Acontecem mais coisas durante a semana do que durante o jogo e, assim, o jogo constitui um tempo de reflexão sobre o que se passou durante a semana. Não dispondo de melhor alternativa, foi o que fiz e não dei o tempo por mal-empregado. “O Emanuel Ferro é uma fraude!”, disse-se durante a semana, mais coisa, menos coisa. É muito injusto. O Sporting contratou o Emanuel Ferro para treinador principal, dispondo de todas as habilitações e mais algumas. Tem contratados adjuntos com adequadas qualificações também. Umas vezes resulta, outras nem por isso. O Jorge Silas não foi grande coisa, o Rúben Amorim saiu melhor. O que parece desagradável é a usurpação do lugar do Ferro pelo Amorim quando estávamos em primeiro lugar [sobre esta alteração não se disse nada, zero, como se não merecesse um comunicado como mereceu o José Peseiro]. Fez-me lembrar aquela substituição do Bobby Robson pelo Carlos Queiroz, que conheceu os seus dias de glória como treinador adjunto do Alex Ferguson [segundo a imprensa indígena, sem o Queiroz, o Manchester United não teria ganhado nada, dado que o Ferguson não era dado a usar fato de treino e chuteiras e a colocar pinos durante os treinos].
O Domingos Paciência desenvolveu um pensamento disruptivo, completamente fora da caixa, dizendo: “O Sporting não é um líder com nota dez”. O futebol necessita de novos olhares, novas perspetivas sobre a modalidade, que nos façam refletir e encontrar outros caminhos, caminhos que nos levem a outros lugares ou a lugar nenhum, não interessa, interessando a reflexão, tão-só. É necessário parar para pensar, para nos interrogarmos: é preferível ser primeiro com nota sete ou segundo com nota nove? Seguindo esta dialética, da quantificação qualificada ou da qualificação quantificada, todos os questionamentos são possíveis. No limite, o último é o último ou só o é se for o último com nota zero? O último é o que fica atrás dos demais ou é o último enquanto absoluto, quando abaixo se encontra o vazio, o nada? Este tipo de reflexão, denso e metafísico ou metafisicamente denso, foi ainda aprofundado pelo Jorge Jesus, quando afirmou que a liberdade de expressão por si só, sem liberdade intelectual, espiritual, não determina a liberdade, a liberdade enquanto absoluto também, admite-se. Percebe-se que Jorge Jesus anda a fumar Kierkegaard [mas sem inalar, que não sou de levantar falsos testemunhos], embora seja mais controversa a marca do Domingos Paciência [Hegel, Goethe ou Schelling de enrolar?].
Quem teve a santa paciência de ler esta crónica até aqui pode-se questionar, com razão, sobre a relação entre estes prolegómenos e o jogo contra o Tondela. Será um leitor menos atento, menos reflexivo, mas não menos merecedor de explicação. Os jogos do Sporting também se iniciam com prolegómenos de duração variável. O espetador ou o adepto pode aproveitar esse tempo variável para refletir e é a essa reflexão que nos interpela o futebol do Sporting. Não é um tempo desligado do jogo e do seu tempo, acontecendo aqui e ali um sobressalto, um cabeceamento com os olhos fechados do Tiago Tomás ou um remate que miraculosamente ressalta na perna de um defesa. Os menos preparados, mais ansiosos e precipitados, esperam alterações ao intervalo. Nada de mais errado. É preciso continuar a cansar o adversário, desalentando-o, tornando infrutífera qualquer arremetida, destruindo a imaginação de melhores futuros possíveis.
Por volta dos sessenta minutos, o primeiro sinal: entra Daniel Bragança, saindo Nuno Santos. O miúdo Bragança é dado a atrevimentos, a rodar a bola a toda a brida, gerando perplexidades diversas no adversário depois de quase uma hora de engonha do João Mário, de deslocação permanente da bola de leste para o oeste, sem se compreender o norte ou o sul, enfim, para que lado joga o Sporting, o sentido geográfico do seu jogo. Antecipando uma revoada de outras, esta substituição pretende ser um aquecimento para o que se irá passar. Entram jogadores prováveis para lugares improváveis ou jogadores improváveis para lugares prováveis, não importa, não estranhando os mais reflexivos quando veem um Tabata a jogar a lateral direito, quando não é lateral, nem joga com o pé direito. O sistema de jogo é sempre o mesmo, mas a dinâmica muda e a mudança é tão imprevisível quanto a imprevisibilidade das substituições, sendo certo que entram sempre os mesmos, porque não há outros, e a imprevisibilidade é determinada pela improbabilidade, dos lugares ou dos jogadores. Os que ficam também ficam imprevisíveis e também não se estanha ver um Nuno Mendes transformado num lateral esquerdo que vale 70 milhões de euros mais o Cristiano Ronaldo para a troca. Entre os 73 minutos, quando entraram Tabata, Matheus Reis e Jovane Cabral, saindo João Mário, Feddal e Pedro Porro, e os 81 minutos, quando aconteceu o golo, o Mundo mudou, mudou muito, mudou muito depressa, demasiado para o Tondela.
O adepto menos preparado pode-se interrogar por que não se joga assim desde o início, a razão para tão prolongados prolegómenos. O Rúben Amorim explicou, explicou que é preciso cansar o adversário enquanto se lhe dá esperança e o faz acreditar que a tática pensada toda a semana vai resultar. A solução não é começar como se acaba, é começar a ver o jogo do fim para o princípio. Vê-se o importante e cada um vai à sua vida: quem quer continua a ver, vê; quem não quer, vai jantar [confesso, estou um pouco farto de jantar às dez e meia e de deixar uma garrafa de tinto a arejar duas horas]. Nesta última semana, a Associação Nacional de Treinadores de Futebol e alguns dos seus sócios, como Domingos Paciência e Jorge Jesus, ajudaram-nos a refletir, a questionar o adquirido. São possíveis futuros do avesso, em que a ordem, a suposta ordem natural do tempo se inverte? Este é o questionamento que vos deixo para o próximo jogo, esperando que durante a semana, um outro treinador, qualquer treinador com todas as habilitações, possa começar a enunciar a resposta.
