quarta-feira, 26 de junho de 2019

O Ministério da Verdade

Para compreender as histórias e narrativas que nos rodeiam e não enlouquecer, é sempre bom regressar um e outra vez ao George Orwell e ao seu 1984. O personagem trabalha na permanente reescrita da história. Se o Ministério da Riqueza estima a produção de 145 milhões de pares de botas e só se produzem 62 milhões, é necessário reduzir a estimativa inicial para 57 milhões para que a habitual narrativa da superação dos objetivos possa continuar. Esta reescrita pressupõe uma reedição do jornal oficial, sendo retirados e destruídos os exemplares da edição inicial. Em nome da verdade, essa reescrita distancia a verdade, estando tão próximos dela os 57, os 62 ou os 145 milhões. No papel, produzem-se milhões e milhões de pares de botas apesar da população continuar descalça. 

A história produz naturalmente os seus mitos, reais e, sobretudo, imaginários. Anunciou-se que foi atribuída uma ordem de mérito a um camarada do partido que, mais tarde, caíra em desgraça por razões que se desconhecem, que tanto pode ser corrupção, incompetência, popularidade ou heresia, embora a hipótese mais plausível tenha sido a necessidade da purga como mecanismo indispensável da governação. A reescrita pura e simples obriga a um trabalho insano, envolvendo reedições e destruição de edições anteriores e de arquivos. A forma mais simples de apagar a história acaba por ser a criação de um novo herói perecido em combate ao qual se exaltam a pureza e a coerência da sua vida, toda dedicada ao cumprimento do seu dever de derrotar o inimigo e perseguir os espiões e sabotadores, sendo abstémio, não fumador e celibatário. 

Na comunicação social, em geral, e na desportiva, em particular, o processo não é, hoje, muito diferente. Não sendo possível reeditar o passado e destruir as versões originais, constrói-se e reconstrói-se o presente e o futuro de forma a assegurar a sua coerência com esse passado.

Recentemente, o Benfica renovou com o Sálvio e o Jonas, prolongando os tempos de contrato e aumentando os salários diretos e indiretos (incluindo, eventuais prémios de assinatura e outros). Por uma razão ou por outra, estes jogadores pouco contam para o Bruno Lage e para a forma como pretende que jogue a sua equipa. Nada que não aconteça a todos. Muito recentemente, o Sporting dispensou o Nani e o Montero que eram dois dos principais ídolos dos adeptos. Mas no Benfica estas coisas não podem ser tão simples assim. Se assim fossem, ter-se-ia que admitir que as renovações não foram decisões adequadas. 

A reescrita da história pressupõe um sem número de personagens picarescas. A mãe do Sálvio que chora baba e ranho para que o seu filho represente o Boca Juniors e a mulher que se desnuda para despedida dos portugueses (com muita pena minha, esta afirmação é de ouvir dizer). O Sálvio afinal regressa porque quer acabar a sua carreira no Benfica, constituindo um reforço (?) como disse um comentador habitual. Noticia-se que o Jonas quer acabar a carreira porque lhe doem as costas, como se as costas não lhe doessem quando renovou o contrato e passou a ser o jogador mais bem pago. O Jonas não disse nada, mas juram-nos que está a chegar para nos comunicar essa sua decisão, preparando-se o clima emocional para a despedida dos benfiquistas. O Jonas, presciente do seu fim, liderou o balneário no apoio ao Bruno Lage e ao João Félix, abraçando o miúdo e incentivando-o a fazer mais e melhor. 

Ontem, ouvi estas histórias a um jornalista da TVI. O à vontade como as contava e o orgulho que manifestava por partilhar estas (in)confidências com os maiores da futebolândia nacional contrastam com a progressiva consciencialização do personagem do Orwell. Este totalitarismo tem efeitos. Tem efeitos nos adeptos das equipas adversários, que, por emulação, também gostavam de dispor de uma direção Big Brother que tudo controla e nunca se engana e raramente tem dúvidas. Mas os principais efeitos são nos adeptos do Benfica, como se comprova nos comentários aos nossos “post”. O ser humano é dado a histórias (com agá minúsculo), não sendo por acaso que o “marketing” recorre cada vez mais a elas para nos convencer e para nos identificarmos. As notícias como narrativas dispensam-nos de pensar pela própria cabeça e procurar outras narrativas que se contraponham à narrativa oficial. Winston, personagem do Orwell, não teve um final feliz, como terá, de uma forma ou de outra, o Jonas ou o Sálvio (ou como amanhã terão outros), porque “Big Brother was watching him”.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Defendam-se do defeso


