Há coisas com as quais não se brinca. Não, não é aquela coisa do respeitinho ser muito bonito. É mais simples e mais complicado, pois sabemos que não devemos brincar com essas coisas, embora brincar com elas [racionalmente] também não tenha consequências [ou não aparente tê-las]. Desde o meu recente regresso à blogosfera, o Sporting só tem registado vitórias. A cada crónica sucede-se uma vitória, à qual se sucede uma nova crónica. Ainda não escrevi a crónica do jogo [do Sporting] contra o Chaves e o jogo [do Sporting] contra o Vizela é já amanhã. Como não se brinca com a sorte [ou o azar], vou escrever a malfadada crónica para não me sentir responsabilizado se alguma coisa vier a correr mal [cruzes canhoto].
Depois deste tempo todo, mal me lembro desse jogo e vou ter que consultar as mensagens que fui trocando. “Desde o Palombella Rossa, do Nanni Moretti, que não me interessava assim por um jogo de polo aquático!”, diz-me um amigo. Ora aqui está um bom ponto de partida para se escrever qualquer coisa sobre o Sporting e este jogo contra o Chaves. Nanni Moretti [ator para além de realizador] representa o papel de um dirigente do Partido Comunista Italiano no contexto da implosão do sistema partidário do pós-guerra [e das vésperas ascensão de Silvio Berlusconi a primeiro-ministro de Itália]. Uma e outra vez, vai-nos aparecendo o ator num momento decisivo, o momento da marcação de um “penalty” [num jogo de polo aquático].
A alegoria presta-se a diferentes interpretações e não vou ser eu a limitar a imaginação de ninguém. Há quem possa pegar pelo jogo; há quem possa pegar pela agonia do Partido Comunista Italiano; há quem possa pegar pelo Silvio Berlusconi e o seu Milan daquela época [com jogadores como Baresi, Maldini, Donadoni, Ancelotti, Rijkaard, Gullit ou van Basten]. O meu ângulo de análise, a minha interpretação é radicalmente diferente [disruptiva, seria a melhor forma de a qualificar]. O que este meu amigo me transmitia era que o relvado se assemelhava a uma piscina. Não se está em presença de uma metonímia, de uma sinédoque ou algo do género, mas de uma hipérbole. Eu diria de outra forma: alguém resolveu instalar um estádio e um relvado em plena Rede Ecológica Nacional e Rede Natura 2000. Ouvia-se o coaxar das rãs e andavam num vaivém espécies exóticas como um Esgaio, um Trincão ou um Paulinho.
Quanto ao jogo, sim, quanto ao jogo [que eu estou cá para falar dele e só dele], começámos por falhar, continuámos a falhar e preparávamo-nos para concluir falhando. O acaso resolveu o problema e, depois de um pontapé de canto, de um cabeceamento falhado, de um passe com o braço de um jogador do Chaves, o Paulinho ficou como o Nani Moretti no momento do “penalty”. O Paulinho é muito menos sofisticado do que o Nani Moretti e, por isso, não refletiu politicamente sobre a situação tal e qual como lhe era ou foi apresentada e limitou-se a empurrar a bola para a baliza [os simples são assim, fazem as coisas sem pensar no que estão a fazer e nas consequências do que fazem ou se preparam para fazer]. O vídeo-árbitro demorou uma eternidade para validar o golo, admitindo-se também que estivesse a ver o Palombella Rossa e a refletir sobre as democracias liberais contemporâneas. Começando a segunda parte, o Nuno Santos faz um centro atrasado para a entrada da área e o Trincão colou a bola no ângulo da baliza. A probabilidade de se voltar a ver uma coisa desta do Trincão é a mesma de se ver duas vezes o Cometa Halley: quem viu, viu; quem não viu, bem pode ficar à espera sentado [ou à espera do Cometa Halley]. O Pote resolveu dar a festa por concluída com um dos seus habituais passes para a baliza, demonstrando que o falhanço na primeira parte [quando, isolado, enfiou uma bolada no guarda-redes], se tratava de uma situação que não o dignificava e, marcando golo, o colocaria ao nível de qualquer um, de um simples aproveitador de azares alheios.
Não há muito mais a dizer sobre este jogo. Fiz a minha parte. Escrevi o que me lembrava. Escrevi o que havia para escrever. Podia ter escrito mais e melhor? Poder, podia, mas o jogo também podia ter sido um pouco melhorzinho. Que venha o Vizela que estou [definitivamente] preparado [espero que o Rúben Amorim e a equipa também].
ResponderEliminarThx!!!
Está a ser um prazer!
EliminarObrigado, meu caro. Este exercício de escrever uma não-crónica como se fosse uma crónica um uma crónica como se fosse uma não crónica reproduz o estado de espírto permanente do Esgaio quando conduz a bola com a canela para o ataque e lhe atravessam a cabeça uma meia dúzida de ideias sobre o que fazer com ela.
EliminarAbraços,
RM
Olá Rui
ResponderEliminarNada de quebrar a regra, que está a funcionar! E é sempre um prazer poder ler as suas crónicas
Obrigado, Paulo. É jogo a jogo, crónica a crónica,
EliminarAbraço,
RM