domingo, 31 de outubro de 2021

A culpa disto tudo é de Rúben Amorim

 

Esta foi uma semana interessante: o Presidente da República em directo de um multibanco; o ex-presidente do Benfica em passeata de Ferrari no Gerês, a banhos nas termas; o chumbo do orçamento, meio caminho andado para eleições antecipadas; os combustíveis pela hora da morte; tudo culminando num sábado com os três grandes a jogarem em sequência, com os resultados que se conhecem.

Em abono da verdade a culpa disto tudo é de Rúben Amorim. Existe um a.R. e um d.R. Um antes de Rúben e um depois de Rúben. Antes de Rúben vivíamos na mística do falhar, falhar cada vez melhor, falhar sempre. Depois de Rúben, se não for um grande jogo, que ganhe o Sporting, e onde vai um vão todos. Todos? Todos, menos o Paulinho, dirão alguns, menos atentos.

De facto, o Paulinho parece tomado pela velha máxima do Sporting, falhar, falhar cada vez melhor, falhar (quase) sempre! Mas, na realidade, o Paulinho é um agente infiltrado, treinado não para matador, mas para dissimulador, forçando o adversário a cometer erros e a abrir espaços. Semear a incerteza é semear o pânico.

Como diz o Vítor Manuel, ninguém ganha sozinho, e assim sendo, o Paulinho não falha sozinho, falha para a equipa, em suma, falha para um bem maior. Ainda ontem, num canal televisivo com nome de jornal desportivo, Vítor Manuel destacava a importância de Paulinho no preenchimento de espaços, nas transições (tudo menos a marcação de golos) e nas bolas paradas, de que o golo de Coates é um exemplo, pois a bola é cabeceada ao primeiro poste por Paulinho, não em direcção à baliza, mas para um espaço onde supostamente aparecerá alguém que não falhe. Esse alguém, ultimamente é Coates, ele próprio um dissimulador, por excelência.

Quando não falha o Paulinho, falha o Matheus Nunes a fazer de Paulinho. Um destes dias falhará inesperadamente Coates, em prol de outro movimento que permitirá um golo de pontapé de moinho a Adán. Entretanto, o que era inesperado (golos de Coates na sequência de um canto) tornam-se uma repetição facilmente desmontada, mais uma vez, por todos os adversários. Ontem isso aconteceu mais uma vez. Antes do jogo, já o Pepa mostrava o lance do golo a uns incrédulos jogadores do Vitória. Qualquer semelhança com a realidade é da responsabilidade de Rúben Amorim.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Prefiro os Flintstones

Depois de ter escrito o que escrevi sobre o jogo do Besiktas, estava dispensado de escrever o que quer que fosse sobre o jogo do Moreirense. Estabelecida a lei-geral é só esperar que se aplique em cada caso em concreto. O problema está em estabelecer essa lei-geral e duas observações não chegam. Há dimensões epistemológicas nas táticas do Rúben Amorim que remetem para potenciais contradições, como, por exemplo, a criação do universo a partir de um único momento fundador, o Big Bang, e o conceito axiológico do antes, fundador de qualquer movimento filosófico que se preze. Por outras palavras, o Rúben Amorim é um discípulo da Escola de Frankfurt, um Habermas do pontapé para a frente [e sem fé em Deus].

Todos viram e só preciso de me repetir em parte. Coates, o nosso ponta-de-lança, continuou escondido a central, enquanto aquele que parece o nosso ponta-de-lança, Paulinho, continuou a parecer e, assim, a fazer de contas que é [e fá-lo tão completamente e convictamente que às vezes até ele acredita que o é]. No momento certo [num canto, por outras palavras] lá apareceu o Coates para o golo da ordem e a vitória do costume. Antes e depois, o Paulinho foi falhando, umas vezes desmarcando-se bem e dominando mal, outras desmarcando-se e dominando bem e rematando mal. Houve falhanços para todos os gostos e, assim, se pode dizer que ele não sabe o que é falhar [quem sabe falhar costuma falhar consistentemente, sempre da mesma maneira]. 

Ontem, para a Taça da Liga, tudo mudou [e quando digo tudo, digo mesmo tudo-tudo]. Escondido, recuado ou avançado, não importa, não só deixámos de ter ponta-de-lança como deixámos de ter alguém que fizesse de ponta-de-lança também. Baralhámos completamente o Famalicão mas não menos baralhados ficaram os nossos jogadores [que os adversários não saibam quem é o nosso ponta-de-lança é uma coisa, outra coisa é os nossos jogadores não saberem também]. Valeu-nos o Ugarte. Está cá há pouco tempo e, por isso, ainda está completamente baralhado, independentemente de jogarem [ou não] o Coates e o Paulinho. 