A memória é curta, mas não de peixe. Todos os anos é a mesma coisa, com a exceção do anterior, que ainda foi pior, tornando o defeso do Sporting num penálti à PanenKa convertido na própria baliza. Ali pelo final do campeonato, acolá pela final da taça, começam os anúncios (formais, informais, quase oficiais, oficiosos) de transferências, hipotéticas, encenadas, surreais, factuais, não tarda nada factuais, assim-assim, tudo bem embrulhado para a venda de jornais e programas televisivos que funcionam como verdadeiros centros de emprego para (a)gentes do futebol. Tudo somado: bola, como diria JJ.

Ainda a festa andava na rua e já se vislumbravam vendas e compras. No final da taça, ficaria tudo definido para Bruno Fernandes, no final da liga das nações, o mais tardar, antes de ir de férias, não faltava mais nada, depois das férias, o seu destino será obviamente conhecido. Do Félix, nem tanto, a coisa estava planeada para acontecer mesmo não acontecendo, ou acontecendo à priori de ter acontecido, uma transferência envolta naquele nevoeiro tão querido a D. Sebastião. Outras transferências vão acontecendo às pinguinhas, diariamente relatadas como se de golos se tratassem, dissecadas na sua inexistência cruel.

O defeso, assim chamado por desplante, dura um terço de um campeonato, estende-se, distende-se, alarga-se, e a procissão ainda nem chegou ao adro. Os Ingleses ainda nem sequer começaram as hostilidades e ninguém sabe bem como que linhas se coserá lá para Setembro. Slimani deixou-nos assim num final de Agosto. Até lá tudo é possível. Inclusivamente o Félix ir para o Atlético de Massamá. Não há nenhum? Bom, se há um real deve existir um atlético qualquer em Massamá.  

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Ele que se adapte!

Vi jogar o João Félix quatro vezes. Em Alvalade, para o campeonato, fez um bom jogo, mas o Benfica coletivamente foi-nos superior e o que nos surpreendeu não foi este ou aquele jogador em particular. Para a Taça de Portugal, na Luz, a exibição não foi tão bem conseguida e sobrou o que o foi caracterizando durante esta época: os tiques de vedeta e a forma desleal como procurava rebolar-se pelo campo ao mais pequeno toque. Em Alvalade, na segunda mão, não esteve bem, como a restantes equipa, tendo sido substituído pelo Jonas na fase decisiva do jogo. Mais recentemente, pela seleção, chegou ser penoso vê-lo jogar contra a Suíça. Pareceu-me um bom jogador, mas com muito para aprender e desenvolver, em termos táticos e físicos. 

Quando despontou o Renato Sanches, fiquei com idêntica impressão. Muita força, muita vontade, mas também muitas faltas e muitos lapsos táticos. O rapaz rapidamente se transformou no melhor do mundo e arredores e acabou por ser convocado para a seleção e contratado pelo Bayern de Munique. Passou as últimas três épocas sem “calçar”, como se costuma dizer. 

Enquanto tomava café no Flávio, li um artigo de um jornalista de “A Bola”. Afirmava que o Bruno Fernandes dispunha de condições para ser titular em qualquer uma das equipas que, aparentemente, o pretende contratar. Quanto ao João Félix, as dúvidas adensavam-se. Não estava em causa a superior capacidade do jogador e o seu valor de 120 milhões de euros. É tudo um problema de adaptação e, em particular, de adaptação ao Simeone que prefere homens de barba rija. Na sua cabeça, há bons que se adaptam e há bons que não se adaptam. Não lhe passou pela cabeça perguntar-se se o jogador é assim tão bom como o pintaram, porque razão é que não se irá adaptar? Não é condição para se ser tão bom assim a capacidade de se adaptar? 

Os que tecerem os mais rasgados elogios ao Renato Sanches continuam a dizer que se trata de um problema de adaptação a uma equipa e a um clube idiossincráticos. Com o João Félix começam a pôr as barbas de molho. O rapaz ainda não deu um pontapé na bola pelo Atlético de Madrid e já está com eventuais problemas de adaptação. Ainda estou para ver o dia em que um destes jornalistas admita que as suas afirmações sobre um qualquer jogador tenham sido manifestamente exageradas ou, pelo menos, não dispunha de elementos que lhe permitissem afirmar o que afirmou. Nunca se trata de um problema de rigor jornalístico ou de idolatraria. É sempre a adaptação, a malfadada adaptação.

