quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Embirrar

A política serve múltiplos propósitos. Ao embirrar-se com os políticos [ou com alguns deles, pelo menos], evitamos embirrar [ou embirrar muito] com a família, os amigos ou os vizinhos nas reuniões de condomínio, por exemplo. A política tem vindo a perder importância, preponderância nas nossas vidas e, assim, cada vez temos mais dificuldade em recorrer aos políticos para preenchermos a quantidade de embirração a que todos temos direito [o famoso direito à embirração no qual assentam as democracias liberais]. O futebol tem vindo a substituir a política em várias dimensões [o futebol é a política por outros meios e vice-versa, como diria Clausewitz se se tivesse lembrado] e também nesta da embirração. Não se embirra com as equipas adversárias ou os seus jogadores, quando muito detestamo-los [mas esse é um sentimento sem grande nobreza, convenhamos]. Embirrar é uma coisa que dedicamos aos nossos, isto é, cada adepto embirra com os jogadores do seu clube, não fazendo qualquer sentido um adepto do Sporting embirrar com um jogador do Benfica ou um adepto do Benfica embirrar com um jogador do Sporting. Só se embirra [com] de quem se gosta ou se é obrigado a gostar [nem que seja à força por força da falta de alternativas].   

Se não se lerem estes prolegómenos com a devida atenção, pode-se pensar que não fazem sentido quando se pretende escrevinhar uma crónica sobre o jogo de ontem [do Sporting] contra o Tondela para os oitavos de final da Taça de Portugal. Apelo, como sempre apelo, à inteligência dos leitores, dos leitores deste blogue. Num jogo como este, as possibilidades de recurso a segundas e terceiras escolhas aumentam e, aumentando, aumentam também as possibilidades de embirração. Para [só] falar dos mais [re]conhecidos, ontem tínhamos o Neto, o Esgaio, o Trincão e o Paulinho para embirrar. É aquilo que se designa nesta área do conhecimento como um festim, uma orgia [de embirração, não fazer confusões].

Afazeres profissionais impediram de ver o jogo desde o início. Quando comecei a ver, estávamos a ganhar por dois a zero. Reduziam-se a pó [ou a pouco mais] as possibilidades de embirrar nos termos previamente estabelecidos [ou pensados] e, por isso, comecei a embirrar sem sujeito, a embirrar por embirrar. Revejo o primeiro golo e volto a ver o Gyokeres a associar-se com os seus colegas como se fosse amigo do Paulinho desde a escola primária: depois do Edwards, agora também com o Nuno Santos e o Pote. Não é possível não embirrar [nem que seja um bocadinho] com um jogador que parece ser amigo de outros com que nós [sempre] embirrámos. Começo a pensar que se ele se continua a associar ainda desaprende e deixa de marcar golos. Estava a começar a embirrar solenemente com esta perspetiva quando ele resolve marcar o terceiro golo [com uma simplicidade desarmante, limitando-se a desviar de cabeça a bola do guarda-redes, quando era dado como incapaz de cabeçadas]. No início da segunda parte, irritado [não confundir sentimentos], volta a marcar mais um golo, aproveitando-se de um mau atraso de bola ao guarda-redes provocado pela pressão do Paulinho [ao que isto chegou, sim, depois da pressão do Paulinho sobre um adversário, leram bem!].

Cerca dos cinquenta minutos, com quatro a zero, o Ruben Amorim manda desmontar a tenda, substituindo o Inácio e o Gyokeres. Fiquei cerca de quarenta minutos a olhar para a televisão sem qualquer propósito enquanto bebericava o chá verde que tinha pedido [no Café Flávio, como de costume]. Para me ocupar ou ocupar o tempo, procurei embirrar, embirrar com todas as minhas forças e em várias direções e sentidos. Comecei pelo Neto e não consegui. Passei para o Esgaio e inconsegui também. Virei-me para o Trincão e os resultados não foram muito melhores [fiquei irritado quando falhou isolado, mas não cheguei a embirrar propriamente]. Desesperado, apostei tudo no Paulinho. O Paulinho não deixa ficar mal seja quem for, seja em que circunstância for. Isolado, espirra-lhe o taco e a bola acaba no guarda-redes. Isolado, espera, espera tanto, mas tanto pela desmarcação do Afonso Moreira que a partir de certa altura a possibilidade de lhe passar a bola era nula e, entretanto, também já não tinha ângulo para tentar o remate direto à baliza, acabando a bola às três tabelas a embater no poste. Enfim, estavam reunidas as condições para embirrar [com]. Debalde, não consegui, fiquei irritado, chateado, mas não embirrado. Voltei para casa e rebobinei [esta expressão é para os da minha geração] o Congresso do Partido Socialista e a apresentação da Aliança Democrática. Senti-me profundamente aliviado.

12 comentários:

  1. Seja como for, antes se embirre a ganhar.

    Os textos estão a voltar às temperaturas de antigamente! Obrigado.


    Ah, e porque isto, a brincar a brincar, ainda se engana algum mais desprevenido, note-se q o Paulinho é mesmo um perfeito pino!! fica a nota.

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    1. Obrigado, meu caro.
      Estou a procurar encontrar o jeito outra vez, embora não querendo replicar-me. Quanto ao Paulinho, é sempre preciso alguém com quem embirrar. Entre o Paulinho e o Borja, prefiro o Borja.
      Abraço,
      RM

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  2. Caro Rui,
    Duma maneira qualquer você fazia falta (pelo menos a mim) aqui no seu blog! Isto não quer dizer que eu também volte a comentar só porque sim ou para poder gerir seja o que for!
    Acontece que eu também imbirro com esse quarteto que acabou por não enunciar mas que coincide com o de muita genteI!
    Abraço com SL
    Aboím

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    1. Caro Aboím,
      Uma das razões que me fez regressar [para já] foi a falta que senti dos vossos comentários, da vossa atenção, da vossa simpatia. Vamos andando e vamos vendo se o interesse continua a ser recíproco.
      Abraço,
      RM

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  3. Caro RM, permita-me embirrar com qualquer coisa, neste caso com os comentadores do Benfica-Braga na RTP1, que mais parecem da BTV, e já agora com a figurinha de preto, mais conhecido como ferrari vermelho. Obrigado.

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    1. Meu caro,
      Ser do Benfica é ser bom chefe de família e por aí fora. A pátrica confunde-se com o Benfica, pelo menos para alguns.
      Abraço,
      RM

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  4. Rui Monteiro
    De Barcelos, um grande abraço. Continue a embirrar.

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    1. Obrigado, meu caro. Embirrarei enquanto até que a voz me doa.
      Abraço,
      RM

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  5. Já começava a embirrar com o blog ...por falta das suas crónicas SL

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    1. Meus caros,
      Os "posts" do Gabiel Pedro são absolutamente imperdíveis. Espero é que se deixe de preguiças!
      Abraços,
      RM

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