Ontem era dia de ir ao Theatro Circo, ao cinema, ver “Folhas Caídas”, realizado por Aki Kaurismäki, finlandês que passa metade do ano em Viana do Castelo. O ritual de ir ao cinema não é, não pode ser o mesmo de ir ver a bola no Flávio [se tivesse pescoço para isso, nunca deixaria de ir ao cinema sem uma camisola de gola alta preta]. Chego à bilheteira e o filme está esgotado. Tento mostrar-me consternado, não me é permitida outra atitude [sim, ou melhor, não, não procuro parecer o tipo de pessoa que vai para os cafés ver a bola e escreve umas patacoadas sobre o que vê ou não vê, tanto faz]. Para que não restem dúvidas sobre a minha consternação, compro bilhetes para o filme da próxima segunda-feira [“Os Delinquentes”, de Rodrigo Moreno].
A atitude de quem se prepara para ir ao cinema não é a mesma de quem se prepara para ir ver a bola. Entro no Flávio ainda a tempo de ver o Trincão marcar mais um golo, depois do Edwards se embrulhar com a bola e dois adversários. Ainda com a atitude de quem vai ao cinema, procuro encontrar uma interpretação, uma explicação razoável para o que acabo de assistir. Não é simples compreender esta súbita vontade do Trincão de fazer o gosto ao pé jogo após jogo e mais do que uma vez por jogo, como ontem. Talvez Trincão tenha deixado de ter medo de existir, de encontrar a sua razão de ser, o sentido último de cada pontapé na bola, que carecia sempre de sentido, quanto mais de direção.
Com cinco a zero ao intervalo, não era de esperar uma segunda parte empolgante. Admitia até a possibilidade de julgamento no Tribunal Penal Internacional se ultrapassássemos o nosso melhor resultados dos últimos cinquenta anos. Esperava-me [esperava-nos] quarenta e cinco minutos de tédio. Recebo uma primeira mensagem “WathsApp” com notícias dos agricultores em França. Recebo outra com uma pequena chalaça: “É preciso acabar com a corrupção mesmo que se tenha de pagar algum por fora!”. Recebo a seguinte com um “link” para um guia metodológico para avaliação de políticas públicas. A meio de um jogo, uma mensagem destas de um sportinguista constituiu um pedido de socorro, na esperança de que alguém possa falar com o Gyökeres. Ou porque falaram ou porque não avisaram o Geny Catamo que o jogo tinha acabado, os rapazes do Casa Pia levaram ainda mais três [golos] de castigo.
[O meu amigo Pedro Almeida faz hoje anos, sessenta anos. Éramos amigos em Viseu e fomos, com um ano de diferença, estudar para Lisboa: eu agronomia, no Instituto Superior de Agronomia; ele economia, na Universidade Nova de Lisboa. Há muito que não nos (re)vemos. É, sempre foi, uma das mentes mais irrequietas que conheci e conheci muitas assim. Queria ser tudo, quase tudo na vida. Adorava escrever. Fazíamos noitadas a escrever à desgarrada. A partir de uma palavra ao acaso no dicionário, escrevíamos uma frase e depois outra e outra ainda até construirmos um texto. É a ele e a essa paixão inconsequente pela escrita que dedico esta postada, com um grande abraço pelo seu aniversário!]