domingo, 28 de fevereiro de 2021

“Fácil de desmontar, difícil de contrariar”

“Fácil de desmontar, difícil de contrariar”, era assim que o Sérgio Conceição analisava o Sporting antes do jogo e deveria ter sido assim a sua análise depois do jogo. Como outros antes, o Sérgio Conceição queria medir-se com o Rúben Amorim e dar-lhe uma lição tática. Não se queria afirmar o jogo próprio, mas negar o jogo do adversário. Esta forma de abordar os jogos tem levado sempre ao mesmo resultado: condicionar o adversário condiciona o jogo da própria equipa [aquela coisa da Juventus oferecer um golo no início jogo não acontece todos os dias]. 

O Porto compreendeu a forma de jogar do Sporting, condicionou-a, mas não a contrariou. É verdade que o Sporting teve muitas dificuldades para sair a jogar, jogando comprido mas sem dispor de um ponta-de-lança que sirva de referência, ganhando a primeira bola, segurando-a e assim permitindo o avanço do resto da equipa. Mas também é verdade que pressionar alto, evitar a troca de passes entre os centrais, não deixar avançar pelo meio, não permite ao adversário outra alternativa que não seja a de responder na mesma moeda: bola na frente, pressão sobre os centrais e dificuldades de construção pelo meio também. 

E assim se condicionou o jogo de um lado e do outro. Condicionou-se o ataque, mas nunca se contrariaram as defesas. Se de um lado se enfiavam bicas e mais bicas na bola para a frente, do outro fazia-se o mesmo. O jogo foi pouco mais do que isto, em particular a primeira parte: uma partida de “flippers” ou de “pinball”. Os defesas ou os guarda-redes de cada equipa davam na bola com quantas forças tinham e esperavam marcar pontos acertando nos pinos, fossem os seus colegas ou adversários. Espremendo, espremendo bem este festival de biqueiros, resultam dois acasos: o remate de pé direito do Taremi contra o seu pé esquerdo, ricocheteando a bola para o pé direito outra vez e saindo pela linha de fundo, e o “anda Matheus, anda!”, gritado pelo Rúben Amorim, com o Matheus Nunes a arrancar a meio do seu meio campo, a ganhar metros a um Octávio à beira de uma apoplexia, a correr pelo meio campo do Porto fora até se isolar e rematar por cima da baliza. 

As conferências de imprensa dos dois treinadores foram reveladoras. De um lado, a compreensão das insuficiências, da incapacidade de chegar ao ataque. Do outro, a frustração mal disfarçada, a arrogância. Não, não houve falta de mérito próprio ou mérito do adversário. Houve azar. Houve árbitro, que marcava faltas, muitas faltas aos jogadores do Sporting, faltas não desejadas pelo Porto, quebrando o ritmo de jogo. O banco do Porto levantou-se muito mais vezes a protestar para que o árbitro não marcasse faltas aos jogadores do Sporting do que o banco do Sporting aos jogadores do Porto: doze a quatro nesse jogo de “fair play”. Noutro gesto de grande desportivismo, o novo Stéphane Demol do Porto desejou-nos boa sorte para a Liga dos Campeões da próxima época.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Superioridade numérica fora das quatro linhas

 

Fora das quatro linhas os jogos jogam-se à margem do jogo. Dentro das quatro linhas também. É neste (aparente) paradoxo que resiste o futebol português. O jogo, quando tem lugar, é o resultado de todas as forças que se jogam exteriormente a esse jogo. E não nos referimos apenas ao treino. O jogo, afinal de contas, é apenas um eco longínquo. Sempre que o Sporting vai na frente, esse eco torna-se incompreensível. Tocam os sinos a rebate, debatem-se as nuances, procuram-se culpados. Quando o jogo fora das quatro linhas perde para o jogo dentro das quatro linhas, o jogo fica viciado ao contrário. Toda a estrutura que mantém o sistema debate-se numa ala de psiquiatria. Os gritos escutam-se ao longe, mesmo sem ligarmos a CMTV. 

