Não aprecio os jogos durante a semana. Baralham-me a logística. Em condições normais, não teria visto o jogo contra o Rio Ave. Tratando-se do sétimo teste à inteligência dos treinadores portugueses e à sua superioridade em relação ao Marcel Keizer, senti-me, no entanto, na obrigação de o ver. Ainda não percebi esse exame permanente. É que o exame é para os dois lados e, até agora, os treinadores portugueses não se têm saído nada bem. Como a inteligência e a competência não escolhem nacionalidade, considero estas comparações ridículas e de mau-gosto. Como gato escaldado até de água fria tem medo, só cheguei ao Flávio cerca da meia hora de jogo, mas a equipa do Sporting trocou-me as voltas, estando a ganhar por dois a zero.
Cheguei tarde mas ainda a tempo de ver o Gelson Dala falhar isolado um golo que parecia fácil, depois de uma marcação cerrada com o olhar do Mathieu como quem diz: “se te atreves a marcar, enfiamos-vos uma mão cheia!” Pela ameaça ou por desfastio, acabámos mesmo por marcar o três a zero, em mais uma daquelas excelentes jogadas a que vamos ficando (mal) habituados. Parece tudo muito fácil. Tabela entre o Jovane Cabral e o Acuña, com este a desmarcar-se do lado esquerdo até entrar na área e, em vez de meter no meio para o Bas Dost, fazer um passe tenso para a entrada da área do lado contrário onde apareceu o Bruno Fernandes a dominar a bola com um toque, a deixá-la saltitar à sua frente para enfiar um balázio para o lado contrário sem quaisquer hipóteses de defesa. Em condições normais, o jogo teria acabado naquele instante. Nós passaríamos a engonhar e o Rio Ave a fazer de conta que fazia e acabava-se o jogo com a dignidade salvaguarda das duas equipas. A equipa do Rio Ave não quis assim e marcou-nos um golo às três tabelas ainda antes de acabar a primeira parte.
Entrámos na segunda parte dispostos a não fazer nada para alterar o estado das coisas. Havíamos ganhado três a um em Vila do Conde e a repetição do resultado constituía um “win-win”. Até que um avançado do Rio Ave tropeçou no Mathieu, tropeçou no Coates, tropeçou no Renan Ribeiro e se preparava para marcar, valendo-nos ao Bruno Gaspar. “Ai é assim! Querem brincadeira! Então vão ver com quantos paus se faz uma canoa!”, foi o que ficou a remoer nas entranhas dos jogadores do Sporting. Falhámos logo três oportunidades seguidas só para os avisar. Não contentes, os jogadores do Rio Ave resolveram pressionar o Bruno Gaspar junto à linha de fundo quando a bola em vez de sair emperrou na bandeirola de canto. A resposta a esta falta de respeito foi um turbilhão de passes e desmarcações concluído com uma tapinha de cabeça do Bas Dost. A partir do quatro a um foi o dilúvio de ambas as partes. Passou-se a jogar à bola no recreio. As oportunidades sucediam-se com os do Sporting cheios de cerimónia: “Marca tu, Bas Dost”, “Obrigado Bruno Fernandes, mas faça o favor V. Ex.ª”. O Sporting marcou mais um pelo Diaby e o árbitro inventou um “penalty” para amenizar o resultado e arranjar mais um amarelo.
Este ano, estive em Amesterdão com a minha filha, a minha mulher e um familiar um pouco mais velho: uma “soixante-huitard” da crise académica de sessenta e nove, um casal dos anos oitenta com rodagem no Jamaica e no Tóquio e uma “millennial” defensora dos direitos das mulheres e em transição para vegetariana (para não incomodar os animais). Três gerações alternativas e ninguém sabia enrolar. Acabámos por comprar uns chupa-chupas com “cannabis”. Sabia ao mesmo que um “Chupamix” (admitindo que sei qual é o seu sabor). Fisiologicamente, não se notou nada a não ser a língua esverdeada, mas fiquei muito bem-disposto. Este Sporting do Marcel Keizer faz-me lembrar esse chupa-chupa (nada de confundir com outras iguarias do “red light district”). Não sabemos o que contém, mas sabe bem. Também ficamos esverdeados e com sensação de euforia. Dá, sem dúvida, uma grande pedrada. Espera-se que a ressaca não seja má, porque origina efeitos aditivos.
Que crónica maravilhosa. Mais uma.
ResponderEliminarObrigado Francisco.
EliminarEspetáculo.
ResponderEliminarObrigado RP.
EliminarMeu caro Rui. Sou leitor assíduo do seu blog. Assíduo e silencioso. Penso nunca ter feito nenhum comentário. Hoje, e sem saber exactamente porquê, senti-me mal. E senti-me mal porque de repente percebi: tenho sido um egoísta. Venho aqui com regularidade, leio, sorrio, e volto a sorrir com frases como “… e ninguém sabia enrolar”. E depois vou-me embora todo contente. E volto uns dias depois. E até hoje nunca lhe dei nada em troca. Não é correcto da minha parte. Mas não sei bem como lhe retribuir. Talvez dizer-lhe que gosto muito do que escreve. É também como o chupa de cannabis, origina efeitos aditivos a este silencioso leitor. Continue assim. Abraço.
