terça-feira, 30 de abril de 2024

Gyökeres quer e a obra nasce, ponto final

A vergonha tem ou deve ter limites. Há ou deve haver limites para se escreverem crónicas de jogos que não se vêem. Em [grande] parte, este jogo [do Sporting] contra o Porto foi mais um deles. Passei o fim-de-semana com uns amigos e amigas do tempo da universidade e do Instituto Superior de Agronomia em Ermidas do Sado. Regressei no domingo à tarde, ainda assim a tempo de ver os últimos vinte minutos do jogo. 

O jogo jogado não parecia concordar com o resultado [estávamos a perder por dois a zero]. Tínhamos a bola enquanto o Porto apenas corria atrás dela, nada de mais frustrante [e cansativo, para o corpo e para a mente]. Quando a perdíamos, rapidamente a recuperávamos. Atacávamos uma e outra vez, ininterruptamente. Não se criavam oportunidades, é um facto, mas havia insistência, persistência no ataque. Um golo podia baralhar o jogo, mudar tudo, era o que pensava ou desejava, o que os sportinguistas também pensavam ou desejavam. O pensamento, o pensamento analítico e a fé andam a par no futebol, no Sporting ou noutro clube qualquer.

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, disse-nos Fernando Pessoa. Não foi muito específico, convenhamos. Não parece razoável seguir uma lógica sequencial tão exigente em todas as circunstâncias, nem andar a incomodar Deus por tudo e por nada [muito menos com o futebol]. Há lógicas e sequências mais simples: no Sporting, o Gyökeres quer e a obra nasce, ponto final. Quis uma, quis duas e não pôde querer mais porque o Edwards não queria [de todo] e foi-se embora mais cedo. De uma derrota humilhante passou-se a um empate honroso em menos de um fósforo e o campeonato ficou ao virar da esquina. 

[Esta semana vou voltar a não ver o jogo, mas a escrever a habitual crónica desse jogo que não verei. É preciso continuar até ao fim, a não ver jogo atrás de jogo, mas a escrever crónica atrás de crónica de jogos que não vejo. Em equipa que ganha não se mexe e não, não estamos em tempos de arrependimentos] 

terça-feira, 23 de abril de 2024

Foi bonita a festa, pá

Conforme a época se aproxima do seu final e como perante factos não há argumentos, instalou-se uma certa resignação no futebol português, dando-se o título de campeão por entregue [e não se falando mais nisso]. Vai-se tentando destabilizar a preparação da próxima época do Sporting e pouco mais, com esta ou aquela transferência, incluindo a transferência do Rúben Amorim para o Liverpool [até ver, porque hoje também se falava no West Ham]. Neste jogo de domingo, contra o Vitória de Guimarães, estranhei, portanto, que a equipa não entrasse no estádio de camisola vermelha com publicidade ao Standard Chartered Bank. Percebi, então, que o jogo sempre era em Alvalade [e não em Anfield] e os adeptos continuavam a cantar o “My Way” [e não o “You'll Never Walk Alone”].

O Estádio de Alvalade está a transformar-se na Disneylândia ou na Feira Popular: abanam-se os telemóveis com a lanterna ligada, faz-se a onda ou a “Hola” Mexicana, grita-se, grita-se muito e festeja-se, festeja-se ainda mais, golo após golo até à vitória final. É pena que não se possam fazer piqueniques em Alvalade pois não faltariam famílias deitadas em mantas comendo pasteis de bacalhau e rissóis de camarão e desfazendo paulatinamente uma asa de frango de churrasco atrás de outra. Há alegria, mas é uma alegria tranquila, sem ansiedades. Há uma normalidade tão, mas tão normal, que até o Gyökeres resolveu molhar a sopa outra vez [duas vezes, aliás] para que essa normalidade fosse a mais normal possível. Não, não há notícias e essa é a boa notícia.

