberdade, a liberdade enquanto absoluto também, admite-se. Percebe-se que Jorge Jesus anda a fumar Kierkegaard [mas sem inalar, que não sou de levantar falsos testemunhos], embora seja mais controversa a marca do Domingos Paciência [Hegel, Goethe ou Schelling de enrolar?]. 

Quem teve a santa paciência de ler esta crónica até aqui pode-se questionar, com razão, sobre a relação entre estes prolegómenos e o jogo contra o Tondela. Será um leitor menos atento, menos reflexivo, mas não menos merecedor de explicação. Os jogos do Sporting também se iniciam com prolegómenos de duração variável. O espetador ou o adepto pode aproveitar esse tempo variável para refletir e é a essa reflexão que nos interpela o futebol do Sporting. Não é um tempo desligado do jogo e do seu tempo, acontecendo aqui e ali um sobressalto, um cabeceamento com os olhos fechados do Tiago Tomás ou um remate que miraculosamente ressalta na perna de um defesa. Os menos preparados, mais ansiosos e precipitados, esperam alterações ao intervalo. Nada de mais errado. É preciso continuar a cansar o adversário, desalentando-o, tornando infrutífera qualquer arremetida, destruindo a imaginação de melhores futuros possíveis. 

Por volta dos sessenta minutos, o primeiro sinal: entra Daniel Bragança, saindo Nuno Santos. O miúdo Bragança é dado a atrevimentos, a rodar a bola a toda a brida, gerando perplexidades diversas no adversário depois de quase uma hora de engonha do João Mário, de deslocação permanente da bola de leste para o oeste, sem se compreender o norte ou o sul, enfim, para que lado joga o Sporting, o sentido geográfico do seu jogo. Antecipando uma revoada de outras, esta substituição pretende ser um aquecimento para o que se irá passar. Entram jogadores prováveis para lugares improváveis ou jogadores improváveis para lugares prováveis, não importa, não estranhando os mais reflexivos quando veem um Tabata a jogar a lateral direito, quando não é lateral, nem joga com o pé direito. O sistema de jogo é sempre o mesmo, mas a dinâmica muda e a mudança é tão imprevisível quanto a imprevisibilidade das substituições, sendo certo que entram sempre os mesmos, porque não há outros, e a imprevisibilidade é determinada pela improbabilidade, dos lugares ou dos jogadores. Os que ficam também ficam imprevisíveis e também não se estanha ver um Nuno Mendes transformado num lateral esquerdo que vale 70 milhões de euros mais o Cristiano Ronaldo para a troca. Entre os 73 minutos, quando entraram Tabata, Matheus Reis e Jovane Cabral, saindo João Mário, Feddal e Pedro Porro, e os 81 minutos, quando aconteceu o golo, o Mundo mudou, mudou muito, mudou muito depressa, demasiado para o Tondela.

O adepto menos preparado pode-se interrogar por que não se joga assim desde o início, a razão para tão prolongados prolegómenos. O Rúben Amorim explicou, explicou que é preciso cansar o adversário enquanto se lhe dá esperança e o faz acreditar que a tática pensada toda a semana vai resultar. A solução não é começar como se acaba, é começar a ver o jogo do fim para o princípio. Vê-se o importante e cada um vai à sua vida: quem quer continua a ver, vê; quem não quer, vai jantar [confesso, estou um pouco farto de jantar às dez e meia e de deixar uma garrafa de tinto a arejar duas horas]. Nesta última semana, a Associação Nacional de Treinadores de Futebol e alguns dos seus sócios, como Domingos Paciência e Jorge Jesus, ajudaram-nos a refletir, a questionar o adquirido. São possíveis futuros do avesso, em que a ordem, a suposta ordem natural do tempo se inverte? Este é o questionamento que vos deixo para o próximo jogo, esperando que durante a semana, um outro treinador, qualquer treinador com todas as habilitações, possa começar a enunciar a resposta.  

sexta-feira, 12 de março de 2021

Festa da espuma

 

Agora temos o caso do túnel de Famalicão. Aquilo não será bem um túnel, é mais um simulador de túnel, de tão apertado que parece. Não admira que as comadres se rocem. Em breve saber-se-á da existência de jogadores nascidos por inseminação artificial e de alienígenas no plantel profissional do Sporting, ambas as situações sujeitas a sanções consideráveis e a passagens estreitas em túneis.   

terça-feira, 9 de março de 2021

O contador de histórias

A partir da superioridade numérica fora das quatro linhas, tudo é possível. 

Com a caso Palhinha a arrastar-se para ver no que dá e o que poderá eventualmente sair dali; com o Benfica a jogar (finalmente) o triplo (capa do jornal A Bola de hoje); com o Porto a vencer sem necessitar de penaltis e felicitando a postura de derrotado do último oponente; com o Braga sem escrever qualquer comunicado sobre os seus perseguidores mais próximos, precisávamos de qualquer coisa extra, até porque o Sporting (que chatice) continua a ganhar os seus jogos. O que não estava previsto.

