domingo, 3 de janeiro de 2021

Não perceber e sem o inglês a atrapalhar

Não se pode pedir ao Braga que num só jogo equilibre o campeonato. Quinze amarelos a menos do que o Sporting não se recuperam do pé para a mão [pé e mão são a mesma coisa, como se viu neste jogo]. O Braga fez o que lhe competia? Claro que fez. Não se mete um caceteiro como um Raúl Silva ou um Ali Elmusrati por acaso, por dá cá aquela palha, sem intenção alguma. Fizeram tudo o que estava ao seu alcance: quatro “penalties” e os árbitros nada, nem “penalty”, nem amarelo, nem nada. Uma entrada do Matheus à rótula do Sporar e amarelo logo compensado por um amarelo ao Matheus Nunes por, depois de agarrado por um adversário, lhe ter tocado na face. Sim, quando é que esperam que o Braga recupere o atraso? Por esta andar, jamais, “never ever”, como diria o Carvalhal. 

O Braga fez três remates perigosos na primeira parte e o Sporting também. No primeiro, o Ádan fez uma boa defesa, no segundo, a bola vai ao lado, no terceiro, a bola vai ao poste. Não sei o que aconteceu ao Sporting. Sou como o Rúben Amorim, não consigo ver a marcação de “penalties”. Sempre que havia um, ausentava-me para fumar um cigarro e, quando regressava, nada, tudo na mesma. Depois do jogo, ouvi um ex-árbitro na SIC afirmar que tinham sido “penalties”. Havia uma dúvida num, que um jogador pode fazer uma manchete porque futebol e o voleibol são a mesma modalidade, mas houve dois toques, é transporte, não é possível no voleibol também. Os jogadores do Sporting não foram marcar, recusaram-se a marcar, remataram de propósito para fora, não queriam ganhar de “penalty”, foi isso? Uma explicação, é o que se pede. 

O Sporting tremeu depois de primeira oportunidade de golo do Braga. Até ao final da primeira parte, foi um ai Jesus, Nossa Senhora. A segunda parte inicia-se com um golo anulado ao Braga por fora-de-jogo. O Carvalhal se já estava inchado mais inchado foi ficando, e com ele, a equipa do Braga, não percebendo que se estava a expor cada vez mais na defesa, numa defesa que depois das correrias que o Sporting lhe proporcionara na primeira parte não podia com uma gata pelo rabo. De longe, de muito longe, o Sporting é a equipa do campeonato mais perigosa no ataque rápido, no contra-ataque, no contragolpe. Dar-lhe espaço é mortal. O primeiro golo é um clássico desta época: viragem de flanco de jogo para o lateral que avança no terreno, Nuno Mendes, centro para as costas do lateral do lado contrário, passe para o meio e Pedro Gonçalves a encostar, de forma simples, sem tentativa de chapéu ou outra figura geométrica, sem força a mais ou a menos, com precisão.

E o Braga enche-se de brios e reage. E o Rúben Amorim não cede, metendo o Sporar e o Tabata para continuarem a pressão sobre a defesa. E mete o Matheus Nunes na meia direita e mata o jogo. Com a defesa completamente à deriva até o Sporar parecia o Messi. Foi mais um, mas se tivéssemos um avançado com outra capacidade, teria sido ainda mais um ou outro. O Rúben Amorim disse-o sem o dizer explicitamente: na segunda parte, os avançados estiveram inúmeras vezes em situações de um contra um. E o Braga entrou no perdido por cem, perdido por mil. Mas quando se quer ganhar com a alma é preciso jogadores com mais alma do que Porro, Coates ou Feddal e o Braga não os tem.

O Braga podia ter marcado primeiro? Claro que sim. Se tivesse marcado, o jogo poderia ter sido diferente? Claro que sim. Não marcando, o Sporting acabaria por ganhar o jogo e foi isso que o Carvalhal e a equipa do Braga nunca perceberam. Com espaço, com a defesa à beira de uma apoplexia e com a equipa do Sporting mais, muito mais fresca, o golo seria uma questão de tempo. O Braga tentou reagir, ainda faltava mais de meia hora, mas desconseguiu e a única oportunidade de golo nasce de um fora-de-jogo do Esgaio que permitiu uma defesa ao Ádan, que nem a devia ter tentado, como disse o Rúben Amorim, com a fina ironia que o caracteriza nas conferências de imprensa. A grande diferença entre o Sporting e o Braga esteve nos treinadores, no conhecimento das forças e fraquezas das suas equipas, mas, sobretudo, no conhecimento das forças e fraquezas da equipa adversária. No final do jogo, o Carvalhal demonstrou que não percebeu nada e, não, o inglês não atrapalhava.    

