quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Bem-vindo ao sul, parte 2

O jogo contra o Aves narrado e comentado pela SporTv foi hilariante, mas a conferência de imprensa que se lhe seguiu não o foi menos. O contexto cultural conta muito e se nos distanciarmos para observar o que foi perguntado e respondido e a interação entre treinadores e jornalistas temos motivos de sobra para juntarmos a gravação ao “Monty Python's Flying Circus”.

O José Mota iniciou as hostilidades e teve o seu momento Zézé Camarinha. Com ele e outros como ele, a “estranja” é anulada. Por ele, não teria havido Invasões Francesas, sendo recambiados Junot e as suas tropas por não terem os cartões de vacinas em ordem. Estava de parabéns e os seus jogadores. A infelicidade do resultado deveu-se à eficácia (onde é que já ouvi isto) e ao árbitro. Ninguém lhe fez nenhuma pergunta incómoda. Aparentemente, se se for superior ao adversário durante os primeiros trinta minutos é-se por definição superior durante a hora e meia de jogo, não contando o resultado para nada. Ninguém lhe perguntou como é que se deixou não só anular como superar jogando com mais um jogador, tendo levado mais um golo e estado a centímetros de levar mais dois (basta lembrar-nos do fora de jogo milimétrico ao Bruno Fernandes que ia ficar isolado com o Bas Dost ou do passe do Bruno Gaspar para as costas do Bas Dost quanto estavam os dois isolados). Ninguém se lembrou também de lhe perguntar como é que se pode anular o treinador contrário e, ao mesmo tempo, não se anular, por exemplo, o Bas Dost e o Bruno Fernandes, que fizeram gato-sapato da defesa, como se uma coisa fosse diferente da outra. Uma primeira parte da conferência de imprensa em modo de convívio da Confraria dos Jornalistas e Treinadores do Futebol Português.

A primeira parte foi boa mas a segunda não lhe ficou atrás. As primeiras perguntas começaram da mesma forma: “Mr José Mota said”, seguindo-se uma algaraviada em linguagem de engate das “camones” saída diretamente do Google Translator. O Marcel Keizer manteve-se impassível, respondendo ao lado sem se desmanchar por um momento que fosse. Apresenta enormes parecenças com o Leonardo Jardim (o seu inglês chega a ser parecido com o francês dele). Admito que na cabeça de alguém como ele, acabado de aterrar em Portugal, lhe passem pensamentos como: “será este José Mota autor da sebenta do curso de treinadores da FIFA ou do Memorial do Convento?”. A parte mais cómica foi mesmo quando lhe perguntaram pelo contributo do Peseiro para o desempenho da equipa do Sporting. Em Portugal, os treinadores conhecem-se todos e são todos amigos. Sai um para entrar outro hoje, sucedendo-se o contrário amanhã. Não sabendo o dia de amanhã, nenhum pode correr o risco de não ser elogioso para com o seu antecessor, de acordo com as orientações da Associação Nacional de Treinadores de Futebol. O Marcel Keizer misturou esta pergunta com outra e respondeu como se lhe tivessem continuado a falar do José Mota. Não adivinho que se passou na sua cabeça, mas sei o que se passou na minha. O contributo do Peseiro para o desempenho de qualquer equipa (que o digam o Sporting, o Porto, o Braga ou o Guimarães) pode ser dado pela seguinte função C(p):


A expressão é um pouco estapafúrdia mas dispõe de um potencial enorme para dela se retirarem conclusões gerais, isto é, teoremas e leis. Os versados em trigonometria identificam no denominador a sua fórmula fundamental. O numerador constitui, assim, também uma fórmula fundamental: o contributo de Peseiro para o desempenho de qualquer equipa é independente da quantidade (p), medida em tempo ou dinheiro, sendo essa constante igual a zero, dado que uma volta de 360⁰ (ou 2π) corresponde à repetição da asneira. Chama-se Fórmula Fundamental de Peseiro ou Pé Zero, para os mais entendidos em futebol. 

