quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O cansaço

As equipas do Jorge Jesus são sempre espremidas até ao tutano. Não é só assim no Sporting. Foi assim no Benfica. O lote de fieis é sempre reduzido, aparentemente pelo facto de ser muito difícil a todos os jogadores do plantel interpretarem o modelo de jogo preconizado pelo treinador. Esta é a justificação que nos vai sendo apresentada e tem alguma lógica.

Quem tem responsabilidades de liderar um grupo de trabalho ou uma organização, sabe que tem de contar com todos (os treinadores – uns mais do que outros - ainda têm a possibilidade de andarem sempre a dispensar jogadores e a contratar outros). A falta de motivação de uns contamina os outros. Uma organização ou um grupo de trabalho é muito mais do que a soma das partes, isto é, tem de gerar processos produtivos com rendimentos crescentes à escala. Recorrendo ainda mais ao economês, chama-se a isto a divisão social do trabalho, na linguagem mais da escola marxista, ou as economias de escala dinâmicas, na linguagem mais dos neoclássicos.

Não consigo compreender como é que os treinos podem ser intensos e intensamente trabalhados se uma parte dos jogadores sabe que pouco conta. Como é que os jogadores dessa parte podem entrar em campo, quando faltam os outros, sabendo que o treinador não confia neles, por mais que lhes diga o contrário antes de jogarem?

Não percebo nada de futebol como profissional, sou um simples adepto, mas pratico e ensino coisas destas há umas décadas. A experiência também me ensinou que as pessoas são todas diferentes, têm as suas idiossincrasias, sejam jogadores de futebol ou secretárias de uma repartição pública. É preciso saber falar com cada uma delas. Com umas conversa-se de uma maneira com outras de outra. No final, o discurso tem de ser coerente e justo para com todos. Não há nada que mine mais uma organização que a perceção dos que lá trabalham da injustiça (e a injustiça que mina mais não é absoluta é a relativa, a que tem por referência os outros).

A profundidade do plantel e o cansaço de alguns, físico e psicológico (que é o mesmo porque não existe corpo sem espírito e vice-versa), numa equipa como a do Sporting, não resulta tanto da qualidade individual dos seus jogadores mas, sim, da falta de concorrência saudável para uns e da sensação de exclusão do grupo para outros.

Não sabemos o que se passa nos treinos do Sporting e na relação do dia-a-dia entre o treinador e os jogadores. Só conhecemos, pelo menos eu, o que é visível durante os jogos. O Jorge Jesus não tem autodomínio. Grita com os jogadores e humilha-os, fazendo-o mais com os que têm menos estatuto e são mais jovens (não me parece que os temos da relação que estabeleceu com o Coates ou com o Mathieu, por exemplo, sejam os mesmos da que mantém com o Gelson Martins, o Iuri Medeiros ou o Palhinha). Há jogadores que reagem a isso de uma maneira e outros de outra. A reação não pode ser boa para todos, porque cada um é uma pessoa diferente.

O que acabei de escrever é especulativo e resulta do simples facto de neste momento, antes de me deitar, não ter nada de mais interessante para fazer. Mas se o diagnóstico tiver alguma ponta de verdade, então o Jorge Jesus tem de mudar alguma coisa. Não tem mal nenhum. Aprendemos todos os dias e mudamo-nos em resultado dessa aprendizagem. Os jogadores têm de perceber de que forma devem jogar para o treinador se sentir mais confortável com o modelo de jogo que quer adotar. O treinador tem de adaptar o seu modelo de jogo para que os jogadores se sintam mais confortáveis a pô-lo em prática. Se nessa frente tudo correr bem, as vitórias farão o resto (embora as vitórias dependam de imponderáveis que nem os jogadores nem os treinadores controlam).