Os primeiros vinte e vinte cinco minutos ainda ameaçaram coisa um pouco diferente. A bola parecia que não queria andar e os jogadores também não. O torpor sportinguista foi de tal forma que o Vitória de Guimarães foi a primeira equipa a rematar com perigo à baliza [do Sporting]. O Bragança irritou-se com este arrojo vimaranense [não me lembrava de alguma vez ter recorrido a esta expressão] e resolveu fazer das suas [das dele, salvo seja]. Foi à esquerda do ataque fazer um centro tenso ao segundo poste, onde apareceu o Geny Catamo a receber a bola, a simular, a rematar e a acertar num defesa que estava especado na linha de baliza. Pediu a bola dentro da área, recebeu-a com o pé, atrapalhou-se com dois defesas e ressaltou para o Pedro Gonçalves a encostar para o primeiro golo. A acabar a primeira parte, o “tiki-taka” entre o Hjulmand, o Pedro Gonçalves e o Bragança acabou com uma bojarda do Gyökeres para o segundo golo.

No início da segunda parte, o Pedro Gonçalves desmarcou o Trincão dentro da área que, depois de uma receção excecional, passou para o Gyökeres empurrar a bola para a baliza e fazer o três a zero. O Vitória de Guimarães rendeu-se. O jogo estava resolvido, mas os adeptos e espectadores tinham adquirido bilhete para o tempo todo, para toda a segunda parte também. Como não havia necessidade de continuar a jogar à bola como se disso dependesse o resultado, a festa ficou ainda mais bonita [estava para acrescentar o “pá” do Chico Buarque]. Não faz sentido continuar a analisar a segunda parte, pois seria uma análise sobre a festa e as suas sociabilidades sportinguistas. Importante, importante é não nos confundirmos e confundirmos a festa dos adeptos com a festa dos jogadores e da equipa técnica. Esta festa [ainda] não tem razão de ser. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. É preciso continuar jogo a jogo, crónica a crónica, pois nada está decidido até tudo estar decidido.

sábado, 20 de abril de 2024

Estado da nação

 

Não há nada de invulgar nas notícias que desbaratam o plantel do Sporting, incluindo arredores e áreas adjacentes, como barracões velhos vendidos para o Liverpool ou o Arsenal de Londres. A única coisa verdadeiramente excepcional são estas notícias nascerem velhas, isto é, copiadas de outras, igualmente com os pés para a cova. Estamos em condições especiais de informar os sportinguistas sobre o verdadeiro estado da nação:

Antonio Adán: lesionado e quase vendido para uma liga de veteranos.

Franco Israel: possíveis interessados não faltam (isto não quer dizer nada mas ouve-se muito).

Ricardo Esgaio: Na iminência de ser vendido (risos).

Gonçalo Inácio: vendido desde o ano passado - não se sabe quem tem jogado em seu lugar.

Ousmane Diomande: vendido pelo menos desde a última CAN – substituído por um primo muito parecido, sem que se note grande diferença.

Jerry St. Juste: após a leitura de “A Rota da Porcelana”, livro escrito por Edmund de Waal, percebendo semelhanças com o seu própria trajecto, decide produzir e protagonizar uma série baseada no livro e na sua experiência, apenas não se sabendo se alguma lesão o impedirá de cumprir esse ensejo, fazendo justiça à sua fragilidade e beleza intrínsecas.

Eduardo Quaresma: Após aquela comemoração do golo contra ao Braga, Quaresma deveria ser parte da mobília, embora se saiba que até os barracões estão de partida.

Sebastián Coates: só sai quando aprender a falar qualquer coisa em português, como nomeadamente ou geringonça.

Luís Neto: coach de mística futeboleira e psicologia positiva, escreverá livros e verá o seu podcast correr mundo sem sair do banco.

Iván Fresneda: místico, perdão, futebolista espanhol: vende-se!

Nuno Santos: vendido ainda com o penteado antigo, isto é, sem cabelo.

Geny Catamo: vendido sem estar ainda comprado.

Matheus Reis: possíveis interessados não faltarão (assim é mais compreensível).

Morten Hjulmand: vendido.

Hidemasa Morita: 売られた

Daniel Bragança: vendido ao CDS (só pode ser pelo cabelo à foda-se).

Koba Koindredi: procura-se.

Pedro Gonçalves: a caminho da selecção de Trás-os-Montes.

Trincão: como diria o Jardel: um clássico é um clássico e vice-versa: vendido!