 

Ser, conhecimento e consciência

Ser pressupõe conhecimento e consciência. Não se é o que não se sabe ou não se tem consciência. Percebo perfeitamente que o Rúben Amorim não afirme que o Sporting é candidato ao título. Não sei o que é o Sporting ser candidato ao título. Esqueci-me do que é ou de que possa ser, sequer. O envelhecimento tem destas coisas: as memórias esvaem-se no tempo e o passado é uma nebulosa. Podia aprender mas não sei como. Conheço benfiquistas e portistas que sabem, mas o que eles sabem não me aproveita, pois sou sportinguista.

No sábado vamos jogar contra o Porto, candidato ao título. Joga um candidato ao título contra outro clube que não sabe o que é ser candidato ao título e, por isso, não pode ser o que não sabe o que é. Os candidatos ao título devem ganhar ou, então, não são candidatos ao título. Os outros jogam, jogo a jogo, e este é só mais um jogo. O Porto joga o título e nós jogamos um jogo, tão-só. Se o Porto perder, perde o título; se nós perdermos, perdemos um jogo. E se ganharmos? Ganhamos um jogo pois, lá está, não se pode ser o que não se conhece, o que não se tem consciência de ser. 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Narrativas, urdiduras e conspirações

Mais do que uma tática ou um estilo de jogo, o Rúben Amorim tem imposto uma narrativa: o jogo a jogo, o fazendo e aprendendo, o indo e vendo. Não se trata de uma contranarrativa relativamente à narrativa dominante, das expetativas que alguém se encarrega de realizar, tornando-as inevitáveis e, por fim, autorrealizáveis com o passar do tempo e por volta do Natal. Para se impor, esta narrativa tem de ser plausível na explicação dos factos, sendo os factos reais ou presumidos como tal. Os factos, as vitórias e a ausência de derrotas, são interpretados e reinterpretados como novos factos, onde os golos marcados e a segurança defensiva se transformam em acaso. O acaso não contraria a narrativa dominante e, assim, ninguém se sente desconfortável com esta nova narrativa que não parece distinta, especialmente os adversários.

Muitos treinadores têm sido derrotados, mas sem insatisfação, sem acrimónia. O Carlos Carvalhal talvez tenha sido o mais eloquente na expressão da vitória moral. O Pepa esteve bem por três vezes, destacando sempre a capacidade da equipa em se manter firme na defesa da sua ideia e princípios de jogo. No sábado, o Paulo Sérgio foi um pouco mais original, atribuindo à palermice dos seus jogadores os dois golos sofridos e a derrota. Quem ouviu, até pensa que as bolas entraram na baliza por livre arbítrio, por vontade própria, por obra a graça do Divino Espírito Santos [seria pior se atribuísse os golos à palermice da carecada na bola do Coates para a entrada de supetão do Feddal e à palermice do remate seco ao primeiro poste do Nuno Santos]. O jogo contra o Portimonense talvez tenha sido uma palermice, mas, a sê-lo, foi a palermice do costume: controlo do jogo e do adversário com e sem bola o tempo todo e pouco ou nada a dizer sobre a vitória.  

O meu amigo Júlio Pereira associa a imposição, a dominância desta narrativa, assente nas profecias do passado e que agrada a todos, ao simples facto de termos exportado sete treinadores para outras tantas equipas do campeonato: Jorge Jesus, Carlos Carvalhal, Paulo Sérgio, Jesualdo Ferreira, Silas, João Henriques e Miguel Cardoso [o Júlio conhece toda a gente que passou pelo Sporting seja em que função ou categoria profissional for e, se ele diz, está dito e não vale a pena questionar]. Ninguém melhor do que eles a conhece e, não, não andaríamos a contratar e despedir treinadores como se não houvesse amanhã se não existisse um plano [até começo a suspeitar que a contratação do Jesé e do Bolasie obedeceu também a um plano que, mais cedo do que tarde, iremos compreender]. 

