segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Entretanto


José Mourinho foi para o Tottenham. Alguns jornalistas, comentadores e adeptos também. Embora estes últimos mais mal pagos. De repente ficou a saber-se que o Tottenham dispõe de uma academia com 17 campos relvados e um estádio novo com a segunda maior lotação da premier league. Diz-se até por aí que uma equipa com o mesmo nome foi finalista da liga dos campeões do ano passado.  A paixão tem destas coisas. Numa das milhares de reportagens feitas a partir de Londres, um jornalista folheia os jornais ingleses do dia seguinte à assinatura do contrato (nada que não pudesse ser feito a partir dos estúdios em Lisboa – seria?), deleitado com as contracapas, os rodapés, as fotografias, numa demonstração sólida do mais profundo provincianismo e do jornalismo de encher chouriços.

Entretanto, os restantes jornalistas e comentadores sobrevoaram o Atlântico para saber quem seria o novo barbeiro de Jorge Jesus e se este ainda comia peixe todos dias. Continuaram a encher chouriços até descobrirem um clube de futebol (com regatas pelo meio) e uns programas de televisão onde apenas se pode participar de megafone ou com uma garganta de aço inoxidável, programas onde incrivelmente Cristina Ferreira pareceria uma sussurradora profissional. Nesses programas, onde se mistura religião e futebol, os comentários baloiçam entre o mais puro chauvinismo e a hoste dos ressabiados, tudo por causa de um avô que lhes foi dar umas dicas sobre bola e mastigar chiclete em público, não necessariamente por essa ordem.  Os resultados estão à vista. Se Jesus tiver algum juízo, levanta ferro o mais rapidamente possível e vem treinar o Arsenal, um clube com um centro de estágios com muitos campos, todos irrigados, e um estádio com apenas menos dois mil lugares que o Tottenham. Um sonho de menino.

Entretanto, fomos à vida no futsal. Espero que este feito também seja devidamente reconhecido pela direção, à imagem do ano anterior.   

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Soltas da seleção nacional

[Sem pé quente] 
Não precisávamos de ganhar e muito menos de marcar dois golos. Desperdiçámos a possibilidade de mais um empate ao desperdiçarmos o empate da Ucrânia contra a Sérvia. A ideia de atingir objetivos sem depender de outros e da combinação de resultados pode ser o reconhecimento do Santos que o seu pé quente teve melhores dias. 

[Com os pés frios] 
No fim do jogo, os jogadores afirmaram que mal sentiam os pés, tal era o frio. Porventura, a temperatura dos pés em sentido literal influencia-a em sentido figurativo. Talvez não se possa ter pé quente com os pés frios. Na dúvida, não seria de excluir a hipótese de se colocar uma escalfeta no banco. 

[Com os pés] 
O Cristiano Ronaldo marcou o nonagésimo nono golo ao serviço da seleção nacional. O simples facto de não ser fácil dizer nonagésimo nono golo de forma seguida, sem pausas e sem nos entaramelar a língua é, só por si, um sinal do feito extraordinário. Mais do que mais um golo, este, em particular, é revelador do empenho do Cristiano Ronaldo em marcar golos que os outros fazem um esforço enorme para falhar, como se viu com o Jota, apesar do guarda-redes do Luxemburgo também ter feito um esforço não despiciendo para o sofrer. 

[Sem cabeça ou com a cabeça assim-assim] 
O treinador da seleção de Malta embateu com a cabeça no banco de suplentes e não há maneira de se lembrar do jogo contra a Espanha. O Santos por um momento também se esqueceu de ser quem é, e não dizer nada e não revelar os seus segredos, e disse na entrevista o seguinte: “Acabámos por marcar num lance que tínhamos pensado, colocando a bola na profundidade, nas costas da defesa”. Até a emissão da RTP caiu (redonda).

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Esports de inverno


por aqui vos falei da saga daquele jogador do Sporting com nome de medicamento, o Demiral 18mg. Nessa mesma posta fazia uma pequena (grande) referência a mais um central, nesse caso em trânsito para o Granada. O seu nome era Domingos Duarte e foi agora chamado à seleção nacional. Não costumo advogar o fanatismo serôdio da formação, mas deixar escapar, em saldo, jogadores destes, apenas terá uma explicação lógica: incompetência. Incompetência essa, devidamente destapada em sentido contrário, isto é, nas compras efetuadas. Mas parece que ficamos com 25% de uma futura venda. O trabalho invisível continua.  

