domingo, 7 de janeiro de 2024

Prefiro não o fazer

Passei uma parte da tarde de ontem a ler “Bartleby, o Escrivão”, de Herman Melville, que comprei numa simpática livraria aqui de Braga [a 100ª Página]. O escrivão Bartleby leva a passividade ao extremo, não se recusando propriamente fazer o que quer que seja, mas preferindo não fazer o que quer que lhe fosse solicitado. A [permanente] resposta “Prefiro não o fazer” deixa qualquer um desarmado e muito mais o seu patrão, um advogado de Nova Iorque. Estive várias vezes para escrever a crónica do jogo [do Sporting] contra o Estoril, mas o “Prefiro não o fazer” foi mais forte do que eu e do que o meu sportinguismo. Mas o livro tem um fim trágico e a última coisa que me ocorre é transformar a passividade em desistência. 

Dizer que o jogo era decisivo é pouco, muito pouco. O jogo era de importância transcendental para estatística futebolística como ciência ao alcance de poucos [mas do Paulo Sérgio seguramente]. Existe uma relação de causa e efeito entre pontapés de baliza ou cantos e golos ou uma simples correlação [embora com um erre quadrado elevado]? Essa era a pergunta a que este jogo procurava dar resposta, a hipótese que precisava de ser testada. O resultado também interessava, mas encontrava-se numa segunda ordem de importância. Assim, de forma disfarçada, uma vez fingindo que dominava mal a bola, outra parecendo que a atrasava ao guarda-redes, o Nuno Santos ofereceu dois cantos ao adversário. Os cantos foram marcados e, bem, acontecer, aconteceu alguma coisa, mas não foi qualquer golo. 

Ficava por saber se essa relação ou essa correlação resultava do engano do árbitro e não do canto ou do pontapé de baliza propriamente ditos. O árbitro fez por se enganar e tanto se enganou que transformou um canto a nosso favor num pontapé de baliza para o Estoril, sem que nada de especial acontecesse, muito menos um golo [quanto mais um golo de calcanhar do Paulinho]. Mais tarde, no dealbar do jogo, um canto contra nós acabou no golo de consolação do Estoril, depois de um desvio marado do Paulinho para o meio da grande área. Com estas evidências, não sei o que se pode concluir. Conclusão pode não haver, mas permanece uma hipótese de trabalho: com o Paulinho em campo parecem acontecer coisas surpreendentes, do arco da velha, embora nem todas muito agradáveis [pelo menos para nós, sportinguistas].

Do jogo não sei se se retira muito mais ou retira-se o costume. Na quinta-feira à noite, enquanto procurava perfazer os habituais dez mil passos diários debaixo de uma chuva insistente, deparei-me na ombreira da porta de um prédio com um homem de pijama e chinelos rodeado por três cães falando francês ao telemóvel. “O que faz um homem de pijama e chinelos rodeado por três cães falando francês ao telemóvel em Braga numa noite chuvosa de quinta-feira?”, foi a pergunta que me veio à cabeça. Parece que esta situação, esta pergunta não tem relação com o jogo. Nada de mais errado. É que é mais fácil encontrar um homem de pijama e chinelos rodeado por três cães falando francês ao telemóvel em Braga numa noite chuvosa de quinta-feira do que um avançado como o Gyokeres. Que o digam os jogadores do Estoril que, no final, estavam em muito pior estado do que o General Custer e o 7º Regimento de Cavalaria após as investidas dos “sioux” e “cheyenne” liderados pelo Sitting Bull. 


[Os mais distraídos podem ser levados a pensar que escrevi a crónica prometida do jogo do Sporting contra o Estoril. Os mais atentos terão reparado que não escrevi crónica nenhuma. Simplesmente, prefiro não o fazer]   

2 comentários:

  1. Olá Rui, por favor, contune a "não escrever crónicas", pois nós vamos continuar a não as ler :)

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