O plano ultrapassa o simples ganha e perde campeonatos e envolve geoestratégia internacional. Alguém acredita que se exporta um Peseiro para a Venezuela se não for para derrubar o regime de Maduro? Como treinador da Coreia do Sul, o Paulo Bento não traz outra tranquilidade às relações sempre tensas no Pacífico e com o regime de Kim Jong-un? Talvez só tenha falhado o envio de Carlos Queiroz para o Irão [é malta rija que não se deixa levar nem com sanções económicas e ameaças militares]. O Varandas é um Putin com menos fanfarronice e operações plásticas [mas com a irritante mania de andar de gabardine]. À atenção dos gabinetes de comunicação do Benfica e do Porto: depois do apito dourado e do polvo encarnado, está em ação a centopeia verde [consultei a Wikipédia e fiquei a saber que as mais vulgares são amarelo-acastanhadas].

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A história de um jogo sem história ou o esforço de engonhar uma crónica a toda a sela

Em Portugal, um jogo não é um jogo, é o corolário de uma novela que se inicia no jogo passado e na semana passada e o interlúdio para a novela que se seguirá na próxima semana e se concluirá no próximo jogo. É uma pausa entre dois períodos, determinando o antes e o depois, que neste período de confinamento duram e duram, como se o tempo estivesse suspenso. O antes teve de tudo um pouco. Depois de uma perna e de um nariz partido, o Porto resolveu dizer basta, mandar um murro na mesa e decretar o Varandas como o dono disto tudo. Sou muito favorável a manifestações revolucionárias, a quaisquer revoluções, em particular das que se desenvolvem como no faroeste, em memória dos meus heróis de infância: Kit Carson, Daniel Boone, Buffalo Bill e Davy Crockett. O Benfica foi mais civilizado mas não menos eficaz e apresentou queixa ao Conselho de Disciplina por utilização indevida do Palhinha no “derby”.

Durante esta semana o Paços de Ferreira deixou de existir e o Benfica e o Porto teimaram em jogar contra o Sporting, quisesse ou não quisesse o Sporting. O Rúben Amorim foi avisando que jogávamos contra o Paços de Ferreira, mas, que não, que basta, que não é assim, que ninguém deixa de jogar contra o Benfica ou o Porto só porque sim, só porque o calendário não o prevê. O Benfica e o Porto jogam contra quem querem e lhes apetece e se não lhes apetece jogar contra o Boavista ou contra o Moreirense nada os pode obrigar. O Sporting manteve a sua, a de jogar contra o Paços de Ferreira, e o Porto e o Benfica mantiveram a deles, a de não jogar contra o Boavista e o Moreirense, e amigos como dantes ou inimigos, como se quiser e der mais jeito. 

Foi neste estado de nervos que se chegou ao jogo de ontem. Os jogos do Sporting ou constituem uma história de faca e alguidar, de baba e ranho ou não têm história, como se fosse um dia como qualquer outro, mais um dia no escritório. Com ou sem história, a tática é a mesma de sempre: a defesa é o melhor ataque e depois, bem, depois é deixá-los cair de maduros. Se caírem, não há história; se não caírem, a história é outra e sempre há história. Ontem era dia de não haver história e por isso [e só por isso] se continua com este parlapié enrolado, engonhando a bom engonhar, por que não sei bem o que se pode dizer sobre o jogo. 

O Paços de Ferreira joga à bola e jogando à bola está mais próximo de cair de maduro. Não foi à primeira, com um toque de calcanhar do Paulinho [o Rúben Amorim continua a dizer que ele é o melhor ponta-de-lança de Portugal e arredores e, se ele o diz, eu acredito como acreditaria se dissesse o mesmo de um bidão, de um “jerrican”], foi à segunda, de “penalty”, marcado pelo João Mário. O João Mário não só foi decisivo pelo golo como também pela forma como conseguiu adormecer o adversário e nos adormeceu. Os dribles permanentemente para trás, para ganhar espaço e tempo para passar ainda mais para trás, deixam os adversários sem saber bem onde fica a sua baliza e, por oposição, a baliza do Sporting. Inicia-se a segunda parte e, na sequência de um canto, desvio no meio pelo Feddal e o Palhinha ao segundo poste a enfiar a bola no ângulo depois de um vólei fenomenal: "game, set and match". 