ResponderEliminarCaro Filipe Silva,
EliminarAgradeço as suas palavras. Seria muito hipócrita se dissesse que o “feddback” dos leitores é-me irrelevante. Sou humano e os elogios dos outros tocam-me.
Obrigado e volte sempre
"Não aprecio os jogos durante a semana. Baralham-me a logística. Em condições normais, não teria visto o jogo contra o Rio Ave. Tratando-se do sétimo teste à inteligência dos treinadores portugueses e à sua superioridade em relação ao Marcel Keizer, senti-me, no entanto, na obrigação de o ver. "
ResponderEliminarIsto. E para continuar a poder gozar com a azia dos comentadores na TV.
Caro Francis,
EliminarAinda ontem voltei a ouvir como: "está tudo por provar". Provámos sete vezes e gostámos. Se o derem a provar aos adeptos dos outros clubes vão ver que eles vão passar a gostar.
O problema é que se poderia só gostar de ver futebol, dispensando uma série de encartados a dizer banalidades de assuntos que não interessam a ninguém. Bem sei que todos têm de ganhar a vida, mas é possível arranjar formas mais dignas que não seja a de chatear os outros.
SL
Se a ressaca for em Maio... será das boas com certeza, e colectiva.
ResponderEliminarCaro S. Almeida,
EliminarNessa altura até ficava ressacado com gosto.
SL
Grande texto para um grande jogo. Este texto merece 5 a 0.
ResponderEliminarObrigado Kinder.
EliminarGrande abraço, grande texto.
ResponderEliminarObrigado Carlos Sousa.
EliminarCaro Rui Monteiro, também sou um "soixante-huitard" que viveu o "Mai'68" de muito perto e que já foi muitas vezes a "Amsterdam où (il) y a des marins qui dansent en se frottant la panse sur la panse des femmes" e que, se quiser ver o netinho, terá que visitar mais vezes do que estava previsto antes do Brexit. Nunca me aconteceu ter chupado os narinonaios locais mas, se for em Maio, maduro Maio 2019 não me importarei de fazer a experiência dê lá isso pró que der.
ResponderEliminarEu sei que nem sempre "sommes du même bord...mais on cherche le même port"!
Adoro os seus textos e espero poder ler muitos mais...
SL
Caro Aboim Serodio,
EliminarNão sei se não estamos do mesmo lado. Estou sempre do lado do Jacques Brel.
Obrigado.
Muito muito bom!
ResponderEliminarObrigado Bruno.
EliminarCaro Rui,
ResponderEliminarÉ sempre com nervoso miudinho que abro a página do ILL para ver se há novos posts.
É uma alegria ver os títulos a azul no meu caso...
SL
Obrigado.
EliminarRM
"Está tudo por provar"...ontem no galinheiro da SIC o David Borges logo seguido pelo Jorge...usou uma metáfora,fraquinha, " Kaiser ainda não descobriu a roda" ...enganam-se! pegando nos cacos de outra roda está a fazer uma roda nova.Gentinha que vive do futebol,chula o futebol mas não vive o futebol.Mais uma vez parabéns pelo excelente texto
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarFoi esse programa que ouvi um pouco. Uma autêntica vergonha. Tinha o David Borges em melhor conta. O Keizer não inventou a roda. O Keizer reinventou a roda em Portugal. O mais correcto seria dizer que reinventou a bola, dado que há anos que deixámos de ver bola, conversar sobre bola e apreciar a bola.
SL
Muito bom texto como habitual... Apenas um reparo se me permite... Havíamos ganho em Vila do Conde... E não ganhado...
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarObrigado. Acho que temos os dois razão. O verbo ganhar como alguns outros tem particípio regular (ganhado) e irregular (ganho). Em bom rigor pode-se recorrer ao dois. No entanto, penso que o regular se aplica quando o verbo auxiliar é o ter (como escrevi) ou haver (como escreveu). Não jogando à Keizer, vou substituir o Tínhamos por havíamos e deixamos o particípio regular.
SL
Esta toda a gente à espera do primeiro estampanço, e não são só os comentadores futeboleiros ou os adversários diretos, também entre nós há quem espreite a oportunidade para soltar os fogos, como diria Ronaldo.
ResponderEliminarKeizer, desmancha prazeres, vai adiando, até quando? espero... até maio.
Lesionou-se Battaglia avança Guledj, Wendel avança Miguel Luís, Nani....Jovane a tempo inteiro, Montero? eh pá! afinal o Diabby tambem marca.....e se se lesiona o Manel? avança o João.
Isto no tempo de Jorge de Jesus ja tinha dado para centenas de entrevistas. Com Kaizer se te doi a cabeça toma paracetamol.
É essa a diferença que o David Borges ainda não percebeu, também não vamos exigir que perceba.
SL
Caro João.
EliminarToda a razão. A diferença é que com o Jorge Jesus havia sempre tema de conversa para os Davides Borges desta fila. É uma forma como qualquer outra de ganhar a vida, embora bastante mais irritante.
SL