segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O palavrão de um puto com ar de beto

No campeonato nacional, está instituído que os primeiros vinte cinco a trinta minutos do jogo são para estudo mútuo das equipas. Nos dez a quinze minutos seguintes pode-se tentar marcar golo, mas, passado esse tempo, os últimos cinco minutos da primeira parte são jogados em clima de armistício para que ao intervalo os treinadores dêem novas indicações. Ontem, o Nacional violou grosseiramente esta regra. Não tenho a certeza que tenha sido de propósito. O jogo começou e o Nacional foi trocando a bola a passo até se aproximar da nossa área. Ao chegar ao lado direito do ataque, a passo, o Jéfferson foi ultrapassado por um adversário que ficou solto e rematou para a primeira defesa do Renan Ribeiro. Aos vinte e dois segundos de jogo, o Nacional ia marcando quando ainda estava a estudar a equipa do Sporting. Quando se aprende tão depressa, fica-se com a ilusão que se sabe tudo. Trinta minutos depois, ainda estávamos a estudar a equipa do Nacional e o Nacional já nos tinha marcado por duas vezes e ameaçado marcar outras tantas. 

Para nós, Sporting, essa primeira meia hora não serviu para testar a defesa do Nacional mas a realização da SporTv. Tabelinha a desmarcar o Diaby do lado direito, centro atrasado e Bas Dost a marcar. O árbitro anulou o golo por suposto fora-de-jogo do Diaby, sem que a SporTv nos mostrasse outro ângulo do lance que não fosse o da câmara que está fora do estádio para acompanhar a chegada dos adeptos. Mais tarde, a SporTv informou-nos que houve uma avaria, fazendo-nos lembrar os gloriosos tempos da RTP quando a imagem da transmissão desaparecia, ficando somente símbolo da mira com a frase “o programa segue dentro de momentos”. A acabar a primeira parte, o Coates avança com a bola e vai sucessivamente tropeçando nela, nos colegas e nos adversário até ganhar a linha de fundo e fazer um centro que é desviado ao primeiro poste para aparecer o Bas Dost ao segundo ensarilhado num adversário. “Penalty”, Bas Dost simula com o olhar, guarda-redes de pernas para o ar e bola no meio da baliza. Renascia a esperança. O Bruno Fernandes isola-se do lado direito depois de um ressalto e, em vez de passar ao Bas Dost, remata ao lado, deixando-o completamente furioso a enfiar uns biqueiros na baliza e a gritar uns impropérios ao seu colega (pela primeira vez vi o Bas Dost zangado). 

No final do jogo, o Marcel Keizer informou-nos que ao intervalo não se passou nada. Os jogadores terão conversado entre eles e comunicado que iriam jogar melhor. Acredita quem quiser, mas fica-lhe bem. O que vimos foi uma coisa diferente. Saiu o Bruno César, entrou o Miguel Luís, que passou a jogar mais recuado, avançando o Bruno Fernandes. Com o Miguel Luís a ocupar melhor os espaços, sempre em apoio aos colegas da frente, quer oferecendo linhas de passe seguras, quer pressionando imediatamente o adversário depois da perda da bola, o Sporting definitivamente empurrou o Nacional para trás que não mais criou um lance de perigo. O jogo começou a ficar frenético mas por uma ou outra razão a bola não entrava, até que o Marcel Keizer tirou o Nani (ficou-lhe bem fazer de conta que lhe estava a doer uma virilha para manter a compostura) e meteu o Jovane Cabral, que, definitivamente, virou o jogo. 

Recuperou uma bola, meteu de primeira para o Bas Dost que, de tropeção em tropeção, se isolou e passou para o Bruno Fernandes a empurrar para o empate. Vão imediatamente os dois buscar a bola dentro da baliza e correm para o seu meio-campo para que o jogo pudesse recomeçar imediatamente. Alvalade ficou ao rubro e, a partir daquele momento, percebia-se que nada ficaria como dantes. O Gudelj tabela com um colega, atrapalha-se com a bola, ganha o ressalto com a cabeça e, quando se preparava para ficar isolado do lado direito, um central ao procurar sacudir-lhe a caspa do cabelo enfia-lhe uma biqueirada no toutiço com o calcanhar (coisa que diria impossível se não tivesse visto). Livre e Mathieu a enfiar um míssil ao ângulo, concluindo a remontada. A loucura apoderou-se dos jogadores e dos espetadores. Mas o Nacional e o Costinha não vieram a Alvalade para nos alegrar a festa. Entraram dois avançados, cada um maior do que o outro, e foram um par de minutos de ai Jesus na nossa área com o Bruno Gaspar a tirar uma ao segundo poste e o Renan Ribeiro a defender outra. O Bruno Fernandes ainda correu sessenta metros isolado mas, agarrado e sem força, permitiu a defesa do guarda-redes adversário. Começava a rezar pela entrada do André Pinto nem que fosse para se perder algum tempo na substituição. 

O Marcel Keizer manteve-se impassível e não me fez a vontade, com razão, como se viu. O Bruno Fernandes ficou encurralado do lado direito entre a linha lateral e a linha de fundo e, quando se esperava que perdesse a bola ou, na melhor das hipóteses, ganhasse um lançamento ou um canto, enfiou a bola pelo meio das pernas do defesa que estava à sua frente, desmarcando o Bruno Gaspar para centrar ao segundo poste onde aparecia o Bas Dost que em vez de empurrar a bola para dentro da baliza como de costume foi ele próprio empurrado para dentro da baliza. “Penalty”, remate do Bas Dost, guarda-redes a voar e a tocar a bola com a ponta dos dedos e a desviá-la para o poste onde tabelou antes de entrar. O árbitro disse que foi mal marcado, o Bas Dost pediu educadamente desculpa e voltou a marcar, agora como deve ser, deixando o guarda-redes de cócoras. O quinto golo foi uma delícia. O Diaby a correr em diagonal da direita para o centro, o Bruno Fernandes a deixar passar a bola por entre as pernas, a solicitação do Jovane Cabral do lado esquerdo para o centro ao segundo poste onde aparece o Miguel Luís a atrasar a bola para uma primeira cabeçada do Bruno Fernandes, que o guarda-redes defendeu por instinto, seguida de uma recarga com o pé esquerdo a fuzilar.