Aconteceram mais coisas, seguramente, mas não me vem nenhuma à memória assim de imediato, de primeira. Pensando melhor, sim, houve substituições, entrando uns tantos e saindo outros tantos, de um lado e do outro, e, sim, também houve faltas, muitas faltas. Quando se concluiu o jogo, recebo uma das habituais mensagens de “WhatsApp”: “Este árbitro apita como respira!”. Pela primeira vez não estou de acordo com este meu amigo. Não, o árbitro não apita como respira, o árbitro respira com o apito metido na boca ou enfiou-o pela faringe abaixo e ficou a atravancar a laringe. Tudo acabou em bem e a bem e se a Câmara de Lisboa tivesse sentido das suas responsabilidades, amanhã o seu presidente estaria a receber a equipa do Sporting para a homenagear: o Benfica não foi ultrapassado pelo Paços de Ferreira e, assim, a Capital, a nossa Capital, não se viu ultrapassada pela Capital do Móvel [depois de um jogo como este que ninguém me peça para arranjar um trocadilho melhor]. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Stress pós-traumático

Não é fácil de reconhecer, de admitir, mas confesso, como sportinguista que sou: sofro de “stress” pós-traumático. Quem não souber bem do que falo pode sempre recordar o Apocalypse Now e o Martin Sheen a revolver-se na cama de um quarto de hotel, angustiado, enquanto uma ventoinha no teto vai rodopiando lentamente, ouvindo-se em fundo a voz de Jim Morrison, cantando: “This is the end, beautiful friend/This is the end, my only friend/The end of our elaborate plans/The end of ev'rything that stands/The end”. 

Para mim, o jogo de ontem começou no domingo à noite. Ligo a televisão e vejo que o Porto está a ganhar por um a zero ao Braga. Um pouco mais tarde, volto a ligar e vejo que o Porto está a ganhar por dois a zero, faltando cinco minutos para o fim do jogo. Desligo e dou o assunto por encerrado. De repente, ouço uma barulheira vinda do andar de cima e temo o pior e o pior fica à frente do nariz quando volto a ligar a televisão: o Braga conseguiu empatar. Se o Porto ganhasse, não estaria sob pressão. Se perdêssemos, reduzia-se a vantagem, nada especial, nada a que não esteja habituado. Não ganhando, havia a hipótese de se alargar a vantagem e isso, sim, não é habitual, é uma pressão insuportável. Os sintomas apareceram sem avisar: palpitações, perda de apetite e insónias. 

Ontem, sabia que ia reviver mais um acontecimento traumático, como tantos outros [não, não vou falar pela enésima vez do Peseiro e da final da Taça UEFA no Estádio de Alvalade perdida para o CSKA de Moscovo]. Inicia-se o jogo e começo a suspeitar do regresso do Silas. Os três tristes centrais a trocar a bola entre si até que a ansiedade de um deles o leva a enfiar-lhe uma biqueirada para a frente. Em certas circunstâncias, uma bica na bola para a frente pode ser uma tentativa de jogar em profundidade, mesmo que involuntária, como costuma ser qualquer bica na bola, por definição. Mas se a defesa está em cima da sua área, a bica na bola para a frente corresponde a desistir, a dar a bola ao adversário. A minha esperança é que o Gil Vicente nada quisesse fazer com ela, que a tornasse a devolver, para que tudo tristemente se reiniciasse, com os três tristes. Nada disso, para azar ou sorte, vá-se lá saber, sempre que recuperava a bola, o Gil Vicente atacava, com rapidez e olhos na baliza. Não foi à primeira ou à segunda, foi à terceira, bola nas costas da defesa, aparece um japonês e golo do Gil Vicente. 