11 comentários:

  1. Caríssimo Rui:
    Há dias, num outro blogue, para comentar exactamente este tema do "cansaço", achei por bem perder um pouco de tempo a escrever algo que me tinham comentado e que, vindo de quem veio, me leva a ser explicação credível.
    Vários comentadores do mesmo blogue, em resposta, apesar de sportinguistas, fizeram comentários que me levaram a pensar que, na verdade, fiz mal em inserir um comentário técnico. Não voltarei a comentar lá, porque acho que se ofenderam.
    Como tenho o caro Rui na conta de uma pessoa com espírito analítico, aqui copio de novo o comentário.
    Espero que ache a explicação válida.

    Um Abraço grande,

    José Lopes

    "Caros Amigos:
    Este tema do cansaço é um chapéu daqueles americanos, em que se lê “one size fits all”, ou seja, dá para tudo.
    Há vários anos tive uma conversa com um amigo, Professor de Educação Física ligado ao futebol.
    Ele teve o previlégio de, já trabalhando com equipas portuguesas, ser-lhe proporcionado um estágio com o Manchester United.
    A conclusão dele, depois de lá passar foi de que a diferença (surprise, surprise) é igual a zero, ou seja, treina-se exctamente do mesmo modo.
    É claro que a minha pergunta seguinte foi sobre eventual diferença de morfologia e de aptidão para o esforço continuado. Nada, nova resposta negativa, os jogadores do sul da Europa, e portugueses também, que jogam na liga inglesa, jogam e treinam como os outros, com os mesmos resultados.
    Que Diabo, qual então a diferença, perguntei eu…
    Resposta, com um sorriso: muito simples, os ingleses vão treinar e a seguir vão para casa e ficam deitados durante horas, a descansar. Os jogadores aqui em Portugal, saem dos centros de treinos e vão passear com as namoradas, dar entrevistas, andar nos centros comerciais, dar umas cambalhotas na cama, etc.
    Mas, se se transferem lá para fora, têm que fazer como os outros, senão são aquecedores de banco.
    Portanto, meus caros, da conclusão de quem sabe, que não sou eu, a resposta: ATITUDE dos atletas, CONTROLE e EXIGÊNCIA da estrutura.
    Lembram-se do papel do Octávio no Porto? Bater às portas de casa dos jogadores às duas da manhã a ver se estão acordados?
    Caso não saibam, sei por amigos portuenses e portistas, que no Porto há uma rede nos bares e discotecas, de tipos que, se um jogador do Porto se está a demorar a sair para a caminha, ou bebe de mais, se chegam a ele e o aconselham a ir para casa, senão denunciam à SAD.
    Tanto assim é, que vejam os jogadores que vêm de campeonatos mais competitivos para o nosso: ao princípio parecem um filme do mudo, é tudo acelerado, ao fim de uns meses é o diabo.
    Se bem se lembram, um dia quase crucificaram o Van Wolfswinkel por dizer que em Portugal havia sol, se comia bem e se treinava pouco. O rapaz tinha razão…
    Um Abraço,
    José Lopes

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    1. Caro José Lopes,

      Essa é uma parte da verdade a meu ver. Se vamos por razões culturais nunca chegamos a lado nenhum. Somos assim e nunca deixaremos de ser assim enquanto estivermos em Portugal. Não é simplesmente verdade e não tem nada a ver com a cidade do Porto ou a de Lisboa. O Mourinho ganhou tudo o que havia a ganhar com uma equipa portuguesa e com a maioria de jogadores portugueses e brasileiros.

      Quando é necessário andar a bater às portas para ver se os jogadores lá estão é por que nada funciona. Quando existe uma liderança adequada que constitui um grupo com identidade, são os próprios elementos do grupo que sancionam os comportamentos que não são ética e profissionalmente aceitáveis. Mais uma vez, compete ao treinador criar um grupo com valores éticos e profissionais com os quais se encontram comprometidos.

      SL

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    2. Terá sido por aí a exclusão do ruiz e do schelloto???? Talvez, leva-me o caríssimo a pensar...

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    3. Caro João,

      Se assim foi então ainda pior, dado que esses jogadores passaram a época toda a jogar, ficando os colegas no banco.

