quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Copiões

Ontem, fiquei num hotel em Lisboa a passar a noite. No quarto, comecei por preparar a reunião de trabalho de hoje que tinha justificado a minha deslocação. Acabada essa tarefa, fiquei sentado na cama com o comando da televisão na mão a desfilar os canais, tentando ultrapassar o habitual tédio deste momento (o mais deprimente de quem está habituado a viajar em trabalho). Independentemente dos canais, o tema era sempre o mesmo: Benfica, Benfica e mais Benfica.

Com o BdC, todos os canais se transformaram na SportingTv. Sentíamo-nos sempre em casa. Agora, todos os canais se transformaram na BenficaTv. Não nos sentimos em casa, mas o processo mediático é o mesmo. De repente, temos especialistas de bola a falar sem se rirem de Código Penal e Código Processo Penal; temos juristas a falar disso, mas, sobretudo, de bola e de cabalas sem se rirem também. Na SportingTv os temas e os intervenientes eram os mesmos. Os benfiquistas não suportam o sucesso dos outros e desataram a copiar-nos: copiões, é o que eles são.

Como tinha dito aqui e aqui, os administradores da SAD do Benfica começaram por considerar que o facto de não saberem implicava a não existência. Agora, passaram a considerar simplesmente que o facto de não saberem (só eles, Deus e o Ministério Público é que sabem se sabem ou não) não os responsabiliza. Aparentemente, há quem alinhe nesta nova metafísica da linguagem que não é nova, se nos lembrarmos das declarações dos administradores da PT e do BES na Comissão de Inquérito da Assembleia da República.

Numa organização que se preze, o desconhecimento dos seus administradores de atos e factos potencialmente graves responsabiliza-os por isso mesmo: por não saberem. É suposto que saibam e, sobretudo, que não ignorem. É para isso que lhes pagam salários simpáticos. Neste caso, a situação agrava-se. Podiam não saber dos factos, mas sabiam da gravidade das suspeitas e nenhuma diligência interna efetuaram entretanto para os apurar ou, pelo menos, não o demonstraram.

Numa organização que se preze, existindo suspeitas, o funcionário é suspenso de funções e é aberto respetivo processo de inquérito para apuramento de atos, factos e, potenciais, responsabilidades, podendo acabar em procedimento disciplinar. Estas diligências efetuam-se, antes de mais, para defesa da organização e do próprio funcionário. O que os administradores da SAD do Benfica deviam estar a informar os acionistas, os sócios do clube e os adeptos em geral era dessas diligências e respetivas conclusões; e não a fazer juras de desconhecimento e de “licitude”.

Numa organização que se preze, administradores que assim não procedessem iam para o olho da rua pelo seu próprio pé ou empurrados quando viessem com juras e não com atos e conclusões. Esta responsabilidade pode não ter contornos criminais (os tribunais é que servem para isso), mas não deixa de ser responsabilidade e de ter responsáveis (embora esta responsabilidade seja de natureza diferente da anterior, embora potencialmente complementar em função da gravidade dos atos e factos apurados internamente e consequente comunicação ao Ministério Público).

14 comentários:

  1. Caro Rui. Os três grandes monopolizam as notícias, maioritariamente por mais motivos. Grande abraço e parabéns pela análise realizada

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    1. Meu caro,

      O problema é que é sempre por más razões, gerando uma perceção de impunidade e de falta de responsabilidade que é péssima para o país. Há sempre desculpas para tudo. Há mais país para além da bola.

      Abraço

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  2. Então quando alguém quisesse que alguém fosse despedido de uma organização, bastava fazer uma denúncia anônima para o DIAP, aberto o inquérito o desgraçado iria para a rua, despedido sem apelo nem agravo!

    Para estes chico-espertos a presunção de inocência é apenas uma grande chatice que os democratas gostam de invocar em seu próprio benefício!

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    1. Rapaz, es burro? Se o chefe nao sabe, mas toda a gente sabe menos ele, porque ha mais de um ano que se fala nisso nos media, havia que averiguar. Tens o exemplo por exemplo da lei, se nao conheceres a lei, nao e motivo para seres ilibado, aqui e igual, por isso e que os administradores sao bem pagos.Eu sou gestor, e sei tudo o que se passa na minha empresa, e nem toda a informacao e oficial....alguma vem por linhas travessas mas ....legais, sao muitos anos disto e este pais onde trabalho nao e a republica das bananas portuguesa, aqui tudio pia mais fino.

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    2. Ou seja, tens bufos na tua empresa e instigas a delação. Tens razão, o botas morreu mas o espírito salazarento perdura, mas é tudo legal.

      Já agora, fia mais fino e não pia.

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    3. Meu caro,

      Esse é o pão-nosso de cada dia em Portugal. Somos um país de bufos, por inveja ou por razões tão mesquinhas como essa. Por isso, é que são necessários procedimento internos para despistar situações e assegurar, de facto, que existe presunção de inocência e que as pessoas não possam ser caluniadas.

      Já me aconteceu. Num caso em particular, a denúncia anónima era especialmente grave, envolvendo eventual corrupção. A pessoa visada na denúncia foi suspensa das funções que estava a desempenhar e passou a desempenhar outras. Foi aberto o referido inquérito de forma célere e discreta. Concluiu-se que a denúncia não tinha fundamento. O inquérito foi arquivado e a pessoa voltou às suas funções normalmente.

      Admita que não se fazia nada. A pessoa mantinha-se em funções sabendo ela e os colegas que havia suspeitas, fundadas ou infundadas, graves? Isso era péssimo para a pessoa e para a organização. Aliás, esse inquérito permitiu ainda reforçar procedimentos e mecanismos de controlo da organização, para que não restassem assim quaisquer dúvidas.

