sábado, 12 de março de 2016

A rigidez da oferta de golos

A minha filha veio passar o fim-de-semana a casa. Caso raro e, portanto, motivo de festa. Fomos almoçar fora. Fomos ao sítio do costume almoçar o que sempre almoçámos. Há hábitos que não se podem perder. Pelo caminho, ainda lhe expliquei que os quadros de Van Gogh têm uma oferta completamente rígida. O homem já morreu e por muito que os preços das suas obras aumentam ele não pode pintar mais nenhuma. Não consegui explicar a variação do excedente líquido dos produtores se porventura se descobrissem mais dois ou três quadros dele (dão-se alvíssaras a quem souber explicar).

A compreensão de um génio criador, como o Van Gogh, foi fundamental para ver o jogo do Sporting. Os génios criam a partir de praticamente nada. Uma ideia, uma sensação, qualquer coisa no ar permite a criação da obra de arte. Foi o que fez o Slimani duas vezes. No primeiro golo, a receber um alívio da defesa do Estoril, a fintar, sem praticamente se mexer, mais um defesa e a rematar ao ângulo. O segundo golo só existe na cabeça dele, em termos literais e metafóricos.

Depois do jogo da semana passada, mudei de estádio. Decidi ver o jogo no Tribuna, onde estive a trabalhar durante a tarde, enquanto a minha filha estudava. Vi-o em modo sportinguista escaldado de água fria tem medo. O Slimani tranquilizou-me, sem que antes do segundo golo começasse a ver entrar em funções o talhante Manuel Mota. O Aquilani é derrubado com uma entrada ao tornozelo sem que seja mostrado o amarelo. O Slimani continua a não poder receber nenhuma bola de costas. Leva sempre paulada, ficando o árbitro na expetativa se ele vai responder ao adversário ou protestar para levar um amarelo. A dualidade de critérios em todos os lances ainda na primeira parte era por demais evidente.

 Ao intervalo a minha filha quis voltar para casa. Temi o pior. Tinha que ver a segunda parte no Flávio. Os meus receios tinham toda a razão de ser. O Sporting deixou-se embalar na sua própria música. Displicentemente, foram falhando golos atrás de golos e ataques prometedores. Se a oferta de golos do Sporting não é rígida é, pelos menos, muito pouco elástica. Sejam quais forem as oportunidades, dificilmente se marcam mais de dois.

De um canto, surge o golo do Estoril. Ganham ânimo e o Sporting acagaça-se. O Manuel Mota continua com a dualidade de critérios. O exemplo mais divertido foi a do golo do Estoril e de um lance de ataque do Sporting logo a seguir. O golo do Estoril é no limite do fora-de-jogo. De imediato, é marcado um fora-de-jogo ao João Mário que estava em posição regular mais de um metro. Começam as faltas e faltinhas, como diria o outro, para o Estoril poder tentar o que não conseguia de bola corrida. Acabámos com o Patrício a safar o empate, depois de uma falta não marcada sobre o Coates.

Vamos ter de viver com esta situação até o fim: a dualidade de critérios da arbitragem e a incapacidade de marcar golos face às oportunidades criadas e ao volume de ataque desenvolvido. Depois há os casos perdidos. O Schelotto alterna o menos mau com o horrível. O Aquilani dispõe de todas as condições para, no próximo ano, estar na “Major League Soccer”. O Teo estava bom para o futebol de praia, antes de o futebol de praia se transformar numa modalidade como as outras. Agora resta-lhe a praia porque o futebol já não é para ele, se é que alguma vez chegou a ser.

6 comentários:

  1. Caro Rui,

    A listagem de oportunidades perdidas (e de casos perdidos, já agora) dava para preencher um rolo de papel higiénico daqueles coloridos da renova. Se juntarmos a isso o relaxamento reikiano em alguns momentos e os senhores do apito, temos uma mistura explosiva cujo desenlace está apenas ao alcance dos deuses...

    Um abraço

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    1. Caro Gabriel,

      O que impressiona é que com tantos casos perdidos aconteçam tantos golos perdidos. Estas variáveis costumam ser inversamente correlacionadas. Para mim, o Jorge Jesus quer conseguir o impossível ou muito improvável. Depois dele no Sporting o futebol e a econometria nunca mais vão ser como dantes.

      Um abraço

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  2. Caro Rui,

    comecei por ler o último post deste espaço e só agora cheguei aqui. Fiz mal (não pela qualidade dos posts - estão ambos bons), mas porque deixei lá o comentário que podia ter deixado aqui.
    E falo de Schelotto. Fico contente por ver que não estou só. Não se percebe a sua utilidade.

    Mais contente fico quando leio o último parágrafo deste post. Está lá tudo, tudo. Desde do Mota "inclina campos" (arbitragem vergonhosa, ao nível do Rui Costa contra o Boavista em Alvalade), ao trio de jogadores que nada dão ao Sporting (a não ser grande prejuízo - desportivo e financeiro): Schelotto, Aquilani e Teo.

    Para o lugar deles, era só usar quem sempre foi desprezado: Esgaio (ou Cédric, que muitos acharam ter sido bem vendido...), André Martins e Montero.

    Definitivamente, não se ficou a ganhar.

    abraço

    ps: o 2º golo do Slimani só ele o pode marcar. Teos e afins, nem à bola iam, estava perdida desde do momento que saiu dos pés do Ruiz (que fez um jogo miserável).

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    1. Caro Cantinho,

      A roubalheira é insidiosa. Para os jogadores deve ser quase insuportável. Se nós percebemos a dualidade ele percebem-na ainda melhor.

      O Jorge Jesus é um treinador caro e de gostos extravagantes. Nunca está contente com os jogadores que tem e nem todos lhe servem.

      Um abraço

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  3. Excelente posta, como sempre. Preocupa-me a ideia de já estamos tão habituados a ser (falha-me o verbo aqui, mas tem a ver com uma cidade que Deus destruiu), que já achamos normal uma arbitragem como a da Amoreira, que tudo fez (dentro do que não dava nas vistas) para nos prejudicar e dar uma mão ao Estoril. JPT

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    1. Meu caro,

      Nós gostamos do politicamente correcto. Roubam-nos jogo sim jogo sim. Queixa-mo-nos. Os outros queixam-se de nós nos queixarmos. Para não ficarmos mal, de vez em quando queremos ver honestidade onde ela simplesmente não existe.

      SL

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