8 comentários:

  1. Caro Rui:
    O José Mota, com aquela cara de enjoado que Deus lhe deu, e que só sorri quando perde com o seu (dele!) Benfica, ainda me fazia sorrir nos tempos do Paços, em que aparecia sempre com um boné amarelo na tola, que escolhia tendo em atenção a medida de quando tinha três anos de idade.
    Agora, e como muito bem o Rui descreve, não passa daquilo a que os ingleses chamam um "bully", ou seja, um fanfarrão.
    Herr Keizer, em antítese, tenta fazer conferências de imprensa em que, parafraseando Adolfo Simões Muller, tenta explicar "às crianças e ao povo" o futebol. Para profunda raiva dos nossos ditos jornalistas, não entra em tricas dignas da "Aldeia da Roupa Branca", e procura falar daquilo que, ao que parece, sabe e bastante.
    Portanto, caros ditos jornalistas, se estão à procura do "Monólogo do Vaqueiro", ou do "Terror e Temor", aqui não mora nem Gil Vicente nem Soren Kierkegaard. Por favor desloquem-se dois km para ocidente, passam para o outro lado da agora "Avenida Eusébio da Silva Ferreira", e decerto encontrarão quem disserte desde a Filosofia à psicologia de motivação.
    O Sr Keizer só fala de futebol, um desporto que em tempos idos, em que este não era governado por um pintas com brilhantina e um seminarista, se jogava em Portugal.
    E, caro Rui, meter o Sr Mota no mesmo saco do humor selecto e brilhante de Terry Gilliam, John Cleese e quejandos é que não. A única coisa que tenho a certeza, é de que o Sr Mota não tem gracinha nenhuma.

    Grande Abraço

    José Lopes

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    1. Caro José Lopes,

      Só agora tive tempo para lhe responder. Não sei se estou de acordo consigo. Os Monty Python não conseguiam arranjar uma caricatura melhor do José Mota do que o próprio José Mota.

      SL

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  2. Excelente post, caro Rui Monteiro!
    Felizmente os efeitos desta equação desapareceram quase de imediato com a chegada de Keiser. Terei saudades do triplo trinco... :(

    SL

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    1. Caro JHC,

      Obrigado. Vamos ter saudades do Peseiro. É mais fácil escrever depois das tácticas que ele engendrava, embora fosse um desespero ver jogar o Sporting. Opções...

      SL

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  3. Mais um texto sublime do meu caro Rui Monteiro. Não sei bem por que razão mas "ouço" nos seus textos um sotaque que me é familiar já que sou da região do Porto. Foi aliás na Universidade do Porto que completei a cadeira de Matemáticas Gerais (je vous parle d'un temps que les moins de vingt ans ne peuvent pas connaître...) onde, desde o Teorema de Abel até aos determinantes, aprendi muitas coisas que nunca utilizei em muitos anos de carreira profissional mas onde nada se disse sobre "primitivas" o que me dificultou a entrada nos "integrais" que tive que estudar no Cálculo Infinitesimal estava já eu em Coimbra! Daí a minha dificuldade na resolução da tal equação apresentada mas com a qual estou de acordo (que remédio?).
    Questão de sotaques é verdade que Keizer e Dijsselbloem (o Jeron) os têm bastante parecidos quando se exprimem em EN da mesma maneira que Jardim pronuncia o francês como todos os apresentadores e comentadores da RTP quando ousam pronunciar palavras holandesas!
    Hoje voltei a ouvir o J.P. Rocha (ucraniano?) mailo Ricardo Capela mas encontrei um site em Inglês e pude esquecer a parte mais feia do jogo!
    Proficiaat Marcel e parabéns aos jovens jogadores leoninos que foram hoje caloiros!

    SL

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  4. Respostas
    1. Caro Aboim Serodio,

      Sou professor onde fez Matemáticas Gerais, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Felizmente, hoje não é como no passado. Fazer Matemáticas Gerais não era para todos. Muitos foram mais cedo para o ultramar porque não a conseguiram fazer.

      SL

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