Marcus Edwards: como diria o Ronaldo: sem disciplina o talento não serve para nada: vende-se.   

Viktor Gyökeres: Gyökeres: vendido, várias vezes. Quem tem jogado é o Viktor com os resultados que se sabem.

Paulinho jogador: alvo de várias abordagens - fica nem que seja a roupeiro.

Paulinho roupeiro: recusa receber quaisquer emissários Árabes e de países com línguas esquisitas, diz que o seu coração não tem preço, embora vá a caminho de um pacemaker.

Rúben Amorim: desconhecido treinador sem habilitações vai a caminho de três ou quatro clubes de futebol (talvez os mesmos que tem comprado os barracões velhos), de duas agremiações de bairro e de um grupo de seminaristas com provas dadas na formação. Diz-se que são tantas as assinaturas que um imbróglio judicial se avizinha.

Hugo Viana: está em negociações consigo próprio e possivelmente com outros.

Todos os caminhos vão dar a Alvalade!

 

(tenho faltado aos treinos por razões profissionais e pessoais, afinal o plantel o ano passado passou para três elementos – todos em negociações para sair, vamos ver como corre daqui para a frente).

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Sem desculpas

Esgotadas as desculpas [que dava a mim próprio] para não ver os jogos do Sporting, mandei fazer a revisão ao “pacemaker” e fiz-me ao caminho, isto é, preparei-me para ver o jogo [do Sporting] contra o Famalicão. Os primeiros trinta ou trinta e cinco minutos foram entediantes, com o Sporting permanentemente a atacar e o Famalicão a defender como podia e não podia [ou não devia, mas podia]. O Pedro Gonçalves marcou um golo e um defesa não gostou e marcou-lhe os pitões no peito do pé um pouco mais tarde. 

Cada um marca o que pode e como pode e a mais não é obrigado. Os comentadores descreveram e explicaram muito bem explicadinha a calcadela [ou o calcão] no Pedro Gonçalves, não dispensando abundantes referências geográficas e anatómicas, embora esse diagnóstico não tivesse produzido qualquer conclusão prática [a palavra “penalty” não deve fazer parte do livro de estilo]. O árbitro não viu ou viu assim-assim e ficou à espera do que o vídeo-arbitro, o ajudante do vídeo-árbitro e o ajudante do ajudante do vídeo-árbitro pudessem ter visto. Não ficámos a saber se tinham [ou não] visto e o que tinham visto, se viram alguma coisa, mas não deixarão de nos explicar um dia destes, num programa de televisão perto de si. 

A partir dessa primeira meia hora, os jogadores do Famalicão passaram a padecer de uma doença com sintomas um pouco estranhos. Quando se aproximavam de um jogador do Sporting atiravam-se para o chão, rebolando agarrados à cara. Admiti que se tratava de uma doença contagiosa dos jogadores do Sporting e essa seria a razão para os amarelos que o árbitro lhes foi mostrando, sabendo [como sabe e todos sabemos] que o Rúben Amorim os substituiria na primeira oportunidade e eliminaria o risco de propagação da doença.

Na segunda parte, os jogadores do Famalicão vieram mais rijos e espevitados enquanto os do Sporting pareciam mais cansados e expetantes. Podia continuar neste ramerrame, descrevendo a inconsequência do Famalicão e a aflição do Sporting na segunda parte e como o resultado permaneceu. Poder, podia, mas não é fácil falar sobre tudo e sobre nada só para encher chouriços e cumprir esta promessa de continuar, jogo após jogo, a escrever crónica após crónica até ao final do campeonato. Faltam cinco jogos, cinco crónicas.