Ontem estava a ver televisão e de repente fui levado com pompa e circunstância até ao colo do Prémio Puskás, dois mil e quinze, se não me falha a memória. Ao lado do prémio surgia um nome: Wendell Lira. Já estamos a contratar – pensei, não sei porquê, mas gostamos destas coisas. Lira vinha reforçar a nossa equipa de Esports. Por momentos pensei que estavam a inglesar o termo associando-o ao português do Brasil. Só depois percebi que o reforço era para a equipa de videojogos. Grande contratação, ninguém estava à espera. O trabalho invisível continua. Somos mesmo um clube eclético. Sem dúvida alguma.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Quem (não) faz um filho fá-lo por gosto

Comecei a perceber este jogo ainda antes de se iniciar. O nosso treinador tanto afirma que ainda não teve tempo para treinar como pretende ao mesmo tempo justificar as suas mudanças táticas de jogo para jogo pelo facto de treinar diferentes sistemas, encontrando-se a equipa em condições de optar por qualquer um como forma de surpreender o adversário. Nunca levei muito a sério aquela coisa do nível IV, mas desconfio que talvez não fosse má ideia ele fazer um curso desses nem que fosse por correspondência. 

Não fiquei, assim, surpreendido quando vi a equipa entrar com o Neto, o Coates, o Ilori, o Rosier, o Borja, o Eduardo e o Ricardo Fernandes. O Silas preparou a equipa para jogar como se se tratasse do Belenenses e o adversário o Sporting e não o próprio Belenenses. O original, por muito mau que possa ser, é sempre melhor do que a cópia. Enredámo-nos num emaranhado de sete ou oito jogadores para conseguir fazer sair a bola do nosso meio-campo. Invariavelmente, acabávamos a perdê-la ou com o Renan Ribeiro a enfiar-lhe uma biqueirada para a frente onde os dois ou três que sobravam enfrentavam opositores superiores em número e em armamento, como se estivessem em Candaar, no Afeganistão. O Bolasie e o Vietto não revelaram medo, revelariam aqui e ali alguma melancolia por não poderem conviver com os seus colegas e amigos, ensarilhando-se também com eles e com a bola, como fazem os soldados para ocuparem os poucos tempos livres entre as emboscadas. 

Os jogadores do Belenenses ficaram surpreendidos, pois pensavam que vinham jogar contra o Sporting, não estando preparados para jogar contra si próprios. Estavam preparados para montar o seu autocarro e não para enfrentar o autocarro adversário. Esta contradição não os deixou nada confortáveis. Procuraram queimar tempo passando a bola entre si, permitindo ao treinador no final dizer que tinham assumido o jogo, seja isso o que for, desde que não envolva a baliza do adversário. Os adeptos não gostaram da transmutação, do transgénero operado pelo Silas e começaram a assobiar. Depois, bem, depois uns começaram a cantar uma coisa qualquer e outros a assobiar. No estádio percebe-se bem. Na televisão não se percebe grande coisa. Só mais tarde é que percebi que enquanto uns vaiavam o Varandas os outros vaiavam os que vaiavam os Varandas. No próximo jogo, a transmissão deve ser legendada para melhor podermos acompanhar estar peripécias. 

A meio da primeira parte o Silas tirou o Neto para meter o Camacho e ao intervalo trocou o Ricardo Fernandes pelo Doumbia. Os sinais de retoma do final da primeira parte confirmaram-se no início da segunda. Mas a retoma só ficou completa quando saiu o Eduardo e entrou o Luiz Phellype. O que faltava em febra sobrava em coirato e entremeada mas era a carne que havia e foi toda para o assador. O Doumbia ficou com o meio-campo defensivo e o Bruno Fernandes e o Vietto passaram a ter mais bola. No primeiro golo, destaca-se a forma precisa como o Luiz Phellype fez embater a bola nas canelas de um adversário, fazendo-a ressaltar para o sítio exato onde apareceu o Vietto a rematar depois de um mortal à retaguarda. No segundo, a desmarcação milimétrica do Bolasie proporcionada pelo passe do Doumbia e a saída à Renan Ribeiro do guarda-redes adversário, colocando a bola à disposição do Vietto. 