22 comentários:

  1. Caro Rui,

    Excelente crónica, mais uma. Pedia-se mais equilíbrio neste campeonato, mas não se conseguiu. O Braga esforça-se por se chegar à frente, mas não tem vida fácil. Foi como Veríssimo, vê-se que não tem o nível de Godinho, ainda que se note o esforço que faz. (Ainda que a falta sobre o GR marcada num lance em que um jogador do Braga empurra o jogador do Sporting, na interpretação do árbitro seguramente para evitar que este faça falta sobre o GR seja divinal)

    Nota justa para Ruben Amorim, mais um jogo ganho na estratégia, com muito esforço e união. Anda por aí muita gente a quem custa tanto reconhecer isto...

    Bom 2021, que seja melhor que 2020!

    SL

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    1. Caro João,

      A falta marcada no choque entre o guarda-redes e o defesa do Braga foi notável: o objetivo, o único objetivo, foi o de impedir qualquer intervenção do VAR.

      O Ruben Amorim conhece os pontos fracos da sua equipa. Aparentemente, o Carlos Carvalhal não. Essa foi a diferença. No lance do primeiro golo, o Nuno Mendes vai cerca de 30 metros com a bola sem ninguém lhe aparecer pela frente e tem todo o tempo e espaço para meter a bola nas costas do defesa esquerdo. Entretanto, o Pedro Gonçalves, que tinha ganhado a bola no meio campo para a passar ao Nuno Mendes tem todo o espaço para ir por ali fora e aparecer na zona do "penalty" para a empurrar sem qualquer marcação. Onde andava o meio-campo e a defesa do Braga? No segundo golo, estão quatro do Braga para dois do Sporting e nenhum tem pernas para o Sporar, sendo o caso mais evidente o do Esgaio que simplesmente desiste. O Carvalhal se olhasse mais para sua equipa e se deixasse de auto-elogios talvez percebesse melhor o que se passou.

      Bom ano para si e para o Sporting,
      RM

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  2. Mais um excelente crónica do melhor bloguista luso.
    Até neste campo o Sporting lidera.

    SL

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    1. Caro Rui,
      Muito obrigado. Estou a tentar como o Ruben Amorim chegar ao fim do campeonato em primeiro.

      SL

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  3. 14 centímetros nos levaram ontem, da frustração da derrota, ao prazer asoluto da glória. Verdadeiramente, o tamanho não interessa se a arte e engenho servir para preencher a falta dele. Ontem o Sporting soube fazê-lo. Sorte grande a do Carlos Carvalhal, por não estar a jogar o falecido Jonh Holmes, caso contrário teria sido bastante mais doloroso

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    1. Carlos,

      14 centímetros fazem toda a diferença. Se o Carvalhal tivesse conhecido o famoso Jonh Holmes sabia isso perfeitamente.

      Abraço

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  4. Meu caro Rui Monteiro
    Não perco nenhuma das suas crónicas sobre os jogos do SPORTING, considerando mesmo que são de leitura obrigatória para todos os sportinguistas, mas não só!
    Você é o Saramago da escrita do futebol, nenhum jornalista desportivo (Record, Bola ou Jogo) o iguala, e consegue descrever uma partida de futebol com a originalidade que o faz no seu blog.
    Se houvesse um Nobel da jornalismo desportivo, há muito que seria o principal candidato a vencê-lo.
    Continue a deliciar-nos com as suas crónicas.
    PS: Só fiquei decepcionado por neste jogo com o Braga não ter feito nenhuma referência ao Neto! Bem o merecia, pelo grande jogo que fez.
    Saudações leoninas
    Carlos Antunes

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  5. Meu caro Rui Monteiro
    Não perco nenhuma das suas crónicas sobre os jogos do SPORTING, considerando mesmo que são de leitura obrigatória para todos os sportinguistas, mas não só!
    Você é o Saramago da escrita do futebol, nenhum jornalista desportivo (Record, Bola ou Jogo) o iguala, e consegue descrever uma partida de futebol com a originalidade que o faz no seu blog.
    Se houvesse um Nobel da jornalismo desportivo, há muito que seria o principal candidato a vencê-lo.
    Continue a deliciar-nos com as suas crónicas.
    PS: Só fiquei decepcionado por neste jogo com o Braga não ter feito nenhuma referência ao Neto! Bem o merecia, pelo grande jogo que fez.
    Saudações leoninas
    Carlos Antunes

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    1. Caro Carlos Antunes,

      O jornalismo desportivo é tão, mas tão mau que até eu, um adepto do Sporting.