[Conforme este ou aquele jogador se foi destacando, assim a imprensa lhe foi arranjando destino para a próxima época. Pouco a pouco, deixaram de existir jogadores disponíveis para mais e mais notícias, mais e mais transferências. Sobrava o Rúben Amorim, mas até a ele já lhe arranjaram destino. O futebol, o jogo, pode esperar, enquanto se discute mais esta transferência]  

terça-feira, 16 de abril de 2024

Novo ansiolítico

“Não te esqueças de escrever o post sobre o jogo [do Sporting contra o Gil Vicente] que não viste”, foi a mensagem que recebi hoje, pela manhã. Não ver um jogo, não ler um livro ou não assistir a uma peça de teatro não é razão para não se falar como se se tivesse visto, lido ou assistido, embora não se deva começar por o admitir [como é este o caso]. Jogo a jogo, crónica a crónica, eu e Rúben Amorim começamos a ser um caso de estudo [muito] sério. É possível ganhar sem o Rúben Amorim? É possível ganhar o jogo seguinte sem a minha crónica do anterior? Ninguém quer arriscar, pois há coisas com as quais não se brinca, independentemente de o respeitinho ser muito bonito.

O chouriço vai-se enchendo sem se dizer coisa com coisa. Setecentos e vinte e sete caracteres [já] estão escritos e ainda não falei do jogo [que não vi]. No entanto, a paciência do leitor também tem limites e não se deve abusar. 

Não vi o jogo em direto, mas vi-o depois, em diferido, como se costuma dizer. Vi-o enquanto dormitava [na segunda parte, especialmente] e, portanto, foi como se não o tivesse realmente visto [na mesma]. O Nuno Santos está castigado, logo joga o Esgaio do lado esquerdo, a solução mais simples, mais óbvia. O Hjulmand também está castigado, logo joga o Daniel Bragança como se sempre tivesse sido titular. O Quaresma anda amuado por ter perdido a titularidade? Mete-se o rapaz e guarda-se o St. Juste para o jogo seguinte. O Coates está cansado? Mete-se o Diomandé e guarda-se igualmente o capitão para o jogo seguinte. Tudo muda, tudo permanece [na mesma]. Marcámos quatro na primeira parte e desistimos [ou descansámos, o que vai dar ao mesmo]. A única notícia é a não existência de notícias ou a notícia de que o Gyokeres não marcou [ou marcou, mas foi considerado autogolo do guarda-redes, como se fosse ele a cabecear para a sua própria baliza].

Há quem tenha insónias ou dificuldades em adormecer. Há medicamentos que ajudam a conciliar o sono e permitem um sono retemperador. Os nomes são [re]conhecidos. A partir de sexta-feira, o "Gil Vicente vs Sporting" passou a estar disponível para esse efeito. Há em gotas, em pomada ou em comprimidos. É remédio santo. 

[Este jogo foi um Lexotan, um Xanax ou um Sedoxil, mas desengane-se quem pense que também vai ser assim hoje, mais logo, contra o Famalicão. Difícil ou fácil pouco importa. O que importa, o que verdadeiramente importa é a vitória e, quanto isso, fiz a minha parte]  

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Um final feliz ou um guião que se escreveu sozinho

Vi a primeira parte do jogo [do Sporting] contra o Benfica para o campeonato no passado sábado. Não aguentei ver mais [vi a segunda depois do jogo acabar, em diferido]. Uns tantos árbitros portugueses conseguem transformar qualquer jogo num martírio, num suplício, tantas são as falta e faltinhas e os amarelos e vermelhos que tanto se mostram como se escondem. Nesta arte de arbitrar a toda a sela, o Artur Soares Dias é o “pináculo da perfeição”, como diria o Miguel Araújo, se tivesse que escrever uma canção. 

O jogo deixa de ser jogo e passa a filme de suspense, a “thriller”. Apita uma falta e ficamos a pensar se naquela considerou [mesmo] falta ou se é compensação pela outra que marcou à equipa contrária ou que não marcou à mesma equipa. Uma simulação corresponde a um amarelo, mas na simulação seguinte é falta ao contrário, sem amarelo. Deixa uma pista aqui, outra acolá e os espetadores que se desenrasquem a entender o enredo, embora o enredo não tenha princípio nem fim, sendo construído conforme as filmagens se vão desenrolando. Os factos confundem-se com as interpretações para que a ficção [o filme] possa começar a emergir. 