terça-feira, 18 de junho de 2019

A economia política das transferências

Sempre procurei ensinar que as empresas como qualquer outro tipo de organização não têm se não um objetivo: satisfazer as necessidades atuais e potenciais dos seus clientes ou utentes. O lucro ou os resultados não são um fim em si mesmos, são uma pré-condição da existência e uma forma de medir a consecução desse objetivo maior. Não se sobrevive a acumular resultados líquidos negativos e quanto mais e melhor se satisfazem as necessidades mais lucrativas se tornam as atividades económicas. O que importa, sempre, é a função social de uma empresa ou de uma organização, isto é, o contributo para a sociedade no seu conjunto. Evidentemente, esta definição ou este entendimento não é meu, resultando de reflexão de Peter Drucker, que, aliás, passou uma parte importante da sua vida ao estudo das instituições sem fins lucrativos. 

Não me acompanha exclusivamente Peter Drucker. Citando o insuspeito economista Papa Bento XVI, na sua encíclica “Caridade na Verdade”, o lucro não é um fim em si mesmo. O lucro tem que ser legítimo e legitimado do ponto de vista social. Isto é, o lucro é um instrumento para o desenvolvimento, assumido numa perspetiva humanista como o desenvolvimento de todos e de cada um. Desse ponto de vista, devem existir múltiplos modelos jurídicos e económicos de empresas que permitam acabar com a separação, que cada vez tem menos sentido, entre as que visam o lucro e as que o não visam. Não se está a falar de terceiro sector. Está-se a constatar uma ampla e complexa realidade, que envolve o público e o privado e que não exclui o lucro, antes o considera como instrumento para realizar finalidades humanas e sociais.

Infelizmente, o Mundo não funciona assim. A transposição do axioma da maximização do lucro das empresas da síntese neoclássica para a realidade veio legitimar todas as práticas assentes no objetivo de criação de valor para os acionistas. Não nos espanta que as empresas comprem as suas próprias ações ou distribuam dividendos generosos pelos acionistas enquanto aumenta a sua alavancagem. O objetivo deixou de ser o que devia e passou a ser uma outra coisa qualquer. Se há lucro e acionistas bem remunerados pelo capital investido, o objetivo está cumprido e os meios pouco importam. 

Um clube de futebol serve para constituir equipas e disputar campeonatos, oferecendo aos seus sócios e adeptos espetáculos desportivos. Este é o seu objetivo e o que determina a função social que o legitima. Vender e comprar jogadores é instrumental, serve o propósito de constituir melhores e mais competitivas equipas que possam proporcionar melhores espetáculos e ganhar mais títulos. Hoje, vender e comprar jogadores transformou-se num fim em si mesmo. Os jogos e os títulos só servem para os valorizar. Os valores das transferências sobem ano após ano e o recorde de um ano serve o simples propósito de sinalizar este “mercado” quanto à referência a ultrapassar no ano seguinte. Existe, cada vez mais, uma desproporção entre estes valores e as expetativas de ganhos dos clubes de futebol na realização da sua função social. Constituiu-se um esquema de Ponzi que durará enquanto a circulação de dinheiro o permitir e não se inverterem as expetativas sobre o crescimento do valor dos jogadores. 

O fetichismo da mercadoria de Karl Marx assume novos contornos. A mercadoria, enquanto entidade, despareceu e o dinheiro transformou-se na própria mercadoria. O dinheiro deixou de ser uma forma de facilitar a troca. Não existe relação entre o dinheiro, a produção de mercadoria e a realização de dinheiro, num ciclo mais ou menos virtuoso que permite a sua autorreprodução. O dinheiro gera dinheiro e tão só. 

Os adeptos passaram a festejar transferências como quem festeja golos, vitórias e títulos. Continuando a armar-me em culto, o que nos diz Gilles Lipovetsky é que não são as marcas que procuram dar resposta às identidades, são as próprias pessoas que precisam das marcas para construírem as suas identidades, não as conseguindo construir por si próprias. A nossa marca, o nosso clube, somos nós, seja no que for. O nosso clube devia servir para nos identificar enquanto adepto ou sócio. Serve cada vez menos. Serve para nos dispensar de dispor de identidades em cada uma das nossas outras dimensões. Ser do Sporting, do Benfica ou do Porto, dispensa-nos de ser mais o que quer que seja. É a era do vazio.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Como um discurso do 10 de junho

Foi pena a final da Liga das Nações não se realizar no dia seguinte – 10 de junho – o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Dificilmente se arranjaria um outro evento que melhor evidenciasse a psicossociologia de povo português, admitindo que exista uma e distintiva da dos restantes povos. A portugalidade exalta-se pelo labirinto, da saudade, nas palavras de Eduardo Lourenço, ou das pernas e jogadores em todo o campo, na tática do Fernando Santos. O império ou as vitórias europeias são sempre obtidas pela forma como se procura acertar no alvo sem nunca se dar a ideia que se tem esse propósito ou, sequer, propósito algum (não confundir com despropósito). 