O jogo ameaçava ser chato, chato mesmo e aí, aí sim, percebemos a razão para existirem árbitros sobretudo quando não existem vídeo-árbitros. Um jogo que podia acabar em goleada, acabou sofrido com uma vitória tangencial: tanto se jogava com o pé como com a mão, os fora-de-jogo (não) eram assinalados como se houvesse vídeo-árbitro para corrigir a (não) decisão, os amarelos apareciam e desapareciam sem ninguém perceber se estavam escondidos na manga ou havia outro truque qualquer. Foi um regresso ao passado, um passado pelo qual muitos suspiram. Passado por passado prefiro os Flintstones. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ponta-de-lança que é e não parece e outro que parece mas não é

Sem o envolvimento emocional de um jogo contra Os Belenenses, para a Taça de Portugal, ou o Vizela, para o campeonato, o jogo de ontem para a Liga dos Campeões [Champions League, para os entendidos] presta-se a reflexão aprofundada, a abordagens mais analíticas. O Rúben Amorim tinha deixado uma ou outra pista, nomeadamente quando afirmava que a colocação de um qualquer lateral a central, como o Esgaio, conferia dinâmica diferente à equipa e ao seu jogo coletivo. Devia ter suspeitado, a relação entre categorização dos jogadores e a sua função e localização no terreno de jogo pode ser mediata, indireta. 

Contra o Besiktas, tornou-se evidente este tipo de relação e suas consequências no desenho tático da equipa. O Sporting não joga com três centrais, é um facto. Joga com dois centrais e um ponta-de-lança. Porque é que esta autêntica revolução na forma como se organiza uma equipa não se tornou visível há muito, muito mais tempo? Porque o ponta-de-lança também joga bem a central, tão bem que até parece um central. Não imaginamos o Cristiano Ronaldo a jogar no lugar do Pepe e a fazer de Cristiano Ronaldo na mesma, marcando e voltando a marcar. Nem todos os jogadores dispõem da completude de um Coates, nem todos podem ser predestinados. 

Para que esta tática apanhe de surpresa o adversário, há requisitos a cumprir. O aparente ponta-de-lança pode não ser um ponta-de-lança mas tem de parecer ou, de outra forma, um Guardiola ou um Klopp percebem o engodo e dirão para os seus botões: “com que então, o Rúben [sim, eles tratam-no com esta familiaridade] a disfarçar o ponta-de-lança de central?!” O Paulinho cumpre às mil maravilhas esse papel. Nós conhecemos um Missé-Missé, um Peter Houtman ou um Purović só pela cor ou pelo aroma, bastando para tal rodar ligeiramente o cálice enquanto com as mãos à sua volta o vamos procurando aquecer. Não somos como outros, que só sabem destrinçar um branco de um tinto, sabemos também o ano de colheita ou o sabor da Touriga Nacional, da Tinta Roriz ou de outras castas internacionais, como o Chardonnay, o Cabernet Sauvignon ou o Merlot. 

O Paulinho não é ponta-de-lança mas podia ser, como ontem teve a oportunidade de demonstrar [quem marca o golo que marcou, como quem bebe uma mini e come um prato de tremoços, podia ser]. Não, não é um nabo de um ponta-de-lança ou um nabo de um ponta-de-lança com azar, como ouvi dizer. É um jogador que faz de ponta-de-lança sem o ser porque se o fosse estava a jogar a central, como o Coates e ninguém saberia o que fazer ao Coates. Recuar tanto o ponta-de-lança levanta questões práticas quando se trata de marcar golos. Quanto mais longe se está da baliza mais tempo se demora a lá chegar. Nos primeiros momentos, quando as forças abundam, os adversários não permitem que o nosso ponta-de-lança se adiante. Pouco a pouco, vamos chegando mais e mais à frente, até aparecerem os cantos e cada um deles se transformar num “touchdown”. 

[Vamos acabar com a crónica que se faz tarde. Ganhámos quatro a um ao Besiktas e embolsámos 2,8 milhões de euros. Era preferível receber o dinheiro sem jogar, para nós e para o Besiktas. É todos os anos o mesmo: estabelece-se quem vai aos oitavos, aos quartos, às meias e à final e obrigam-se todos os outros a jogar as pré-eliminatórias e a fase de grupos como se não soubessem de nada]

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Futebol de várzea e gordos à baliza