      Neste caso, a denúncia anónima também foi remetida para o Ministério Público que por sua vez, como ficámos a saber ais tarde, também abriu um inquérito. Também se ficou a saber mais tarde que foi arquivado. Se o Ministério Público nos perguntasse o que quer que fosse, nós podíamos dizer sem nos rirmos que não sabíamos de nada e não tínhamos responsabilidade de nada?

      Em síntese, é para que existe presunção da inocência e para que as pessoas não possam ser caluniadas é que existem diligências internas e quem tem responsabilidade numa organização não pode andar a fingir que não sabe de nada, não atuando em função do que sabe. Há quem tenha estes cuidados todos ganhando uma fração do salário dos senhores administradores.

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    4. Com bufos ou sem bufos,o chefe tem de estar ao corrente de tudo,eu por experiência e no meu cargo tenho bufos que me transmitem aquilo que eu quero saber,a palavra bufo e muito ampla,toda a gente fala ,toda a gente comenta,esquecendo-se do fundamental que é o dever do sigilo.Eu desprezo os engraxadores e queixinhas,mas com um pouco de ratice e inteligência basta ler nas entrelinhas,daí que os meus bufos,sejam de terceira categoria!No país onde desempenho o meu trabalho e na organização onde sou gestor de departamento as falhas não passam com um copo no fim do trabalho ou jantar com o patrão....aqui é logo investigação ,inquérito e processo disciplinar.Vinha mal habituado de Portugal!

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    5. Caro Fernando Gonçalves,

      Só em Portugal é que administradores pagos a peso de ouro no Benfica, na PT ou no BES (a lista não acaba) têm a lata de dizerem que não sabem o que se passa na organização que têm e responsabilidade de dirigir. A malta aceita e até arranja mais desculpas ainda.

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    6. Caro Rui,eu tirei um curso superior de línguas,fui modesto guarda redes sem profissional,baterista profissional em várias bandas ,trolha e até camionista.Juntei o que aprendi em psicologia,Psico sociologia das organizações,sociologia,com a experiência de trabalhar e resolver conflitos ,organizar,distribuir tarefas e liderar indivíduos e continuo a fazer formação regular,talvez a parte de ser trolha,camionista e afins esteja a faltar no currículo dos nossos gestores de topo!ou quiçá também falte umas estadias em Caxias,Carregueira ou Custóias!Saudações leoninas

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  3. «o desconhecimento dos seus administradores de atos e factos potencialmente graves responsabiliza-os por isso mesmo: por não saberem»

    Acontece que um vice-presidente do Sporting foi condenado em Tribunal, por ter tentado subornar um árbitro e por ter corrompido funcionários públicos para obter informação confidencial de árbitros no activo e, segundo consta, o Sporting não foi responsabilizado por NÃO TER CONHECIMENTO dessas acções.

    Agora com o caso Cashball, a mesma coisa. Dois funcionários do SCP foram acusados de praticar 36 crimes de corrupção desportiva, foi encontrado um saco azul de 60 mil euros nas instalações do clube, e nem o Sporting nenhum dos seus administradores foram acusado.

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    1. Caro José Manuel,

      Que grande confusão que para aqui vai. Vamos por partes para ver se percebe melhor.

      As pessoas que exercem cargos de administração são responsáveis pelo que se passa na sua organização, independentemente de se tratar de matéria criminal ou não. A matéria criminal compete aos tribunais julgar e lá julgarão. Se tem ou não tem consequências desportivas ou outras lá estarão para o determinar.

      O BdC não organizou o ataque à Academia de Alcochete, mas não podia sacudir a água do capote de um caso dessa gravidade. Os sportinguistas consideraram-no responsável, independentemente de saber ou não, e colocaram-no da porta para fora.

      O PPC foi acusado e condenado pelos tribunais. O tribunal condenou-o ao que teve de condenar e não tenho nada a dizer. Antes de ser acusado e condenado, os sportinguistas colocaram-no no olho da rua.

      No “cashball” há suspeitas, investigações e arguidos. Não há nenhuma acusação, pelo menos por enquanto. Se houver e houver condenações cá estaremos para as aceitar. Entretanto, o funcionário do sportinguistas foi suspenso de funções, primeiro, e despedido, depois (tanto quanto sei).

      Nós tivemos uma situação grave, o nosso Alcochete, e pusemos o presidente a andar. Vocês têm agora o vosso Alcochete. Vão pôr o vosso presidente a andar ou precisam dos tribunais para isso?

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    2. Companheiro,rivalidades a parte ,aquilo que vocês tinham em casa é espionagem profissional com a agravante de ser um atentado à um pilar fundamental da nossa democracia.Imagine que naquela sad estivesse documentação da sua vida pessoal.....como é que era?O Benfica manteve sempre a confiança em Paulo Gonçalves,embora já houvesse fumo por todo o lado, não seria melhor ter tirado a confiança ao homem e abrir um inquerito de modo a proteger a sad?Assim tornaram-se cúmplices,não há outra forma. No Sporting o Cristóvão foi logo denunciado,quanto ao Cashball,não meto as mãos no fogo,mas havemos de lá chegar,tenha calma!

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    3. Isso de ter a informação resultante da espionagem e dar a desculpa que não sabiam ou não a estavam a usar faz lembrar o meu vizinho que foi apanhado com erva,mas coitado, ele até nem a ia fumar!

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  4. Isto é um pouco chato, o dito cujo é sempre o último a saber.
    Isto é bola, como diz Rui Rio, os gajos da bola não são confiáveis. No entanto em que outro pais europeu uma toupeira espiolha os processos da justiça, albaroa um dos pilares do estado, e os principais responsaveis deste estado....moita carrasco.
    ELEITORALISMO.
    Ja dizia Churchill : a democracia é o pior dos regimes politico, exceptuando todos os outros.

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