A Holanda até entrou em campo disposta a jogar futebol, mas a forma embaralhada como o Fernando Santos dispôs os jogadores no meio-campo rapidamente os desanimou. Uma primeira leitura da disposição dos jogadores em campo poderia levar-nos a considerar que estávamos a jogar em 4x3x3. Mas como o Guedes, embora extremo, passou mais tempo de olho no Raphael Guerreiro, também permitia vislumbrar um 4x4x2. Como o Danilo parecia mais fixo no meio, em alguns momentos parecia estar-se em presença de um 4x1x3x2. Como o Bernardo Silva recuava, também se passava para o 4x1x4x1. Se nós, portugueses, habituados como estamos a ver jogar a seleção nacional, não conseguimos compreender o que vemos e acreditamos pela fé, não é possível para os secularizados holandeses darem conta de um recado que o seu espírito não entende. 

Não se pode afirmar que o Fernando Santos não tenha uma tática, não tem é uma estratégia. A tática é a de jogar em função da necessidade de anular os pontos fortes do adversário, que tanto podem ser individuais como coletivos. Os jogadores são dispostos em campo, uns em marcações individuais, para impedir o jogo de um ou outro dos melhores da equipa contrária, outros em marcações à zona, para ocuparem um determinado espaço relevante para o adversário e darem uma ajuda à defesa, em especial aos laterais. Esta teia gera ensarilhamento de jogadores, de pernas e de ressaltos que leva à desistência de qualquer espírito analítico. 

O ataque não é uma função organizativa autónoma. É o que sobra deste ensarilhamento. Por vezes, recupera-se a bola e não se a perde em seguida. É o momento de avançar. Avançar pressupõe um pontapé para a frente ou uma corrida de alguém como se não houvesse amanhã. Cada um está entregue a si próprio e tem de se desenrascar, aquilo que o português faz melhor. O desenrascanço confunde-se com o acaso mas não é. É uma filosofia de vida que o Fernando Santos mobiliza, mobilizando em todos e cada um dos jogadores aquilo que é da sua natureza e da natureza dos portugueses. 

O desenrascanço parece improviso mas também não é. É filho do desespero, da solução de último recurso. É correr porque não se tem a quem passar. É chutar quando não se tem outro remédio. E o golo nasce da forma como o Bernardo se desfez da bola para acudir ao chamamento da mãe para lanchar e da incapacidade do Guedes de estabelecer a relação espaço-tempo de Einstein adequada ao necessário passe para o Ronaldo, vendo-se na contingência de rematar à baliza e surpreendendo o defesa e o guarda-redes. De repente, o Cillessen tinha-se transformado no Vlachodimos e estava encontrada mais uma razão para se fazer uma reportagem sobre o Benfica. 

Ganhámos e, no futebol, ganhar aos outros é tudo: o melhor é o que vence. Na vida, temos de nos vencer, na ignorância, no preconceito, na falta de responsabilidade. Derrotarmo-nos no que temos de pior é vencer. Mas não nos vencemos porque existem eles, os outros, os que não nos deixam. Enquanto isso sempre nos podemos considerar os melhores enquanto o futebol nos permitir essa ilusão.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Liga das nações do futsal


Não quero parecer bruto para não ser expulso desta crónica, mas o futsal começa a ter alguns pormenores dignos do mais fino quilate do futebol de onze, talvez porque o Sporting vai no tricampeonato e é campeão europeu. Será? O jogo de ontem foi mais uma demonstração da religiosidade que impera no desporto, onde a devoção ao senhor padre nos recorda que devemos, devotamente, rezar.  Ou enviar uns e-mails.

O Fernandinho fez toda a escola da provocação (parece que com um estágio de final de curso nas antigas Antas), Robinho para lá caminha e Miguel Ângelo já demonstrou todo o potencial do seu murro como cortesia a Cardinal (um alegado Super-Dragão) no jogo anterior. Este mundo anda louco. Ontem, Dieguinho (este inho é do Sporting), foi expulso por supostamente agredir com a respiração Robinho, após este ter-lhe acariciado o corpo com a sua benesse habitual. Dieguinho foi para a rua. Robinho ficou para melhorar o seu potencial de se atirar para a piscina após amputação de um ou de dois membros a sangue frio. Para o ano estará no City, certamente.