Aproveito o intervalo para fazer um telefonema, para ganhar tempo. A conversa flui porque nem sequer quero voltar a ver o jogo, não tenho coragem. Acabo por respirar fundo e anuncio: “tenho de voltar a concentrar-me no jogo, o Sporting precisa de mim!” [como qualquer adepto, acredito que se mudar de canto do sofá ou se desligar e voltar a ligar a televisão sou capaz de ajudar a dar a volta ao jogo]. E volto e tudo tinha mudado. Não reconhecia a equipa nem os jogadores. De repente, os três tristes tinham-se transformado numa arma de destruição maciça. O Ruben Amorim aprende e aprende depressa e bem, não tendo dificuldades em mudar o que pensou mal, o que está errado: saindo o  Neto e o Feddal para entrar o Gonçalo Inácio e o Matheus Reis. A bola andava com outra velocidade, o jogo ganhava emoção, o cerco apertava-se, e havia Coates, o terceiro central que faltava nesta história de centrais, Coates uma vez, Coates outra vez, capitão, grande capitão! 22.49h e benfiquistas e portistas desatam a cortar os pulsos.

A respiração volta ao normal. A arritmia foi-se. Os sintomas podem voltar, pois o “stress” pós-traumático esconde-se mas não foge, não nos abandona. O Benfica e o Porto não podem fazer o favor de voltar a ganhar? Custa-lhes assim tanto? Não conseguem compreender o sofrimento alheio? Não sentem empatia? Aguentei esta, mas não sei se aguento outra. Mas valeu a pena, cada minuto, como se fosse o último, uma vida. Pensando melhor, talvez aguente, outra e mais outra e outra ainda. Vamos tentar?

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Fricções

 

Circula por aí no confinamento (agora apenas se circula nas redes ou adjacentes digitais) uma narrativa da conspiração para imbecis, e uma Nova Teoria da Admiração, resultante de uma parceria entre o politécnico de Cama Porca, em Alhandra, e o politécnico de Catraia do Buraco, Belmonte. Interessa-nos mais esta última, já que a narrativa da conspiração, radicando num conluio hipoteticamente liderado pelo Sporting, esquece que o Paços de Ferreira tem os mesmos pontos do Benfica, estando a uns meros dois pontos do Braga e a seis do Porto. Ora, não circulando (por enquanto) nenhuma teoria conspirativa sobre o domínio do Paços no futebol português, nomeadamente, nos seus bastidores e arrabaldes, estaremos então perante uma nova normalidade (muito em voga) hegemónica, que não poderá excluir o Paços, sobe pena de imbecilidade ostensiva. Sérgio Conceição, quando em recente conferência de Imprensa, refere que o futebol também se joga fora das quatro linhas (sem se rir), estaria obviamente (também) a pensar no Paços de Ferreira. Aguardamos uma capa do jornal A Bola sobre o assunto, mas com entrevistas a jogadores do Benfica.

Interessa-nos, modestamente, a Nova Teoria da Admiração, resultante de uma parceria entre o politécnico de Cama Porca, em Alhandra, e o politécnico de Catraia do Buraco, Belmonte; uma teoria onde os investigadores propõem uma nova forma de conseguir medir os níveis de admiração no futebol português, seguindo o insólito percurso do Sporting no primeiro lugar do campeonato, através do recurso a novas tecnologias de som e ultra-sons que permitem escutar, medir e analisar, estratificando em vários escalões e categorias, facilmente utilizáveis no futuro. Brevemente esta teoria será melhor explicada no programa da Antena 3, denominado Fricção Científica. Podemos apenas, em jeito de aperitivo, avançar que o estudo demonstra que os sons de admiração foram-se transformando ao longo do tempo, passando de ligeiros e pouco audíveis (muitas vezes mitigados de cinismo e graçolas) durante o mês de Novembro e Dezembro, para cada vez mais audíveis e agudos, tornando-se, aos poucos, graves e guturais entrecortados por ruídos estranhos e cada vez menos audíveis. Isto durante o mês de Janeiro e início de Fevereiro. Aguardemos. 