Pior do que errar é insistir no erro. O Silas aprende depressa, o problema parece ser o de só aprender durante os jogos. Ao intervalo deve ter transmitido aos seus jogadores que ou as coisas mudavam ou estava disposto a fazer um filho a cada um deles. Os jogadores não acreditaram naturalmente, mas ficaram na dúvida se não estava disposto a tentar. Não foi por acaso que, por via das dúvidas, resolveram festejar os golos junto à bandeirola de canto, longe do banco.

sábado, 9 de novembro de 2019

Miaus


Frederico continua a sua saga. Escutei-o nos Rugidos do Leão. Leu uma cópia como se estivesse na escola primária. Raramente levantava a cabeça para comunicar as suas palavras com a audiência, limitando-se a ler, como um bom menino. Duas ou três enfâses povoaram essa leitura. Bom, terá dito a professora. Desta vez até estava bem alinhavado, como um verdadeiro discurso (goste-se ou não), o problema é que um discurso engloba um comunicador, o texto e a audiência. O texto é a ponte. Apenas isso. Dessa ponte deixo aqui um reparo: para além das gabarolices e do tratamento estatístico, habilmente moldado, fica mal, muito mal, esquecer a Comissão de Gestão, na excelente época (assim nos foi apresentada por Frederico) 2018-2019. Nem uma palavra. As palavras ficaram para as outras, (quantas são, afinal?) minorias. Deixo aqui um bom título para o discurso: unidos venceremos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Bem vindos a Valhalla*


A cabeça do nosso treinador não é monótona. A cada jogo ele arranja uma forma de alinhavar uma equipa nova, confundindo assim o adversário e a própria equipa, cujo sistema de não ter sistema, feito com jeito e de forma sistemática, até pode dar alguns frutos, ainda que mirrados. O nosso treinador não fez a pré-época, andava por essa altura a observar as bancadas vazias de um tristonho Jamor, nem participou na contratação dos jogadores, embora a escolha dos mesmos nos pareça ter sido feita através de requisição civil, tentando ocultar, em parte, a greve dos nossos dirigentes em dirigir.   

O Borja tem aquele ar de bom samaritano que nasceu num sítio pobre da América Latina, mas deu a volta, afastando-se de um mundo de drogas e violência, só não se sabendo como e quando se tornou jogador de futebol. Nem ele sabe, apenas a requisição civil. O Rosier, ainda não o topei bem, tem estilo de raper dos subúrbios de  Montauban, embora  Montauban seja demasiado pequena para ter subúrbios, ele ainda assim arranjou maneira, não se sabendo bem quando o futebol começou a ser congeminado na sua cabeça. Musicalmente está nos antípodas de Jesé, futebolisticamente temos as nossas dúvidas. Ontem jogou o Neto e o Ilory, a intenção era desde o início convencer o adversário do esquema de três centrais e dois laterais subidos, escondendo o verdadeiro às de trunfo: Coates. Coates tem golo. Em qualquer das balizas. E fez um grande jogo.

Tudo baralhado como deve ser, ainda assim passamos os primeiros dez minutos a jogar de pé para pé cá atrás. Quando quisemos que a bola chegasse ao meio campo, estava lá o Doumbia. Ele já avisou que não foi para isso que o requisitaram: andar ali a receber e a ter que passar a bola, observando a posição dos outros jogadores, equipa contrária incluída, isso enerva-o, fica nervoso com a bola redondinha nos pés, mais ou menos como o Bolasie, só que o Bolasie usa isso para endrominar o adversário e a si próprio, com resultados variáveis, diga-se. O Doumbia fica igualmente nervoso com a proximidade do Eduardo, apenas se acalmando quando, levantando a cabeça, o que é raríssimo, encontra a imagem de nosso senhor Bruno Fernandes a pairar no campo. Aí, nesse momento, sorri e sente-se um verdadeiro jogador de futebol.