Os jogadores participam com vontade, mas ninguém lhes explicou que não são os artistas principais. Estão habituados a ser protagonistas, procuram comportar-se como protagonistas [mesmo quando desatam à chapada uns aos outros] e continuam a parecer os protagonistas para os menos avisados. O protagonista é um e um só e não, não partilha o palco com mais ninguém, nem com o vídeo-árbitro. O jogo é uma amálgama de cenas, de “takes” e de “frames” que a cada um compete editar ou montar, o melhor que saiba e possa. O resultado é o do costume porque o futebol português não precisa de emoção, de surpresa. Acabado o jogo vêm as explicações e as culpas e cada um procura a melhor explicação e distribuir as culpas e, assim, se constroem heróis e vilões.

Às vezes o guião foge ao guionista. Há três anos, um piscar de olhos maroto de dois miúdos [Matheus Nunes e Pedro Porro] mudou o enredo e o resultado. No sábado, um miúdo moçambicano encheu-se de fé e, como todo um estádio gritava, rematou com o pé trocado e trocou as voltas ao destino. De tempos a tempos, há quem acredite, jogo a jogo, que pode determinar o final e fazê-lo feliz.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Caminhando pela noite dentro

Não vi o jogo da segunda mão da Taça de Portugal [do Sporting] contra o Benfica ou não o vi em direto, melhor dizendo. Não estava com os melhores dos pressentimentos e resolvi dar uma volta a pé pela cidade, cumprindo o ritual dos dez mil passos diários a que me obriguei. Foi um dia frio e chuvoso e, à noite, embora deixando de chover, o tempo manteve-se frio e a ameaçar mais uma bátega a qualquer momento. Praticamente não se via vivalma ou um simples automóvel a passar e o silêncio revelava uma cidade suspensa no tempo enquanto o jogo decorria.

Com o telemóvel sem som, sem som de notificações, procurava interpretar o silêncio ou este ou aquele ruído, por mais reduzido que fosse. A meio do passeio noturno consultei a aplicação que mede os passos e a [extensão da] deslocação. Vi que tinha umas mensagens de uns amigos. Embora uma ou outra fosse mais enigmática, parecia haver uma crescente euforia. Não resisti e consultei o resultado: as equipas estavam empatadas, dois a dois. Conclui o resto do passeio com os sentidos ainda mais alerta. Não havia barulho e sem barulho o Benfica não podia estar à frente da eliminatória, mas podia tê-la empatado. 

Conforme me aproximava de casa, começou a aparecer um ou outro automóvel e uma ou outra pessoa a fazer o habitual passeio noturno com o cão pela trela. O jogo parecia ter-se concluído e continuava a não haver barulho numa terra de benfiquistas. Dois mais dois costumam ser igual a quatro, mas no futebol e no futebol português pode ser o que um homem quiser, se o homem tiver um apito na boca. Só quando cheguei a casa é que voltei a olhar para o telemóvel. Tinha mais uma série de mensagens de amigos e numa delas viam-se a festejar. 

Sentei-me e vi o jogo do início. A primeira parte foi do Benfica e a segunda mais repartida, com o Sporting a criar as melhores oportunidades de golo [dois golos e dois remates com o Gyökeres e o Paulinho isolados] e o Benfica a dispor da bola [mais tempo] e a atacar mais. Vi [e ouvi] a conferência de imprensa do Rúben Amorim. Interpretou bem o jogo a meu ver. O Benfica pressionou e pressionou bem e o Sporting teve dificuldades em circular a bola até se libertar para o ataque. O Benfica teve mérito, mas, sem o Pedro Gonçalves [e o Paulinho no seu lugar] e o Trincão em modo complicativo, a jogar para o seu umbigo, era certo e sabido que [mais cedo do que tarde] o Benfica recuperava a bola e intensificava a pressão. 

Com as substituições ao intervalo, o Sporting conseguiu libertar-se [mais] para o ataque, pelo Geny Catamo, baralhando as marcações da defesa e do meio-campo e deixando [mais] soltos o Gyökeres e o Paulinho. O Benfica insistia uma e outra vez nas jogadas pelo lado direito do ataque, onde o lateral direito [Bah] combinava bem com o Di Maria, neutralizando o Matheus Reis, nem sempre bem ajudado pelo Bragança ou pelo Morita por dentro, aparecendo o Neres a arrastar ainda a marcação do Inácio e abrindo a defesa para exploração de uma qualquer penetração do Rafa ou de um centro para o segundo poste. Conforme o tempo ia passando, o Benfica queria, mas não podia [nem conseguia, muito menos], o Sporting não queria ou queria, tão-só, que o jogo acabasse. 