A coisa extra chegou-nos de supetão burocrático. A partir de uma queixa (há quem diga que foi uma participação) da Associação Nacional de Treinadores (datada de Março do ano passado - atenda-se neste pormenor), a Comissão de Instrutores da Liga (quem?) decidiu (deduziu?) avançar com uma acusação por fraude e falsas declarações ao treinador Rúben Amorim (que se calhar, afinal, não é treinador, nem na altura seria uma adjunto, não se sabe bem).

Passado todo este tempo (cerca de um ano!), alguém, a mando de alguém, decidiu esmiuçar o esmiuçável. Não seria de esmiuçar se o Sporting estivesse em terceiro a 15 pontos, nem ninguém se terá lembrado de esmiuçar, por exemplo, o Silas, ou qualquer outro passível de ser esmiuçado. Esta história andou encavalitada na estante das histórias dormentes e narrativas passíveis de utilização caso a coisa corra mal. Não será de admirar, por isso, o aparecimento de outras histórias ou narrativas, ou o achamento de extraterrestres em Alvalade, mais depressa que em Marte. O contador de histórias está lá para isso.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Dezanove segundos

[92 min e 40 s] Adán recolhe a bola e lança-a com toda a força para Jovane, que roda, flete para o meio, encara um adversário, roda para a esquerda e mete-a mais à frente no Nuno Santos, enquanto Coates, o defesa mais recuado, começa a correr e, no momento do passe do Jovane, já o tinha ultrapassado; [92 min e 49 s] Nuno Santos recebe a bola e avança a passo e Matheus Reis desata a correr como se não houvesse amanhã para dar uma linha de passe entre o lateral e o central, fazendo hesitar o primeiro e fixando o segundo; [92 min e 53 s] com essa manobra, de diversão, Nuno Santos chega próximo da esquina da grande área, Coates à entrada da pequena área e João Mário um pouco mais à direita, ao segundo poste; [92 min e 54 s] Nuno Santos centra largo para João Mário receber a bola e a dominar; [92 min e 57 s] João Mário centra tenso para a entrada da pequena área; [92 min e 59 s] Coates enfia uma cabeçada na bola e assim a enfia na baliza do Santa Clara. 

Voltando atrás, ao início do jogo. O Sporting começa mal e é o Santa Clara que chega à frente primeiro e procura condicionar a nossa saída de bola ou, quando não o consegue, recua em bloco e defende com todos. Nós, bem, nós começámos sem grande intensidade, no modo habitual de deixar cansar o adversário, de lhe oferecer o primeiro milho. Até que, após pressão alta, Palhinha recupera a bola e passa-a ao João Mário, que a mete em Tabata, que descobre um espaço impossível por onde ela passa entre os defesas, encontrando o Pedro Gonçalves em condições de a rematar de primeira, cruzado, para o primeiro golo. Esperava-se um jogo como o do Portimonense: mais uns minutos de pressão sobre a defesa e o segundo golo para se fechar o jogo. Nada, nada de nada, nem mais um remate durante a primeira parte. 

Inicia-se a segunda parte e, em alternativa, espera-se um jogo como contra o Paços de Ferreira: a abrir, um pouco mais de intensidade e o segundo golo ainda antes dos sessenta minutos. Nada, nada outra vez. O Santa Clara toma conta do jogo e o Sporting vai controlando mas sem bola. O Tiago Tomás está perdido, algures, e o Tabata e o Pedro Gonçalves tentam, mas cada tiro, cada melro. Os laterais não sobem ou se sobem não têm apoio. O Rúben Amorim tenta mudar: entra o Matheus Reis primeiro, saindo o Nuno Mendes, e depois, entram o Nuno Santos e o Bragança, saindo o Tabata e o Tiago Tomás. Percebe-se a intenção, ter a bola, trocá-la, deixar o adversário sem ela, tranquilizar a equipa, acalmar ainda mais o jogo. Mas o Santa Clara está com estrelinha e, após um ressalto nas pernas do Feddal, marca o golo do empate, no primeiro remate que se visse, quando faltam cinco minutos para o jogo acabar.

Voltando ao início, ao outro início, aos dezanove segundos, que vão da bola na mão do Adán à cabeçada do Coates. Após um contra-ataque do Santa Clara, o Sporting tem poucos, muito poucos jogadores na frente, encontrando-se a maioria atrás da linha da bola e longe da baliza. O adversário está confortável, à espera, tendo ficado sete jogadores na defesa. Não houve uma precipitação e, sim, houve circunstâncias para precipitações ao virar da esquina: Jovane podia ter insistido até perder a bola ou ter de a atrasar, Nuno Santos podia ter metido na frente, na área, quando não havia ninguém para disputar a bola. No tudo ou nada, quando o jogo se encaminhava para o fim, os jogadores suspenderam o tempo, esperaram o momento e quando o momento aconteceu não foi por acaso que havia tantos jogadores na área ou próximo dela quantos os adversários e o Coates estava no sítio certo, após correr cerca de setenta metros. 