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  2. Acho que é fácil perceber porque é que Jesus aposta sempre nos mesmos. É que quando os "mesmos" saem para entrarem os "outros", perdemos pontos ou perdemos jogos. Bruno César entra, não faz melhor. Alan entra, não faz pior nem melhor, simplesmente não faz. Podence entra, mas não faz golos. Jonathan entra, sofremos golos e ataques cardiacos. Iuri entra e a bola não entra. Assim é dificil não jogarem sempre os "mesmos"!
    Miguel

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    1. Ainda me recordo do tempo em que o Gelson entrava 5 ou 10 minutos e como dizem os "experts" na matéria, agitava, mexia com o jogo e não raras vezes com resultados práticos.

      Conclusão, já não fazem jogadores como ( o Gelson) antigamente.

      Faz-me alguma confusão, ouvir ou ler, exigência de oportunidades e depois criticarem os poucos minutos concedidos.
      Nos grandes clubes, a exigência terá de ser máxima, quer trabalhem 5 ou 95 minutos.

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    2. Caro Miguel,

      Essa é a resposta mais fácil, mas, a meu ver, não colhe e, mais do que isso, não desresponsabiliza o treinador. Quem escolheu os jogadores foi ele. É verdade que as escolhas estão determinadas por objetivos e recursos, mas é sempre assim na vida. Numa empresa, por exemplo, não chega lá o gestor e despede toda a gente e contratada uma equipa nova. Tem de trabalhar com aqueles que lhe colocam à disposição. Na minha vida profissional, nunca tive d despedir uma pessoa e raramente me deixaram contratar. Quando tive de contratar, nem sempre preferi o Cristiano Ronaldo da coisa.

      Se comparar com o que faz o Sérgio Conceição percebe que o seu argumento é falacioso. Há dois anos o Marega era assobiado pelos adeptos e foi dispensado. O Aboubakar foi dispensado porque falhava golos atrás de golos. O Sérgio Oliveira não calçava. O Layun esteve com as malas à porta. O Herrera nem o podiam ver. O Marcano era um buraco. Estes e outros nas mesmas circunstâncias jogaram contra nós e deram-nos um arraso de bola.

      SL

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    3. Caro Anónimo,
      Deve ir um pouco mais longe no que diz. Estou de acordo quando diz que a exigência é a mesma jogue-se 90 ou 5 minutos.

      Agora, o que joga 5 tem que estar convencido que os seus minutos são tão importantes como os dos outros. De outra forma, pensa, com razão, que entrou para queimar tempo. O que joga 90 tem de estar consciente da importância, tantas vezes decisiva, do que joga 5 minutos. São ambos importantes, independentemente do tempo que jogam.

      Compete ao treinador, mais uma vez, criar um grupo em que todos se sintam importantes e a contribuir para o sucesso global independentemente do tempo que jogam.

      SL

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  3. Totalmente de acordo, Rui. O meu ponto de vista, é que sendo o mesmo treinador, (na verdade já Marco Silva fazia o mesmo) que colocava o Gelson em campo alguns minutos, e este correspondia com humildade, entrega e vontade em contribuir para o sucesso da equipa, o problema pode bem estar nos jogadores. Por isso dizia já não fazem (formam) jogadores como o Gelson.

    O importante é exactamente a síntese final do seu comentário, compete ao treinador criar as condições para que todos se sintam importantes e que saibam e estejam motivados e preparados para desempenhar a função que lhes está reservada no colectivo.

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    1. Infelizmente não aparecem quaresmas nanis e cr7 todos os anos. Vêm uns Williams patrícios e adriens pelo meio...quero com isto dizer que neste momento não temos desiquilibradores no plantel em abundância mas continuamos a ter boa equipa. Também eu lamento a falta de rasgo no ataque, mas aí deveria ser responsabilidade da liderança a escolha de uma ou duas aquisições que complementassem as peças existentes.
      Essencialmente a equipa precisa de velocidade de ponta...

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    2. Caro João,

      O Porto meteu o Corona que criou logo um lace de perigo que deu o livre defendido pelo Patrício. Quando se quer mudar o jogo a partir do banco as alternativas não são muitas e o JJ não as potencia.

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