Estava frio, o jogo ainda não tinha aquecido e já os Noruegueses tinham papado dois golos. Aqueles Noruegueses, embora sejam muito interessantes como figurantes (ou mesmo actores) da série Vikings, como jogadores da bola deixam algo a desejar. Nesse sentido, entendem-se muito bem em campo com alguns dos jogadores do Sporting, que embora nunca tenham participado em castings para a série Vikings, têm alguma veia artística, já que conseguem representar (de forma razoável) um jogador de futebol profissional.

A segunda parte trouxe-nos à memória que no futebol (principalmente quando joga o Sporting) como na sétima arte, tudo é possível. Mas foi apenas por momentos. Ganhámos bem. Venham de lá esses toscos dos Holandeses.


quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Crónica de um relato anunciado

Não vi o jogo do Benfica contra o Lyon mas recebi o relato. Foi como se o tivesse visto. 

Antes do jogo, o entusiasmo: o Zenit tinha perdido e abria-se um caminho radioso para o Benfica afirmar a sua dimensão europeia. Com o primeiro golo, os factos começam a enganar-se e a não condizer com a realidade. “Não se percebe, uma equipa com a capacidade da do Benfica quando chega a estes jogos europeus parece entrar numa realidade paralela”, afirma um comentador. 

Depois de um ciclista francês testar a caixa de velocidades contra a defesa do Benfica, acontece o segundo golo e suspeita-se que a realidade tenha acabado de bater à porta. Apesar dos nabos dos defesas e do guarda-redes ameaçarem dar buraco, os jogadores do Lyon ganham quase todos os ressaltos e disparam em contra-ataques sucessivos deixando um dos comentadores em desespero. O desespero dá lugar à esperança quando finalmente falham um passe e o Benfica recupera a bola: “Eles também falham! Eles também falham!”, rejubila o comentador. 

A segunda parte inicia-se com os franceses em ritmo de treino e os jogadores do Benfica a cheirar a bola. De repente, chouriçada para a frente e golo do Benfica. Volta o entusiasmo, não pela vitória, mas pelo empate que deixaria tudo como dantes. Os franceses aborrecem-se com a desfeita e decidem voltar a jogar a sério cinco minutos e marcam novamente. “Está difícil o Benfica chegar à Europa”, lamenta um comentador, entrando em falso e denunciando-se, para logo em seguida vir outro em socorro e rematar a conversa, afirmando: “Este jogo prova que o Benfica não aposta na Europa”. Porque, se apostasse, a Europa render-se-ia aos pés do André Almeida, digo eu e mais não digo.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Filosofia da alcova


Por acaso ia começar esta posta mais ou menos assim:

Apesar dos deuses (os nossos) andarem loucos, os árbitros continuam a adorar os templos do costume, colocando lá as suas oferendas, em sinal de fé e de referência. Ainda por cima estando o Sporting a braços com uma equipa que (re)começa o ensino primário (do futebol?), já com o cheiro no ar a castanhas,  a papas de sarrabulho,  e com a fruta da época a dar para as romãs e os dióspiros, não parecendo de todo possível acompanhar o andar da carruagem. Pergunta: qual é a novidade? A retórica da interrogação leva-nos para uma extrema-unção mas sem padres que nos valham.

Depois de muito pensar, deu-me para continuar a posta assim:

Pese embora os floreados de vitórias (inóspitas) recentes, e outras vocações passadas, começa-nos a faltar aquele sorriso que acolhia com humor um vislumbre de pacemakers a que apenas faltariam as pilhas para continuar a acarditar; começa a falhar aquela vontade única de acolher no nosso seio o falhar outra vez, falhar melhor; começa a ser difícil digerir a força alquímica do reino do quase, quase, ou, para outros, ainda assim dos nossos, a república do para o ano é que vai ser. Começamos a ser outra coisa. E essa outra coisa, ainda indefinida, é o Sporting actual.

