domingo, 17 de janeiro de 2021

O engodo das couves

 

Não é como jogamos, isso toda a gente sabe, mas como pensamos, que faz a diferença. Os adversários estudam os vários planos (se forem realmente estudiosos), as combinações (se se derem a esse trabalho), a dinâmica, mas não conhecem e não podem dominar o nosso pensamento (por vezes, nem sequer pressentem a existência do dito). Pensar não é o mesmo que ter uma ideia, ou até várias. O pensamento é uma entidade raríssima que, em doses bem medidas, juntando-se a algum talento, à disciplina, ao treino, sendo mesmo um dos interlocutores privilegiados daquilo a que hoje futebolisticamente se denomina (com uma certa pompa), de intensidade, poderá formar uma espécie de Isomax, desafiando assim os limites da rigidez elástica.

Tinha começado assim esta posta, para tentar compreender o jogo do Sporting com o Rio-Ave, mas depois percebi que, com Rúben Amorim, o pensamento penetra mais fundo, em áreas remotas, onde apenas os mais devotos conhecem os segredos do universo da bola. Mesmo sem carta de condução para naves espaciais, Rúben percebe como poucos o lema do Sporting: falhar, falhar sempre, falhar cada vez melhor, adaptando-o com uma nuance: falhar apenas um pouco, falhar um pouco melhor, para poder (quem sabe?) ganhar. Trata-se de um engodo arriscado, mas genial. E estou a falar muito a sério!

Com sete minutos de jogo já Gonçalo Prata vestia um cartão amarelo, incompreensível até para o cartilheiro comentador. Já agora, todos: os comentadores a soldo, a arbitragem, a pressão dos adversários, os pasquins detratores, os sportinguistas (muitos, sem dúvida alguma), gravitam em torno desse misticismo da iminente derrota, do falhanço cósmico, como numa espécie de maldição inevitável.

No final da primeira parte (e com o Borja em jogo) o Sporting ganhava um a zero e podia ter dilatado a vantagem. O engodo seguiu o seu curso, materializando-se num golo do adversário desenhado por uma espécie de equipa B do Sporting (estranho jogar contra a nossa equipa B – dizia uma mensagem de um amigo), aproximando-nos assim do abismo cósmico previsto. Não aconteceu? Aconteceu, mas apenas pela metade. O Sporting não perdeu, empatou um jogo que poderia ter ganho e que, segundo alguns, era indispensável ganhar, porque a seguir havia um clássico. E depois jogava o Braga. Isto é: o calendário pendurado na parede.

A falhar um pouco, empatados, esperamos pelo clássico onde (sem se rir) JJ disse mais tarde que não sabia o resultado (a paródia do costume) do Sporting (esperaria outra coisa, certamente). Do empate no clássico apenas saíram vencedores: o Benfica que ganhou (mais uma vez JJ) empatando, o Porto que empatou ganhando, ou perdendo, nas palavras de Conceição, várias oportunidades (nenhuma de estar calado). O jogo, pelo resumo, foi a confusão do costume, não se sabendo nada (ainda) de túneis. Os melhores são assim: rotineiros.

O Braga terá ficado no conforto cósmico da confinação dos empatas, sem saber do engodo de Rúben. Em Paços de Ferreira também havia jogo, mas apenas por acaso. A genialidade de Carvalhal, agora com aquele remate técnico na calvície, cavalgou a ilusão fantástica do futebol inglês, mas com pronúncia acentuada do Minho, sita em Braga. Uma mensagem de um amigo meu do Boavista esclareceu: têm de vender os Hortas, sempre que é para passar o Benfas mandam a bola para as couves.

Para as couves: um bom título para o nosso futebol.

Entretanto, continuámos em primeiro. Com a distância possível (segundo se diz por aí).

6 comentários:

  1. Por favor não parem de escrever. Foi aqui que carpi as minhas mágoas, após o empate. A nossa azia assim até passa mais rápido.
    SL

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  2. Caro Gabriel,

    É isto mesmo. A única forma de ganhar o campeonato é contar com a bazófia dos adversários. Empatámos e fomos dados como irremediavelmente perdidos, não contamos para o campeonato.

    Depois do clássico, ficámos a saber que o Benfica já ganhou.
    O JJ diz que ainda não se concentram com a bola parada mas com a bola em andamento estão concentradíssimos. O Conceição diz que o JJ não sabe o que diz porque quem ganhou foi o Porto. Não estou de acordo com ele: em pancadaria, foi a isso que se jogou, o Benfica esteve melhor do que a equipa de jogo do pau de Bucos, que conheço há muito.

    Quanto ao Braga e ao seu plantel extensíssimo, profundo e qualificado ninguém ouviu dizer nada. Continuam sem eficácia e assim o Carvalhal vai passeando o seu estranho tufo capilar. Havia de ser connosco e não parava a conversa no próximo mês e meio (com forte enfase no sistema capilar que, estranhamente, o Rúben Amorim quer deixar crescer para se parecer com um treinador português de nível IV).

    Feitas as contas, continuamos na frente, nenhum adversário recuperou terreno e um deles ainda perdeu mais algum. Pode ser que com esta bazófia se esqueçam de nós, nos deem como perdidos. Acho que é nisto que aposta o Rúben Amorim.

    Abraço

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    1. Caro Rui,

      Feitas as contas, aqui estamos. Jogo a jogo, um olho no burro e outro no...(não se pode dizer agora...)

      Um abraço

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  3. Caro Gabriel (e Rui),

    Obrigado pelas análises lúcidas aos jogos do fim-de-semana.

    Ao contrário do Rui tive o azar de ver o jogo todo do Sporting e ainda ver a maior parte do Porto-Benfica.

    Fiquei com a sensação que não fossem jogos do mesmo desporto, quanto mais do mesmo campeonato. O que num lado era visto pelos comentadores como uma incapacidade de transformar posse de bola em oportunidades, do outro lado era visto como uma exibição brilhante (apesar das oportunidades terem sido mais ou menos as mesmas). A exibição que deixou um treinador infeliz, deixou outro a rejubilar de alegria (e no mesmo jogo que acabou empatado, um acha que ganhou e outro acha que perdeu). As regras então nem falar. O que num jogo dava para distribuir cartões amarelos desde o minuto 6, no outro... bem no outro valia tudo. Ainda pensei que pudesse ser o critério do árbitro, que fosse daqueles que deixa jogar e quer proteger o jogo dos cartões, mas depois lembrei-me do Famalicão-Sporting. Não deve ser isso.

    Assim sendo resta-me a conclusão do Gabriel. Só pode ser o engodo das couves.

    SL

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    1. Meu caro,

      É isso mesmo. É o engodo do Rúben, misturado com o engodo das couves. Temos de seguir em frente, com geada as couves ficam tenrinhas...

      SL

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