Jogo a jogo, até ao fim

 Dizem que em tempos de pandemia o tempo anda mais devagar, uma semana parece um ano. Não sei se é assim, mas não posso deixar de comparar a ânsia dos comentadores desportivos da nação a esfregarem as mãos e a dizer, semana após semana que para a próxima é que é, o Sporting vai perder e a partir daí voltará a normalidade duopolista do futebol nacional, com aquilo que se dizia dos Sportinguistas, época após época no seu 'para o ano é que é'. 

Ocorreu-me este tema após ver o vídeo partilhado noutro blog leonino, a Tasca do Cherba, e que ilustra em pleno o que se diz e se tem dito a nosso respeito (e pode ser lido aqui)

Os Sportinguistas resistiram muitos anos a prever épocas brilhantes, até que recentemente a maioria desistiu e passou a só pensar jogo a jogo. Só espero que com os comentadores o mesmo aconteça, que a esperança não ceda e passem muitas e muitas semanas a prever a nossa desgraça.

Pelo caminho, para os mais otimistas, relembro apenas que no campeonato anterior uma equipa fez 48 pontos na primeira volta, apenas uma derrota em 17 jogos, 7 pontos de vantagem sobre o perseguidor... o resto, o resto é história!

sábado, 6 de fevereiro de 2021

(Ir)realidades

Dia passado em videoconferências e em telefonemas crescentemente aborrecidos, irritantes. Começa o jogo e encontro-me num desses telefonemas. Vou conversando e olhando para o ecrã. As imagens parecem-me distantes, irreais, incluindo o golo do Pedro Gonçalves. Acaba a conversa e tento-me concentrar no jogo. Percebo que estamos em modo “até ao pescoço é canela”. Reconheço um dos matulões que nos bateu o tempo todo no jogo da Taça de Portugal, que mais tarde voltou a sair do campo pelo seu próprio pé, não sendo expulso outra vez. 

Troca habitual de mensagens por “WhatsApp” e preparação para uma segunda parte concentradíssimo, como diria o Paulo Futre. O Paulinho tenta marcar de calcanhar e começo a ficar preocupado. Para sportinguista escaldado, qualquer sinal é sinal que não tarda o habitual balde de água fria. Nada disso, troca de bola do lado direito, com passes curtos e crescente congestionamento de adversários, saída para o centro e imediata solicitação do lateral esquerdo, o Antunes ["mas este Antunes não é o Antunes que não joga nada?"], centro para o meio e Pedro Gonçalves a encostar para o segundo golo: parecia futebol de salão.

Ligam-me outra vez. Outro assunto aborrecido, muito aborrecido. Volto a acompanhar as imagens à distância, volta a irrealidade. Sem atenção não há envolvimento e o jogo é simples sequência de imagens, com bola e jogadores. Acaba o jogo e o telefonema. Vejo o resumo e delicio-me com a beleza do primeiro golo. Aproximação do Pedro Gonçalves ao portador da bola como manobra de atração do defesa e imediata desmarcação nas suas costas, passe de trinta metros de Gonçalo Inácio para o encontro perfeito entre o Pedro Gonçalves e a bola no sítio certo, no momento certo, túnel no guarda-redes e passe para a baliza. Estética como função num só lance, fazendo-me lembrar o Poema das Coisas Belas, de António Gedeão. 

Continuo a ver televisão e a ouvir comentários. A irrealidade continua, mas não, não é da minha responsabilidade. Há um mundo irreal que rodeia o futebol. Aparentemente, por cada jogo que passa, o Sporting perde onze pontos por jogar com o Palhinha [ou oito, sei lá!]. Há uma cabala internacional da arbitragem contra o Porto. Não dizem, mas imagina-se uma coisa engendrada pelo Varandas com o apoio de serviços de inteligência, como a CIA ou o KGB. O Benfica está com os mesmos pontos do Paços de Ferreira e ninguém acredita na realidade, nesta realidade. E nós? Nós continuamos a viver este real irreal, desconfiados, resistindo à tentação do desta é que é, enquanto o Amorim explica: jogo a jogo, hoje o Paulinho, amanhã o Tiago Tomás, o Antunes, o nosso Vitorino, o herói improvável. 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Filosofia na alcova