Falemos então de qualidade - pensei eu:

Não nego os meus modestos conhecimentos do jogo, mas perdoem-me a ignorância relativamente aos repastos que ditam as transferências, que (supostamente) ordenam as linhas mestras, que inclinam a gravidade dos campos, ou que enlanguescem as pernas dos jogadores e outros atributos cujos nomes desconhecemos. Não queremos o Sporting a caminhar sobre as águas (embora para o Sporting nada seja impossível), mas com a responsabilidade própria de profissionais bem pagos, ainda que alguns tenham verdadeiramente feito a pomba ao assinarem pelo Leão. Fazer a pomba é sair a sorte grande. A deles, claro.

Mas que raio, orçamento será sinónimo de qualidade?

Consultamos várias porcas e todas torceram o rabo: as condicionantes, as variáveis, as componentes são tantas, que inevitavelmente a sua gestão terá de vir de mãos hábeis, abraçadas a cérebros engenhosos e suficientemente astutos para resolverem quebra-cabeças enquanto o diabo está distraído e esfrega um olho. Podemos olhar para a massa de várias formas, mas quem a molda faz toda a diferença.

Exemplos, em cuja linguística se alicerça o vocábulo diferença (em território nacional):

Veja-se o caso do Tondela versus Sporting. Dizem-nos que o tamanho não importa, desde que, obviamente, haja trabalho. É um bom ponto de partida para mentes mais fracas e dadas a traumas, pois relativamente aos orçamentos ficamos logo esclarecidos. O Fernandes paga a equipa do Tondela. Mas isso dá-nos a obrigação de lhes ganhar? Bom, alguma coisa nos deveria dar. A bola não sendo uma ciência exacta e muito dada a surpresas lá vai seguindo o seu caminho com alguns padrões. Os nossos rivais tendo os maiores orçamentos (e controlando o futebol) são normalmente os que ganham. Aliás, sempre que jogamos com grande equipas europeias e, ressalvando algumas exceções, somos orgulhosamente ungidos pelas vitórias morais. E depois lá vem o dito: com um orçamento daqueles, também eu. Também tu?

Que fazer, afinal ó artista?

Blá, blá, blá... gerir melhor os recursos internos, rodear-se de gente competente e eficiente. Exigir desde o topo da pirâmide e responsabilizar. Ok, já sabemos. Aprender observando os outros. Não dividir para reinar, fundamentalmente se nem somos bons em contas de somar. Usar, seguindo os ensinamentos de Thomas Cromwell a diplomacia variável e a ciência da ambiguidade. Dá trabalho, mas poderá ajudar no caso do tamanho (já) não ser suficiente.  

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Várias equipas e modalidades e um só campeonato

É difícil explicar os resultados do Sporting. Os resultados são relativos, são aferidos em relação aos resultados dos adversários, em cada jogo e na totalidade dos jogos do campeonato. Ontem, o Sporting perdeu porque o Tondela ganhou e vice-versa. A classificação final reflete essa relação entre resultados que se opõem durante o campeonato. Sendo aferidos desta forma, os resultados têm de ser comparáveis. Para serem comparáveis, as equipas têm de disputar a mesma modalidade, implicando o respeito pelas mesmas regras. Por exemplo, não faz sentido admitir que equipa de andebol do Sporting possa ganhar o campeonato nacional de futebol, mas, se os deixarem jogar com a mão e aos adversários só com os pés e a cabeça, era provável que acontecesse. 

Ora, como as regras que se aplicam ao Sporting não se aplicam aos adversários, tenho muitas dificuldades de explicar os resultados e, assim, os méritos dos jogadores, treinadores e direções, porque num mesmo jogo se está em presença de mais do que uma modalidade. Pantominice na marcação de um “penalty” contra o Portimonense, três “penalties” a favor do Rio Ave, golo com o braço do Paços de Ferreira, regras diferentes para assinalar faltas e mostrar cartões em todos os jogos, especialmente no de ontem e contra o Boavista e o Paços de Ferreira. Ontem chegámos a mais um absurdo: em vez de ajudar a acertar, o VAR ajuda a errar. Não sei se ajuda ou se o árbitro gosta de ser ajudado. 