Logo no início do jogo percebemos que um grupo de sócios e adeptos organizados do Benfica não estava, como é normal, apenas atrás de uma das balizas, ocupando uma das laterais imediatas. Resultado? Para além dos cânticos do costume, paragens sistemáticas (bem calculadas) do jogo através do lançamento de objectos (os comentadores diziam que eram cartolinas) para a quadra. Não interessa aqui a manufactura e a qualidade dos materiais mas a interrupção constante do jogo com o beneplácito dos senhores do apito, reconhecendo-se, porém, a envergadura artística de alguns desses objectos.

Após o jogo parece que alguns adeptos não organizados do Benfica seguiram a comitiva sportinguista do Sporting até Alvalade, provavelmente para os aplaudir pela sua grande prestação neste e nos jogos anteriores. Fica aqui a nossa saudação. E seguimos todos para ver o Félix partir tudo na televisão. Como é habitual, aliás. Obrigado.

sábado, 8 de junho de 2019

Propaganda


O século XIX foi o século dos jornais. Os jornais (entre outras plataformas – é assim que se diz agora) foram, e ainda são, uma oportunidade para o manejo da opinião pública. Nada disto é novo.

A semana passada, o Liverpool marcou um golo logo no primeiro minuto de grande penalidade. Ninguém teve dúvidas relativamente à bola cortada com o braço, um lance na esquina da grande área. Uma semana antes, Herrera tinha ajeitado a bola com o braço antes de servir condignamente Soares para o primeiro golo do Porto. À exceção de alguns jogadores do Sporting, ninguém viu o lance (ver ensaio sobre a cegueira de José Saramago). Comentadores televisivos incluídos. Diz que nem o Herrera sentiu a bola no braço, num caso de dormência ainda não devidamente estudado. O facto de o lance não ser na esquina da grande área deve ter feito toda a diferença.

Em sequência da recondução de Abel no banco do Braga, Salvador teve que dar uns retoques nas suas últimas afirmações sobre uma alegada péssima recta final de campeonato, entre outras péssimas rectas mais ou menos intermédias e algumas curvas mal engendradas. A culpa, obviamente, é do Sporting.

O jornal record de 02/06/19, num cantinho da capa cujo naming há muito foi adjudicado ao Benfica, mostrava um Salvador sentado numa poltrona com a legenda “Sporting foi beneficiado todo o ano”. A capa foi-me enviada por um amigo (supostamente) do Braga. Respondi: o silêncio sobre o Benfica e o Porto é esclarecedor. Ele enviou-me o PDF do jornal. Lá dentro, de facto, a poltrona falava de outros clubes mas o destaque (da poltrona e do Jornal) era sempre dado a um Sporting levado ao colo, não se sabe bem por quem, talvez por Mustafá e Carvalho. O jornal, tanto na chamada de capa como no título interior expunha a imagem da poltrona e de Salvador, mas as referências eram sempre direcionadas para o Sporting. Interessante, mas nada de novo.

Nada de novo, numa semana em que as capas dos jornais desportivos (e não só) anunciavam que a seleção nacional iria ser Félix no jogo contra a Suíça. Com feito, tivemos alguma Félixidade e, sobretudo, muito Ronaldo. Mas o que salta à vista desarmada foi a forma estruturada como quase todos os meios de comunicação anunciaram o advento Félix e a forma como este abana a cabeleira para não tapar as borbulhas. O que se passou depois, bem, isso pouco importa e o Rui conta-nos a história tim tim por tim tim, o importante é controlar a agenda mediática, controlando assim a opinião pública, o resto se não aconteceu podia ter acontecido. Ou aconteceu mesmo, mas nós não estávamos atentos.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Um paralelogramo aos trambolhões no relvado

Ver um jogo da seleção nacional tem dois propósitos: tentar perceber o que se passa na cabeça do Fernando Santos e apreciar o Cristiano Ronaldo. Sem ser estimulante, o primeiro é especialmente divertido. O Fernando Santos como os que lhe precederam, tem o único objetivo de meter o Rossio na Betesga. Como é da praxe, convoca duas dezenas de jogadores e inicia-se o suplício de meter uns tantos a jogar sem beliscar egos ou colocar em causa os necessários equilíbrios entre clubes e potenciais valorizações dos futebolistas. 