Ninguém consegue explicar muito bem o que se está a passar no Sporting. Se o Marcel Keizer é um génio ou um doido varrido. Não me parece que interesse muito. No futebol português perde-se mais tempo a explicar a tática e coisa e tal do que propriamente a ver e apreciar os jogos. O que interessa mesmo é o momento, como há dias alguém referia no comentário a outro “post”. É desfrutar cada momento e manter as expetativas que mantemos todas as épocas: poucas ou nenhumas. Este jogo deixou-me, assim, exausto e sem grande vontades de análise. Retirei uma única imagem dele: quando marcámos o três a dois, as câmaras da SporTv apanharam um puto com um ar de beto a dizer um palavrão de punho erguido e aos saltos com um amigo com ar de beto também. É um puto a aprender a ser homem, isto é, um homem como eu que que se comporta como um puto sempre que joga o Sporting.

13 comentários:

  1. Caríssimo Rui Monteiro
    Pena o post acabar tão depressa.
    Junte os seus textos e publique-os em livro.
    É sucesso garantido e excelente como prenda de Natal e/ou aniversário aos sportinguistas que, nos jogos, andam ali na "corda bamba" entre a depressão e a euforia.
    SL

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    1. "...aos sportinguistas como eu que,..."

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    2. Caro S. Almeida,

      Obrigado. Não sei se os textos resistem ao tempo. Uma editora mostrou interesse, mas envolve editar textos, e fazer um documento para um primeira prova. Sou demasiado preguiçoso para tanta coisa. Se ganharmos o campeonato ainda posso pensar nisso.

      SL

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  2. A crónica que este jogo merecia. Ninguém melhor que Rui Monteiro. Vi o jogo, senti as emoções, lembrei-me dos 7x1 e dos 5x3 na Taça de Portugal na era Paulo Bento contra os do outro lado.
    Voltei a reviver o jogo no seu post.
    Parabéns.
    SL

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    1. Obrigado João.

      Foi uma doideira este jogo. No café onde estava a ver o jogo até os benfiquistas se entusiasmaram.

      SL

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  3. Mais uma grande crónica. Nacional a emocionar o pessoal da SportTv, na primeira 1/2 hora, apesar de, desta vez, o inefável RPR não ter dado o seu irritante contributo. Boa remontada do Sporting, a jogar com 9 na primeira parte e 10 na segunda; refiro-me a Bruno, o César e Jefferson, o pesadelo dos GR da própria equipa.

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    1. Meu caro,

      A malta da SporTv já enjoa. Que o José Mota tinha avisado. Que os treinadores portugueses são ladinos. Isto tudo para acabarem a meter a viola no saco. Até agora o Keizer ganhou aos treinadores portugueses e isso não implica que seja melhor que os treinadores portugueses. Quando um treinador português enfim lhe ganhar não será por isso que será melhor que o Keizer.

      SL

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  4. Este Rui Monteiro se não existisse teria que ser inventado!
    Para mim são quase as 0:30 do dia 18 e não terminarei agora o meu comentário (até para fazer crescer a água na boca eu que estou a ver o Prós & Contras que hoje é sobre culinária!)
    Direi apenas que vi o jogo pela RTPi com comentários dum tal Ventura (Gonçalo?) e pareceu=me que o Mathieu estava em offside quando disparou aquela bojarda à Messi!

    Até mais logo com SL

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    1. Meu caro,

      Foi o que devem ter pensado a minha mãe e o meu pai e ainda bem, digo eu.

      SL

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  5. Que talento, caro Rui Monteiro, olhe que esta saga do nosso Sporting precisa de um bardo...

    Desculpe o sincretismo, mas a tradição nórdica e céltica deixaram por cá coisas boas. Pena os Romanos e os meus correligionários e dissidentes (Hebreus que não acreditam e os que acreditam que o rabi de Nazaré era o Messiah), que trouxeram a culpa e necessidade de expiação...

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    1. Obrigado. Não posso é ser o Bardo de Carvalho que não se calava agarrado à lira.

      SL

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  6. Dizia eu umas 22 horas atrás que vi o Sporting-Nacional pela RTPi e, escolha minha, perdi o Levante-Barcelona.
    Agora estou a ver o Porto-Moreirense e como sei que o "portòcolo" da Taça é sem VAR ficou por marcar um penalty contra o Porto entre os dois golos! Paciência!
    Eu sou um sócio muito particular do Sporting já que estou com as quotas em atraso (serei o único?) mas tenho um mealheiro transparente onde todos os meses coloco 6 euros e em dezembro até coloquei 12! Para quê? Para pagar as quotas em atraso no dia em que me convencerem do que se passou a 15 de Maio.

    SL

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    1. Meu caro,

      Há coisas que não precisam de ser explicadas. Há coisas que simplesmente não podem acontecer. Quando acontecem o responsável é o Presidente do Clube, chamando-se Bruno de Carvalho, Frederico Varandas ou outro nome qualquer.

      Nós só queremos ver jogos do Sporting como este e não passar vergonhas. Acho que não é pedir muito.

      SL

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