quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ponta-de-lança que é e não parece e outro que parece mas não é

Sem o envolvimento emocional de um jogo contra Os Belenenses, para a Taça de Portugal, ou o Vizela, para o campeonato, o jogo de ontem para a Liga dos Campeões [Champions League, para os entendidos] presta-se a reflexão aprofundada, a abordagens mais analíticas. O Rúben Amorim tinha deixado uma ou outra pista, nomeadamente quando afirmava que a colocação de um qualquer lateral a central, como o Esgaio, conferia dinâmica diferente à equipa e ao seu jogo coletivo. Devia ter suspeitado, a relação entre categorização dos jogadores e a sua função e localização no terreno de jogo pode ser mediata, indireta. 

Contra o Besiktas, tornou-se evidente este tipo de relação e suas consequências no desenho tático da equipa. O Sporting não joga com três centrais, é um facto. Joga com dois centrais e um ponta-de-lança. Porque é que esta autêntica revolução na forma como se organiza uma equipa não se tornou visível há muito, muito mais tempo? Porque o ponta-de-lança também joga bem a central, tão bem que até parece um central. Não imaginamos o Cristiano Ronaldo a jogar no lugar do Pepe e a fazer de Cristiano Ronaldo na mesma, marcando e voltando a marcar. Nem todos os jogadores dispõem da completude de um Coates, nem todos podem ser predestinados. 

Para que esta tática apanhe de surpresa o adversário, há requisitos a cumprir. O aparente ponta-de-lança pode não ser um ponta-de-lança mas tem de parecer ou, de outra forma, um Guardiola ou um Klopp percebem o engodo e dirão para os seus botões: “com que então, o Rúben [sim, eles tratam-no com esta familiaridade] a disfarçar o ponta-de-lança de central?!” O Paulinho cumpre às mil maravilhas esse papel. Nós conhecemos um Missé-Missé, um Peter Houtman ou um Purović só pela cor ou pelo aroma, bastando para tal rodar ligeiramente o cálice enquanto com as mãos à sua volta o vamos procurando aquecer. Não somos como outros, que só sabem destrinçar um branco de um tinto, sabemos também o ano de colheita ou o sabor da Touriga Nacional, da Tinta Roriz ou de outras castas internacionais, como o Chardonnay, o Cabernet Sauvignon ou o Merlot. 

O Paulinho não é ponta-de-lança mas podia ser, como ontem teve a oportunidade de demonstrar [quem marca o golo que marcou, como quem bebe uma mini e come um prato de tremoços, podia ser]. Não, não é um nabo de um ponta-de-lança ou um nabo de um ponta-de-lança com azar, como ouvi dizer. É um jogador que faz de ponta-de-lança sem o ser porque se o fosse estava a jogar a central, como o Coates e ninguém saberia o que fazer ao Coates. Recuar tanto o ponta-de-lança levanta questões práticas quando se trata de marcar golos. Quanto mais longe se está da baliza mais tempo se demora a lá chegar. Nos primeiros momentos, quando as forças abundam, os adversários não permitem que o nosso ponta-de-lança se adiante. Pouco a pouco, vamos chegando mais e mais à frente, até aparecerem os cantos e cada um deles se transformar num “touchdown”. 

[Vamos acabar com a crónica que se faz tarde. Ganhámos quatro a um ao Besiktas e embolsámos 2,8 milhões de euros. Era preferível receber o dinheiro sem jogar, para nós e para o Besiktas. É todos os anos o mesmo: estabelece-se quem vai aos oitavos, aos quartos, às meias e à final e obrigam-se todos os outros a jogar as pré-eliminatórias e a fase de grupos como se não soubessem de nada]

6 comentários:

  1. Nada como seguir à risca um bom plano! Rúben e uefa 'on fire'!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro,
      Esperemos que não existe excesso de entusiasmo. Devemos estar concentrados em coisas mais comezinhas como o campeonato, a taça ou a taça da liga. Esta coisas das competições europeias é só para equipas como o Benfica.
      SL

      Eliminar
  2. Viva,

    O Rui também começou esta época à defesa, mas já vai chegando à frente e fazendo golos.

    O Paulinho como não quer jogar à defesa vai falhando golos a torto e a direito para continuar a poder fazer de conta que é um avançado.

    Abraço,
    Sérgio

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Sérgio,
      Agora é evidente e sempre esteve à frente do nosso nariz. Para surpreender o adversário é preciso esconder na defesa o Coates e deixar no ataque um ponta-de-lança assim-assim. Não é fácil encontrar um ponta-de-lança assim que pareça assim-assim.
      Abraço

      Eliminar
  3. Caro Rui,

    Parabéns pelo texto, como sempre na 'mouche'. Tem a vantagem acrescida de permitir analisar o jogo com o Besiktas mas também de escrever a crónica do jogo com o Moreirense antes mesmo dele acontecer! Brilhante!

    SL

    ResponderEliminar