Na defesa, quatro das cinco posições estão ocupadas por usucapião. Na lateral direita, existem quatro alternativas. O Cédric Soares defende melhor mas ataca pior. O Nelson Semedo, o João Cancelo e o Ricardo Pereira atacam melhor do que defende. Dos três, o Nelson Semedo é o que tem estado pior e, assim, não se estranhou que não defendesse nem atacasse, distinguindo-se pelo “penalty” que originou o empate. 

Os problemas começam do meio-campo para a frente. A necessidade de meter o João Félix transformou um “puzzle” de quinhentas peças que não encaixam num outro de mil que também não encaixam. O Cristiano Ronaldo tem de jogar, naturalmente. O Bernardo Silva também. É necessário meter sempre dois trincos nem que seja à martelada. Não podia deixar de fora o melhor jogador do campeonato e o único do Sporting ou seria um escândalo. Com estes jogadores não se engendra uma tática, na melhor das hipóteses faz-se um acordo de concertação social e espera-se que cada um deles fique contente. 

A tática era a do losango, foi o que nos explicaram. Um quadrado também é um losango com a particularidade dos ângulos serem todos retos. Foi com esta tática que derrotámos os espanhóis em Aljubarrota e não há razões para não recorremos a ela para bater outros exércitos. Com dois à frente e dois atrás, arranjava-se um quadrado. Mas a opção foi a de ter três atrás e um à frente. Para isso, era necessário que não estivessem em linha os três de trás e o da frente estivesse posicionado para que todos os lados fossem de igual comprimento. 

Não tivemos nada disto. Tivemos o Ruben Neves, o Bruno Fernandes e o William Carvalho cada com a sua parte do terreno, o primeiro no meio e os dois últimos dos lados direito e esquerdo, respetivamente. Cada um era responsável por essa área e fosse o que Deus quisesse. O Bernardo Silva jogava a pressionar a saída da bola dos adversários, abrindo-se uma cratera no meio e obrigando-o a andar a correr como um maluco para ocupar o espaço à frente e atrás ao mesmo tempo. O Cristiano Ronaldo e o João Félix, entretanto, comportavam-se como dois poltrões, nem condicionavam a zona central nem fechavam sequer uma linha de passe nas laterais. Com o caos instalado, cada um estava entregue a si próprio. Os mais maduros e experientes foram encontrando forma de se tornarem úteis, se não ajudando os seus colegas pelo menos estorvando os suíços. Nestas circunstâncias, chegou a ser penoso ver o João Félix. Dispondo ou não a equipa da bola, não se sabia posicionar, perdendo-se em campo. 

Mas ganhámos e isso é sempre tudo ou quase tudo A história repete-se uma e outra vez. Há quem acredite em milagres e com o Fernando Santos ainda mais. Mas não há milagre nenhum. Há o melhor jogador do mundo. Ele e só ele consegue transportar a equipa para patamares competitivos e de resultados persistentemente impensáveis. Não importa o treinador nem os colegas. Talvez por isto seja o melhor jogador do mundo, como o foi Maradona no seu tempo, isto é, pela capacidade de transportar a sua seleção para uma dimensão que, de outra forma, seria impensável pela valia coletiva e individual dos restantes jogadores e pelo engenho tático do treinador. Este seu desempenho coloca-o um pouco acima do Messi na história do futebol que ambos assumem e irão assumir ainda mais. Uma coisa é ser bom jogador numa equipa de bons jogadores. Outra bem diferente é ser um bom jogador e transformar uma equipa mediana numa das mais temíveis do seu tempo.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Dias (in)felizes

Primeiro um, depois outro e assim sucessivamente, até ao Cristiano Ronaldo, diferentes jogadores de diversos clubes decidiram juntar-se ao João Félix para formar uma equipa e jogar contra a Suíça. Não sabemos se o Fernando Santos se decidiu juntar também ao João Félix para treinar a equipa ou se é treinador para juntar os outros ao João Félix e constituir uma equipa. Como se a campanha não estivesse suficientemente enjoativa, hoje informam-nos ainda que o João Félix vai atacar a Suíça. A Suíça é um país e com uma história de neutralidade política e geoestratégica. Parece-me desagradável esta atitude beligerante relativamente a quem tem por hábito não se meter em desacatos, recorrendo-se a uma arma de destruição maciça como o João Félix, que chega e sobra para destruir um país inteiro.