Esta excelente crónica trouxe-me à memória o sketch Monty Python do futebol dos filósofos
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=LfduUFF_i1A
Meu caro,
EliminarDe facto, também me veio à memória esse sketch dos Monty Python quando enfiei a "bucha" do Kierkegaard. As referência a Hegel, a Goethe ou a Schelling resultaram dessa epifania.
SL
Respondendo à interrogação, tenho a plena certeza de que será o “filosofastro” (foi o Schopenhauer que inventou) do Hegel.
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarCom ou sem falsos filósofos, um Schopenhauer x Hegel seria um clássico!
SL
Depois de ler de um fôlego ainda estou com a cabeça "à nora" mas não tanto como os adversários depois das substituiçóes. Que bela crónica.
ResponderEliminarSL
Meu caro,
EliminarObrigado. Ficam à nora como nós ficamos. Nem sei quem fica mais surpreendido, se nós, se eles.
SL
Soube-se hoje, que o Porto na abertura do processo, no caso dos emails, que o benfica tinha conhecimento da vida intima dos árbitros e fazia chantagem sobre os mesmos.
ResponderEliminarOra, tenho verificado que o Porto nunca fez questão em recusar os árbitros indicados nos emails, os chamados Padres. E, parece que os mesmos têm agradado - e de que maneira - ao F.C. Porto. Isto leva-me a uma simples conclusão: se o Porto sabe e prova na abertura do processo judicial, que o benfica tinha conhecimento sobre a vida intima desses árbitros, é porque o Porto também passou a ter esse conhecimento. Ora, somando dois mais dois.....percebe-se agora o campeonato ganho pelo Porto nos dois anos anteriores....isto sou a filosofar com a bola....
Meu caro,
EliminarDisse-o aqui por diversas: o Sporting não devia ter permitido jogar o campeonato depois da divulgação dos emails. O Benfica sabia o que sabia e o Porto sabia o mesmo a partir do momento que passou a dispor dos emails.
SL
Que grande crónica que acabo de ler! Muito bom mesmo. Jogos versão Tenet
ResponderEliminarMuito obrigado, meu caro.
EliminarRui Monteiro
ResponderEliminarVou ter de ler a sua crónica, outra vez,em concentração máxima. Prometo que vou ler até a letra miudinha.
Amorim parece mostrar o caminho aos adversários mas por volta dos tais sessenta minutos tira-lhes o brinquedo. Os desgraçados a arfar, com falta de ar, assistem ao inevitável: o golinho que dá os 3 pontos.
Como dizia o Conceição o esquema de jogo até é fácil de desmontar....mas ou o Pote, ou o TT, ou o capitão Coates, desmontam a desmontagem.
É lidar. Lá para o final do campeonato o Paciência sobe a nota.
SL
jOÃO bALAIA
Caro João,
EliminarQuando não vai pelo tédio vai pela enxurrada. A partir das substituições e, sobretudo, a partir da entrada do Bragança a velocidade de circulação da bola passa a ser outra, passa a ser vertiginosa e o adversário deixa de ter pernas.
SL
Esta sofística domingueira teve dois milénios e meio, é aquela mesma que assemelha conhecimento a sensação.
ResponderEliminarJá dizia Protágoras que o homem (de preferência, o sofista, cicuta para os outros) é a medida de todas as coisas: dos futebóis que têm qualidade e são agradáveis à vista, bem como dos que evocam sensasões desagradáveis ou, quiçá, merecem desqualificação. Golos que entrassem meio metro adentro da baliza, porém em descarado benefício de um futebol desqualificado, eram logo fur[fru]tados à nascença. O dragão, afinal, tinha asas!
Daí que os futebóis são tal e qual conforme aparecem, a olhos sofismáticos. E se, por obra dos deuses que "spawn"aram o dragão, os leões em campo se engalanassem com o emblema do FCP e envergassem a camisola azul e branca, então certamente que mereceriam os maiores encómios e qualificações.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEntretanto, TAD dá razão ao Sporting no caso Palhinha.
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarCom outra cor das camisolas e estava vendido este exemplo para o Mundo, havendo referências ao Seixal e a Gaia. Como é o Sporting e Alcochete, a coisa não é a mesma e a nota é mais baixa. Coisas de cor e de geografia.
Esta do TAD também é divertida. Por isso, se o Palhinha não coloca um providência cautelar teríamos o homem a cumprir pena sem ter sido condenado. Não sei que nota se possa dar a isso, a não ser a nota de que o futebol não deve viver fora do estado de direito português.
SL
HILARIANTE! Ontem quando ouvi o Pinto da Costa, a falar do doping do Alarcón, pensei: ou está a gozar explicando o passaporte biológico para Totós, ou está senil. Como não está senil, deve, mais uma vez, estar a fazer a gente de parva. Antes dele falar sobre este assunto deveria saber o que é um passaporte biológico de um atleta e o seu funcionamento. Mas não ficou por aqui a imbecilidade: agora copia a direção do benfica quando foi buscar os " Cristianos Ronaldos " da advocacia. Para este caso do doping, o Pinto da Costa foi buscar um " Messi da advocacia a Espanha ". HILARIANTE!!!
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