Estrelinha? Sim. O Sporting jogou pouco, marcou e confiou na defesa, na sua capacidade de não conceder oportunidades. Talvez seja desgaste, descompressão, baixa de forma de alguns jogadores, falta de alternativas, sem o Paulinho e o Porro. Houve estrelinha, de facto, há sempre estrelinha quando se ganha no último fôlego, mas nada aconteceu por acaso no segundo golo. “Enquanto o árbitro não apita, o jogo não acaba”, disse o Coates, simples assim. Se [digo e repito se] ganharmos este campeonato temos histórias para mais vinte anos de insucessos. Nas nossas memórias ficarão para sempre estas vitórias nos últimos instantes e o Coates, um herói improvável, um género de Capitão Flint às avessas, que partilha o saque com os seus colegas, que o partilha connosco também.

[Inadvertidamente ou para corrigir a bravata do “levam cinco ou seis” da primeira mão da Taça de Portugal, o Sérgio Conceição prestou um enorme serviço ao benfiquismo desesperado. O Sporting de Braga é a equipa que melhor joga ou, traduzindo, é o melhor Benfica que se arranjou esta época. Parecendo deslegitimar a narrativa do Rúben Amorim, esta qualificação mais não faz do que a confirmar: só com o Paulo Futre é que seríamos candidatos ao título]  

sábado, 6 de março de 2021

Para acabar de vez com as vertigens

 

Há jogos assim. E este não terá sido o único. São os jogos (menos conseguidos - como agora se diz) que se podem perder, ou pelo menos não ganhar. Acontece a todos os que lutam por objetivos. A diferença está nas equipas que nesses jogos (menos conseguidos) que se podem perder ou não ganhar, não perdem, nem empatam: ganham! É claro que os jornaleiros a soldo estremecem e contam as estrelinhas no quintal. Como se o Coates não estivesse na grande área, como se o João Mário não estivesse em campo, como se aquela bola cabeceada pelo Coates fosse um produto do divino. Não foi. Nem sequer foi a mão do Maradona. A diferença está em estar lá e… não falhar. Lembram-se daquele falhanço do Bryan Ruiz? Eu sei que se lembram. Ele até estava lá mas...terá sido falta de estrelinha?

Rúben Amorim no final disse tudo: foi a pior exibição do Sporting este ano. Ou melhor, foi um jogo menos conseguido em modo tiki taka para entretidos confinados. A partir do golo, foi jogado sem balizas, pouco intenso, monótono, com alguns meiinhos de treino. Uma das equipas (a que jogava em casa) sem grandes ideias, a não ser a coesão e a união do costume, a outra equipa (a que jogava fora), esforçando-se por mostrar que vinha disputar o jogo, desconfiada (mas confiante) do desaparecimento das balizas.

As balizas reapareceram (misteriosamente) nos últimos dez a quinze minutos de jogo. Mas isso já nós sabemos: o golo do Sporting foi estrelinha e o do Santa Clara uma jogada do outro mundo, tão intencional e vistosa que o Feddal decidiu participar, de tão maravilhado que estava.

Rematando: bem que nos falta um abre-latas de vez em quando (o Rúben até falou do Futre, mas sem este alegar problemas psicológicos), e mais opões para o ataque. Com o Paulinho de molho ficamos a penar. O resto é jogo a jogo, debruçados no parapeito, a olhar as estrelas...

segunda-feira, 1 de março de 2021

A desmontagem contrariada

 

Aqui há tempos tinha escrito uma posta de pescada que começava assim: Não é como jogamos, isso toda a gente sabe, mas como pensamos, que faz a diferença. Ora releiam, por favor.

Ontem estava a tentar ver o jogo e a refletir (tinha o telemóvel, o computador, o relato, um cigarro e uma cerveja numa das mãos - a outra estava guardada para qualquer eventualidade) se as equipas se encaixavam (agora é assim que se diz quando a coisa fica enconada no tempo e no espaço) contrariadas, ou se se contrariavam encaixadas. Não é a mesma coisa. A questão da facilidade da desmontagem (revelada por Conceição) contraria um mito enraizado, muito característico dos países latinos, associado à facilidade da montagem, algo que o eminente cientista Zezé Camarinha anda a desvendar ao mundo em vários colóquios nacionais e internacionais, disponível em várias publicações da especialidade. Isto dá que pensar.

Não sabemos se uma desmontagem poderá ser contrariada de forma encaixada, ou se uma desmontagem poderá, eventualmente, ser encaixada de forma contrariada. Mas inclinamo-nos mais para esta última, tendo em conta as várias demonstrações (mais uma vez) de desportivismo dos senhores do Porto, tanto nas comunicações à imprensa, como na forma agradável de (não) cumprimentar o adversário no final do jogo. Um exemplo com seguidores imberbes.

Jogo a jogo, continua o nosso caminho para o pacemaker, perdão, para (tentar) chegar ao título.

Nota: ajudaria ter mais um avançado disponível (uma referência no ataque, como se diz por aí), para o caso do Paulinho continuar lesionado. Uma referência poderá sempre ser desmontada e, ao mesmo tempo, difícil de contrariar.