 

Não sei se sabem, mas aquele (hipotético) falhanço do Neto (grande jogo) serviu para aliciar os jogadores do Benfica, que assim ficavam cada vez mais perto do empate. Tudo planeado. O cérebro dos jogadores do Benfica quando entraram num Alvalade cheio (não tenham dúvidas disso), estava projetado para enconar, encaixando no sistema adversário (é assim que se diz, não é?). O Jesus, coadjuvado por Deus (assim não é fácil), lá de sua casa, tinha projectado a sua ideia para campos onde o logaritmo não entra sem bater. A sua ideia (claro que continua a ser a sua!) seria envolver a (sua) ideia do costume, na ideia (deixem passar) do Sporting, quer dizer, do Amorim, sem que isso se notasse nas imagens da transmissão televisiva e do VAR.

Não sei se sabem, mas o Sporting estava em campo. Estava em campo no exato minuto em que o Jardel acompanhou o Santos na ventura da velocidade. Estava em campo, quando o Benfica começou a perder os diálogos consigo próprio (deixem passar) e apenas comunicava com o exterior por um tubinho. Mas a coisa encaixava, diziam os comentadores, embora o embaraço dos jogadores no desconhecimento daquele jogo, fosse percetível sem o recurso a microscópio, apesar disso, encaixava. A voz, ouvia-se algures, dizia que encaixava. O contraditório, nestes momentos, não se compadece com quaisquer outros pensamentos. Continuamos a existir, mas sem se notar muito.

O jogo, supostamente encaixado, prosseguia (isto durou muito tempo). A ideia de Jesus sufragava a ideia de Amorim. Amorim existiria nessa dimensão íntima, embora não fizesse a mínima ideia disso. Amorim, certificado leitor de Platão, sabia que este concebia a realidade de maneira dualista, por um lado as ideias e, por outro lado, o mundo sensível, um mundo que todos reconhecemos, mesmo sem Covid. A questão era: como passar uma imagem de acordo com o mundo sensível, sem esquecer as ideias(?). Amorim sabia-o, mas talvez não quisesse ferir em demasia um Jesus confinado. Não sabemos se terá conseguido. O que sabemos é que no mundo sensível joga-se até ao fim. E isso requer muito trabalho!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Entre planos e aforismos

Há quem acuse o Rúben Amorim de estar obcecado com o seu plano, o Plano A, à falta de melhor definição. Desconfio de pessoas que não têm plano nenhum ou têm tantos, mas tantos que não passam da sua cabeça, que é uma forma ilusória de não ter nenhum [se nos recordarmos do Silas, percebe-se bem]. Talvez ontem tenha ficado claro que essa obsessão é mais dos adversários do que dele. 

Para contrariar o nosso Plano A, o Benfica adotou o seu Plano B [a letra é arbitrária, querendo dizer que adotou um plano diferente do habitual], que não era bem um Plano B, mas um plano para contrariar o nosso Plano A, isto é, dispunha de um plano que funcionaria na exata medida que contrariasse o nosso. O Plano B é parecido com o nosso Plano A, mas como qualquer “pastiche” não é a mesma coisa, não se troca o original pela contrafação. Os três centrais não serviam para projetar os laterais no ataque e os laterais serviam para fechar as laterais e os laterais do Sporting. Do lado esquerdo, a obsessão foi ao ponto de terem jogado com dois laterais, Grimaldo e Cervi, tal era o receio do temível Pedro Porro. 

O Benfica não queria perder, desse por onde desse. Nós queríamos ganhar e queríamos ganhar com o Matheus Nunes em campo. O Sporting ataca com poucos e vive de recuperações de bola, de acelerações de jogo quando um jogador de meio campo fica de frente para a baliza, de passes em profundidade para as costas da defesa e das diagonais dos avançados, obrigando os centrais a correrias e deslocações permanentes para as laterais. Na primeira correria, o Jardel lesiona-se ao perseguir o endiabrado Nuno Santos e o Benfica repõe os três centrais, recuando o Weigl e metendo o Gabriel no seu lugar, tal era a preocupação em manter o Plano B ou o anti-Plano A do adversário. Mas sem mais lesões, o desgaste dos centrais continuou muito por culpa do Tiago Tomás que não parava quieto e não se intimidava [a dado momento, a forma como enfrentou o Otamendi e o olhou parecia retirada da cena do “You talkin’ to me?” ao espelho do Robert de Niro, no Taxi Driver]. 

