segunda-feira, 13 de maio de 2024

Cumprir calendário

Os jogos do campeonato cumprem diversas funções, nem sempre as mesmas. Assegurar que se cumpre o calendário é a função, o objetivo de que nenhum jogo se encontra dispensado. Aliás, há jogos que servem única e exclusivamente para cumprir calendário, como o deste sábado [do Sporting] contra o Estoril. O resultado deste jogo, qualquer que ele fosse, não alteraria [no essencial] a classificação e os objetivos estabelecidos para esta época nem de uma nem de outra equipa: o Sporting era e é campeão; o Estoril não descia e não desce de divisão. Nada mudou, nada mudaria.

Jogos como este obrigam a preparação especial dos espetadores. Atendendo à recente conquista do campeonato e às festividades que se seguiram, isto é, em contexto de anticlímax, exigia-se preparação especial dos adeptos do Sporting. Ou o jogo era um prolongamento da festa e constituía um pretexto para essa festa ou, então, era preciso tomar uns estimulantes [um simples café, que fosse] para permanecer acordado. Estando em Braga e não participando na festa, restava-me a segunda possibilidade; e não, não estava preparado para a sonolência da primeira parte. 

O Rúben Amorim quis proteger [e bem] o Diogo Pinto, o guarda-redes substituto, do substituto, do substituto, e manteve uma defesa mais baixa com laterais menos subidos e com menos propensão para subir [Esgaio e Matheus Reis]. O Estoril tinha dois objetivos [complementares] que se mantiveram durante o jogo: estorvar o Sporting e bater no Gyökeres. Com uma equipa que não queria arriscar no ataque [e que parecia um pouco pesada, lenta, depois das festividades] e outra que mais não pretendia do que chatear [até mais não], o jogo gerava a emoção de um filme do Alain Resnais ou do Manuel de Oliveira.

A primeira parte foi isto o tempo todo, a segunda foi isto uma parte do tempo, até o Rúben Amorim meter o Nuno Santos e o Paulinho, substituindo o Matheus Reis e o Pedro Gonçalves. A partir destas substituições, passou a haver futebol, apesar do Gyökeres continuar a ser atropelado, sem remissão, sem condescendência. A inquietação, o bulício do Nuno Santos, acompanhado da vontade insaciável do Paulinho de marcar mais um golo que seja, começaram a desmantelar o lado direito da defesa até à desistência e à vitória final. Faltando objetivos, inventam-se outros para justificar que não se tratava de um jogo para cumprir calendário. Fizemos mais pontos e ganhámos mais jogos esta época do que em qualquer outra e ainda falta um [último] jogo. Estava encontrada a razão para se voltar ao Marquês e em força!

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Entremeada no Marquês [Parte 2]

[Descobrimentos]

Não sei se se pode dizer que o Rúben Amorim descobriu [novos] jogadores, como o Catamo ou o Bragança. Talvez a expressão mais correta seja inventá-los. É descobri-los enquanto jogadores, naquelas que são as suas qualidades técnicas e táticas, e colocá-los a jogar nas posições e nas circunstâncias mais surpreendentes. A vitória no campeonato muito se deveu a estas invenções e aos seus efeitos no alargamento da base competitiva do plantel.

[Todos contam]

As idas do Catamo e do Diomandé para o Campeonato Africano das Nações e do Morita para Taça Asiática pareciam dificuldades inultrapassáveis [tanto mais que St. Juste se lesionou pela quinquagésima sétima vez, embora ainda tenha recuperado a tempo de dar uma ou outra ajuda, sobretudo nos jogos contra o Benfica]. O Pedro Gonçalves recuou para o meio-campo, o Quaresma ressuscitou e o Trincão transformou-se num monstro. O momento [aparentemente] mais difícil transformou-se no mais produtivo. 

[Cautelas e caldos de galinha]

O Sporting necessitou de quase uma dezena de defesas centrais. Este número deve-se à tática, seguramente, que implica sempre o envolvimento de três centrais e a necessidade de os ir substituindo para manter ou alterar a dinâmica da equipa [são eles que determinam o ritmo de jogo, são eles que, subindo ou descendo, colocam a equipa a jogar mais ou menos pressionante, são eles que iniciam as jogadas e é através deles que o jogo chega à frente]. Mas dispor de várias alternativas foi absolutamente decisivo para evitar vermelhos e jogos em inferioridade numérica. Uma grande parte destas substituições entre centrais durante os jogos serviram para evitar [esses] males maiores. 

[Fazer o gosto ao pé]

Já tudo se disse sobre a influência do Gyökeres na vitória deste campeonato, pelos golos que marcou, pelas assistências que fez, pelos permanentes sobressaltos das defesas contrárias. Mas a onda de ataque, a onda de golos, arrastou a equipa e todos marcaram mais golos do que se esperava. É difícil marcar o Gyökeres, mas ainda é mais difícil marcá-lo a ele, ao Pedro Gonçalves, ao Trincão e ao Paulinho ao mesmo tempo. No final dos jogos, havia defesas que já só pediam descanso e que os deixassem em paz e sossego.