Voltámos a jogar contra o Arouca, anos e anos após o nosso Presidente da altura ter sido acusado de cuspir no seu Presidente, quando apenas expeliu uma baforada que nem de fumo foi mas de vapor de água, dando origem a uma das discussões públicas mais profícuas sobre um tema que nos interessa a todos, independentemente da clubite ou sequer da longitude ou da latitude, o da transição climática ou da descarbonização. Embora sem despertar o mesmo interesse do ponto de vista da nossa organização social e da nossa vida em sociedade, também houve uma época em que o Lito Vidigal, treinador do Arouca, entrou em campo para empurrar um central do Sporting, gerando um chinfrim e um salsifré danados. Sem as baforadas de fumo ou de vapor de água ou as entradas dos seus treinadores em campo para arrear nos jogadores adversários, o Arouca é o Arouca e os jogos contra o Arouca são os jogos contra o Arouca [não confundir os jogos contra o Arouca com os jogos contra o Portimonense e, muito menos, destes com os jogos contra o Barcelona do Koeman]. 

Sem estes acontecimentos e os correspondentes penduricalhos narrativos, não se pede a ninguém para escrever uma crónica de um jogo como este, um jogo a que os brasileiros costumam designar de futebol de várzea [o equivalente à nossa Liga dos Último, programa televisivo de boa-memória]. O Rúben Amorim procurou explicar-nos o sentido, a razão para assistir ao que se assistimos, sem dar parte de fracos e admitir que a equipa não aguentava um gato pelo rabo. Não, os centrais estavam de boa saúde, ele é que teve a ideia [genial] de jogar com dois laterais no lugar de dois centrais para alterar a dinâmica da equipa, para que os laterais feitos centrais corressem atrás dos felinos atacantes do Arouca [viu-se essa capacidade do Esgaio no golo do Arouca]. Acabámos por jogar com um central e quatro laterais, dois à direita e dois à esquerda. É bizarro? Não, com esta simetria longitudinal, não. Seria de jogássemos com quatro de um lado e nenhum do outro ou três de um lado e um do outro.

Enquanto o Vinagre continuar no psiquiatra, há necessidade de meter o Nuno Santos a lateral esquerdo [ou muito me engano ou já não sai de lá] e de rearranjar o meio-campo e o ataque. O Matheus Nunes foi para o ataque, para o lugar que costuma ocupar o Nuno Santos, e entrou o Daniel Bragança para o meio campo, para o lugar do Matheus Nunes. Com quatro esquerdinos a atacar – Nuno Santos, Bragança, Sarabia e Paulinho –, parecíamos a equipa de futsal do Nuno Dias. Cerca dos quinze minutos, estes esquerdinos fizeram das suas [das deles, salvo seja] e o Matheus Nunes fez o primeiro golo. Esperava-se o segundo para acabar com o jogo [há quem diga que só depois do terceiro é que se pode descansar] mas o Sarabia é um pouco como o Paulinho: está sempre a um bocadinho pequenininho de marcar golo, sendo certo que a responsabilidade de um extremo não é a mesma da de um avançado-centro ou ponta-de-lança. 

Na segunda parte, nem entrámos mal no jogo, mas um canto a nosso favor originou uma correria como se não houvesse amanhã de um avançado do Arouca, concluída com um centro para o cabeceamento de um avançado e grande defesa do Ádan, mas, azar dos azares, a bola sobra para outro jogador do Arouca que remata à meia-volta e faz o empate [nunca tive problemas em ir a um dentista brasileiro ou a um médico espanhol no centro de saúde, mas estava longe de imaginar que a escassez de avançados levasse o Arouca a contratar um palestiniano]. As coisas estavam a ficar feias, muito feias, mas no futebol de várzea é sempre o gordo que vai à baliza e vai à baliza não por ser guarda-redes mas por ser gordo e jogar ainda pior noutra posição onde se tenha de mexer mais. Percebendo isso, os nossos esquerdinos fizeram as reviengas do costume e o Nuno Santos enfiou um remate de fora da área fazendo com que a bola tabelasse no gordo, perdão, no guarda-redes e acabasse dentro da baliza.

O Arouca queria mas não podia e nós nem queríamos nem podíamos. O Rúben Amorim ainda tentou refrescar o ataque mas o Jovane Cabral, o Tiago Tomás e o Tábata não fizeram uma jogada de jeito para amostra, tendo que entrar o Ugarte para segurar o meio-campo e evitar males maiores [como disse, não tenho problemas de nacionalidades, estranho um palestiniano, para logo entranhar um uruguaio]. Ganhámos e somámos mais três pontos, naquela lógica do jogo a jogo. O Paulo Sérgio não foi de modas e acertou com um pinheiro no Jesus [não confundir com o Pinheiro, que esse arbitrou o nosso jogo] e estamos em segundo lugar a um ponto do primeiro.