Na primeira parte, o Benfica viveu em permanente sobressalto, mas o Sporting chegava com poucos jogadores ao ataque, amarrados como estavam os laterais. Mesmo assim, ainda deu para o Neto falhar um golo cantado [mais para a frente, para compensar, tem que se arranjar forma dele marcar um golo, pois parecia desrespeitoso para com o nosso eternos rival marcá-lo ontem] e o Otamendi cortou sem saber bem como um remate com selo de golo do Pedro Porro. Na segunda parte, o jogo ficou mais equilibrado e mais amarrado ainda. O Tiago Tomás conseguiu aparecer desmarcado do lado direito, mas em vez de insistir e de se isolar, quando o Otamendi se encontrava em modo de desespero, resolveu passar para o lado, para o Pedro Gonçalves acertar com a bola no Weigl. Enquanto isso, assistia-se a uma arbitragem cheia de providências cautelares: o Pizzi continuou inimputável quase até ao fim do jogo; o Gilberto tentou ser expulso três vezes [na última, é hilariante a forma como o árbitro ainda acaba por assinalar falta do Pedro Gonçalves]; não se esquecia do habitual amarelo ao Neto para se esquecer logo depois do amarelo ao Gabriel. 

Com a entrada do Palhinha, o Sporting trancou a defesa e o meio campo e deu mais liberdade ao Matheus Nunes, que não se parece cansar e está em todo o lado ao mesmo tempo. O Tabata entrou bem, intenso, participativo, a defender e a atacar, enquanto o Jovane entrou acabrunhado, participando pouco no ataque e tendo pouco cuidado a fechar o seu lado e a apoiar o Nuno Mendes. Faltava alguém que refrescasse verdadeiramente o ataque, que continuasse o trabalho de Tiago Tomás. O Sporting manteve a intensidade de jogo e o Benfica aguentou como pôde, decidindo substituir os dois defesas esquerdos por um só, mais espigadote, pensando que o Pedro Porro estava arrumado, erro absolutamente decisivo, como se viu pouco depois. 

Coates enfia uma bica para onde está virado, o Weigl hesita e vê-se cercado por uma praga de gafanhotos liderado pelo tal de Tabata, um brasileiro brinca-na-areia que o Rúben Amorim transformou numa arma de destruição maciça, a bola sobra para o Jovane que com uma revienga senta dois defesas e depois, bem, depois seguiu-se uma cena tantas vezes repetida esta época: bola para o segundo poste, onde acaba de chegar o Pedro Porro, domínio perfeito, simulação, transformação do rapaz espigadote em homem-estátua, bola metida para a entrada do Jovane, saída do guarda-redes em desespero a sacudir a bola para a frente e Matheus Nunes, o homem de todos os sítios e sítio nenhum, a aparecer para encostar de cabeça e ganhar o jogo. Só uma equipa como a do Sporting acredita naquela bola vadia como se não houvesse amanhã e chega com cinco jogadores à área do adversário ao fim de noventa minutos de jogo.   

Melhor do que o jogo foram os comentários na televisão logo a seguir. “Não se jogou nada, raspas”. “O jogo foi uma porcaria”. “Foi sorte, muita sorte, com golo depois dos noventa minutos”. “O Benfica tem de jogar mais”. “O Sporting, sim, e o Sporting?”. “Peço desculpa, o Sporting o quê?”. “Como é que o Sporting jogou?”. “O Sporting jogou?”. Tudo se concluiu, a bem, com um aforismo de um velho treinador: “É muito difícil prever, principalmente o futuro”. É, pois é, talvez seja preciso um plano.