[Destruir a identidade]

Na época 1999-2000 ganhámos o campeonato, com o Augusto Inácio, e na época 2001-02 voltamos a fazer o mesmo, com o László Bölöni. Não descansámos enquanto não contratámos o Peseiro para que tudo voltasse a ser como era. Com o Rúben Amorim ganhámos o campeonato nas épocas 2020-21 e 2023-24. Não satisfeito, promete ganhar mais uma e outra vez. Um dia destes somos um clube como os outros, um clube que quer ganhar campeonatos como se não houvesse amanhã, tão-só. A identidade [perdedora] laboriosamente construída ao longo de décadas e décadas está em risco. Dentro de um ano ou dois o Peseiro está disponível? E o Silas? 

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Entremeada no Marquês [Parte 1]

Preparava-me para escrever mais uma crónica de mais um jogo do campeonato, mas as circunstâncias transformaram esta partida [do Sporting] contra o Portimonense num [simples] ponto como qualquer outro do caminho que nos levou ao título de campeão nacional esta época [2023-24]. Começando pelo fim, a conclusão é uma e uma só: o Sporting dá-nos muitas alegrias, mas o Benfica dá-nos mais, muitas mais. Vamos tentar, então, fazer uma entremeada, umas coisas sobre o jogo, outras sobre campeonato, outras ainda sobre as miudezas do quotidiano [futebolístico]. 

Passei o fim de semana [prolongado] em Londres, com a família. Passeei [muito] a pé, como deve ser percorrida e visitada uma cidade. Fiz o roteiro da carne assada turística, calcorreando Soho, Piccadilly, City, Southwark, Spitafields, Shoreditch, Notting Hill, Paddington, Kensington ou Camden. Estava [sempre] à espera de encontrar o Rúben Amorim a sair de uma entrevista e a entrar noutra, tal o seu estado de necessidade, aparentemente. Também estava à espera de notícias dele nos “pubs”, nos mercados ou na rua, tal o alarme social da última semana. Falei com muita, muita gente e ninguém, mas mesmo ninguém o tinha visto por estes lados [a maioria não fazia a mínima ideia de quem fosse o Rúben Amorim, sequer].

Às seis da tarde de sábado, encontrava-me em Gatwick [à espera do voo de regresso], mas com tempo, muito tempo para [tentar] ver o jogo. Vi-o no telemóvel, o que não é tarefa simples e isenta de controvérsia na análise dos lances mais duvidosos, pois, para mim, os rapazes do Portimonense deviam ter levado mais uns tantos amarelos. O árbitro não pensou o mesmo e castigou mais os jogadores do Sporting, que levaram amarelos ao ritmo de cada tiro, cada melro, mas também é verdade que não estava a ver o jogo no telemóvel [e essa deve ter sido a razão, possivelmente]. Bem, os amarelos [e os vermelhos] ajudam a ganhar ou a perder campeonatos, mas ainda não os ganham por si só, sendo necessário marcar [golos] para ganhar jogos e, assim, campeonatos. Quando se pensa em golos vem-nos à cabeça o nome de um jogador: Paulinho. Vem-nos pelos [golos] que marca e pelos que falha. Com ele em campo, o Sporting está sempre mais próximo do golo ou talvez não, dependendo [do dia, da hora ou da sua vontade associativa].

No sábado, era dia sim e só não foi um dia sim dos que ficam para a história porque o guarda-redes do Portimonense estava com o diabo no corpo. Há sempre a possibilidade de uma explicação mais técnico-tática: sem a responsabilidade de ser o goleador da equipa, como segundo avançado, atrás do Gyökeres, encontra-se mais solto, com menos marcação e pode surpreender a defesa. Por esta ou aquela razão, marcou um golo e ofereceu outro ao Trincão, depois de uma combinação brilhante pelo lado esquerdo com o Nuno Santos. Ao intervalo, o jogo podia a devia estar [mais do que] resolvido, mas o guarda-redes não estava pelos ajustes, como disse. Pouco a pouco, na segunda parte, a dúvida e a desconfiança podiam começar a instalar-se, mas o Rúben Amorim mexeu na equipa, substituiu quem tinha de substituir [Esgaio, Pote e Diomandé], e o jogo resolveu-se sem mais sobressaltos, ainda permitindo uns truques circenses do Bragança concluídos com um passe à maneira para o Gyökeres marcar o terceiro golo.

Jogo resolvido, atraso do avião em mais de meia-hora e regresso a casa tarde e a más horas. Domingo ficou-se à espera de Godot e, estranhamente, o Godot apareceu, o que não é suposto acontecer [na peça de Samuel Beckett]. Esperava-se que o Benfica não atirasse a toalha ao chão e levasse a disputa do campeonato até ao limite do possível. Não foi capaz e a festa fez-se no Marquês com uma semana de antecedência.

[Continua ou talvez não]