Contra-ataque, jogador do Tondela a entrar de carrinho ao pé de apoio do Doumbia seguido de outro a arrancar o Bruno Fernandes pela raiz. Cartão vermelho mostrado ao primeiro e esquecimento do amarelo ao segundo, primeira parte da rábula cumprida. Sururu do costume montado, enquanto a SporTv nos vai presenteando com uma reportagem do Doumbia a passear de mão dada com o jogador do Tondela em vez de repetir o lance pelas imagens conclusivas, como se gerar falsas dúvidas fosse um dos princípios da ética jornalística. O árbitro que viu o que viu, decidiu que tinha de ver na televisão também e cumpre-se a segunda parte da rábula. A rábula conclui-se com ele a dar o visto por não visto e a ficar-se por um amarelo. Para todos percebermos até onde se pode levar a rábula, a SporTv faz um programa a seguir para concluir que o lance era para vermelho e a decisão inicial correta. 

E o jogo continuou assim ou em modo de assim, com rábula atrás de rábula. Vemos ser marcada falta ao Bolasie quando tinha um adversário às cavalitas. Vemos não ser marcado qualquer livre, quando o mesmo jogador adversário lhe fez trezentas e quarenta e oito faltas seguidas para o impedir de entrar isolado pelo lado direito da área. Vemos ser marcada falta à entrada da área por entrada de um central do Tondela sobre o Luiz Phellype sem o correspondente amarelo. Vemos o Eduardo levar um amarelo após uma falta que não fez. Podia estar aqui os próximos dias a explicar que as regras aplicadas às duas equipas não foram iguais e, portanto, estiveram a jogar modalidades diferentes. 

O Sporting perdeu? O resultado só tem sentido se os desempenhos forem comparáveis, se a modalidade praticada por uma equipa for igual à da outra. Que sentido tem afirmar que a equipa de futebol do Sporting perdeu contra a equipa de rugby do Tondela?

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Arte e contexto

O jogo de ontem, contra o Paços de Ferreira, teve alterações táticas que deviam constar de qualquer manual de treinador de nível IV. A entrada do Borja, um esquerdino que faz parte de uma longa lista onde constam nomes célebres como o de Grimi, Marian Had, Ronny, Joãozinho, Balajic, Dimas, Zeegelaar ou Jéfferson, para atacar o nosso lado esquerdo da defesa. A entrada de Ilori que nos deixa a pensar: por que razão, estando a jogar com três avançados, o adversário resolve meter mais um? Um pouco mais tarde, compreendemos as mudanças táticas operadas na equipa do Sporting depois destas entradas, sem que o Silas tivesse necessidade de transmitir à equipa o que quer que fosse. É o trabalho invisível a fazer o seu caminho. Não sendo de esperar grande coisa do Ilori, os centrais deixaram-no solto, sem marcação, para que o Mathieu podesse marcar o Borja e, assim, evitar males maiores. 

Nevoeiro, chuva, filmagem em “zoom out” e uns mecos cor-de-rosa fluorescente a deslocarem-se, entrecortados por uma mancha azul petróleo que tudo parava para mostrar uma cartolina amarela fluorescente também, fazendo lembrar uma versão aprimorada do Branca de Neve de João César Monteiro. O que se passa no ecrã não é literal, é metafórico. Cada espetador interpreta da forma que quiser o que (não) vê. Não existe arte sem contexto, sem narrativa. O jogo de ontem prestava-se a todas, até à narrativa da sua ausência ou da sua antítese, apelando ao não-jogo, seja isso o que for na subjetividade de cada um. 

Esta semana fui ao lançamento do livro “Rendimento Básico Incondicional. Uma Defesa da Liberdade” de uns professores da Universidade do Minho. A filosofia e a arte deixam-nos a pensar, interpelam-nos. Embrulhado em ontologia, quando deixei de ver a televisão, interrogava-me: será que ganharíamos um jogo de futebol contra o Paços de Ferreira? O futebol português tem esta qualidade, a de nos deixar com mais perguntas do que respostas e com vontade de vermos mais e mais para nos inquietarmos. Espero com ansiedade o próximo jogo para que nele encontre respostas, embora não seja certo que as obtenha e não venha a ser confrontado com questões ainda mais complexas sobre a existência.