[Tratou-se de uma boa partida de futebol porque o árbitro deixou jogar, apesar das permanentes simulações do Di Maria ou do Rafa. É estranho, muito estranho mesmo. Sportinguista escaldado de água fria tem medo e, portanto, atenção, muita atenção à arbitragem do próximo jogo no sábado] 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Assim e em forma de assim

Depois de alguns jogos, voltei ao Flávio para ver o Sporting contra o Estrela da Amadora. Costuma dizer-se que não se deve regressar onde se foi feliz. No Flávio já fui feliz, infeliz e nem feliz nem infeliz e, assim, posso sempre regressar. A média aritmética desta [in]felicidade é uma coisa em forma de assim, como diria o Alexandre O'Neill. No Flávio, o meu estado [de espírito] médio é este e o estado médio do futebol português não é melhor. Não havia razão para este jogo ser melhor do que a média, isto é, para que este jogo não fosse uma coisa em forma de assim também.

O início foi auspicioso: canto a favor do Estrela da Amadora, centro [tenso] ao primeiro poste, ninguém ataca a bola com determinação, ela passa e o Franco Israel sai da baliza para evitar o pior e consegue fazer pior do que o pior que pairava na sua cabeça quando decidiu o que decidiu. Se se sofre um golo deve-se sofrê-lo da forma mais inexplicável possível para que não se corra o risco de ser classificado como frango. O soco na bola foi efetuado de tal forma que gerou um efeito que, em vez de a projetar para a frente, levou-a a embater no poste da própria balizar e a permitir um cabeceamento, na recarga, para o primeiro golo [do Estrela da Amadora]. O Franco Israel propocionou-nos uma autêntica aula de física aplicada, uma aula de engenharia.

A resposta foi imediata. Havia um jogador de risco ao meio muito parecido com o João Félix. Tinha jogado do Barcelona, aliás. Um pastelão com fintas e fintinhas até perder a bola e nos fazer perder a paciência. Embora seja muito parecido, com o mesmo risco ao meio e tudo, há um jogador novo [Trincão, de seu nome] que não está para brincadeiras e joga como se não houvesse amanhã. Pegou no jogo e só descansou depois de lhe dar a volta, depois de o virar do avesso. Centro para a entrada da pequena área e cabeçada do Paulinho para o primeiro golo. Corrida em ziguezague pelo meio-campo fora, remate colocado à entrada da área, guarda-redes a defender como podia e Nuno Santos a empurrar a bola para a baliza. Em pouco tempo, em pouco mais de um quarto de hora, estávamos a ganhar por dois a um e a aguardar que o Gyökeres [também] molhasse a sopa, como habitualmente.

Na segunda parte, mais minuto, menos minuto, esperava-se pelo golo fatal, o golo da confirmação. Estranhamente, o Trincão, o tal rapaz novo, foi substituído pelo João Félix ou por outro do mesmo género [de risco ao meio]. Por isto ou por aquilo, por falta de jeito, por jeito a mais, o golo não apareceu e foi-se instalando a ansiedade que sempre antecede o “acontecer Sporting”. Sem direito a dois ou três “penalties”, Rúben Amorim teve que fazer as substituições que se impunham e o assunto do jogo passou a ser a possibilidade de uns tantos levarem cartão amarelo e ficarem indisponíveis para o jogo que se segue, contra o Benfica. A preponderância deste tema na análise antes, durante e após o jogo é bem reveladora do tal futebol luso em forma de assim. E foi assim e em forma de assim que o Sporting geriu o jogo até ao final sem um susto, um tremelique ou um remate do Estrela da Amadora.  

[Mais vale tarde do que nunca. Continuamos jogo a jogo, crónica a crónica, mais “penalty”, menos “penalty” do Benfica, mais confusão, menos confusão do Porto, mais árbitro, menos árbitro. É sempre assim, é sempre em forma de assim, é sempre esta estranha forma de vida]