      De facto, o Neto merecia uma referência. Merecia uma referência como merecia toda a defesa. Agora, inventaram essa dos remates enquadrados na área. A defesa do Sporting permitiu um, a tentativa de chapéu ao Ádan. Os outros dois remates na primeira parte resultam de uma confusão na área depois de um canto e de um pontapé de ressaca fora da área de olhos fechados depois de mais uma série de ressaltos, com a bola a sobrar para um jogador do Braga.

      O Sporting tem dois remates enquadrados, também resultantes de jogadas de equipa e de jogadores isolados na área prontos a rematar. Se fosse, pelos tais remates enquadrados, o resultado seria dois a uma. Mas inda faltam os "penalties". Os "penalties" dão origem a remates enquadrados dentro da área. Feitas essas contas, o resultado foi de cinco a um. Sendo assim, quem foi o melhor defesa do Braga? O árbitro e o VAR.

      SL

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    2. Esqueci-me. O outro remate enquadrado do Braga, na segunda parte, nasce de um fora-de-jogo do Esgaio de mais de cinco metros com o fiscal-de-linha a fingir que não viu. Não foi um remate enquadrado. Foi um treino ao nosso guarda-redes que está bem se se recomenda.

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  6. Já agora, alguém conhece um bom falsificador de currículos? Não é para ser procurador europeu, é unicamente para permitir que o Ruben Amorim permaneça no banco do Sporting com alguma dignidade. Merece o mesmo respeito que outros, com mais grau mas menos classe.

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    1. Carlos,

      Boa ideia! Se não pode ser treinador principal, então que estivesse no banco na qualidade de procurador europeu. Era merecido.

      Abraço

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  7. O Carvalhal é tolinho. Sorria, ria, durante o jogo, antes de levar o primeiro golo e aí começou a perceber que ia ser Brexitado. Quase que se pode dizer que o Braga joga bem à bola, in spite of Carvalhal. O fulano ainda consegui dizer umas palermices na conferência de imprensa; nesse particular também tem que aprender com Ruben Amorim.

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    1. Meu caro,

      O Braga joga bem à bola, é um facto. Mas o Sporting também. Talvez seja isso que o Carvalhal tenha dificuldades em compreender. Talvez tenha dificuldade em compreender que os erros também foram dele. O primeiro golo do Sporting é uma repetição de "n" golos nesta época. Devia estar preparado e não estava, deixou-se embalar pela soberba. Depois, bem, depois teve mau perder.

      SL

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  8. O Braga teve mais posse de bola, logo Carvalhal queria os 3 pontos. Diamantino, que quando jogava, usava óculos, não ve um touro à frente, quanto mais um Leão; dizia o "catedrático": o resultado justo era o empate, (o Benfica passava para a frente).
    O Sporting ganha num jogo a dois adversários, Carvlhal e Verissimo/Pinheiro.
    Mas atenção aos árbitros da próxima 5ª feira.
    Eles não desistem.

    Parabéns Rui Monteiro pela sua brilhante crónica.
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João,

      Não é fácil jogar jogo atrás de jogo contra tantos adversários. Este fim-de-semana estava destinado a ver-se o Benfica na frente. Deitaram os foguetes antes da festa e daí o melão, a azia.

      É jogo a jogo e logo se vê. O Rúben Amorim está consciente das fragilidades, mas algumas das fragilidades também se transformam em forças. Não temos um avançado em condições. Logo, o Sporting opta por um ataque mais móvel, com muitas diagonais e desmarcações para as costas da defesa, deixando-os ao fim de uns tempos com os bofes de fora. Chega? Talvez não, mas jogo a jogo se verá.

      SL

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  9. Foi uma bela jogatana, com emoção, incerteza, uns sustos, e a vitória no final. Com muita entrega e grande concentração o jogo todo dos nossos, que bem estiveram!
    O Braga tem uma equipa bem interessante e o Musrati é calmeirão, mas não é nada mau jogador; não deve lá ficar muito tempo.
    Do Sporting, o Rui já tinha dito tudo em posts anteriores: “Chegou a nossa hora”; “Já ganhámos; não estamos a perceber nada do que está a acontecer”. Parabéns pela clarividência.

    Partilho os meus destaques pessoais de ontem:
    .Adan — a escolha espanhola de GR tem um estilo mais à gr de andebol, isso nota-se mais no futsal, mas no fut11 Adan é um caso patente. Esse estilo fá-lo parecer “desajeitado” em alguns lances, mas ontem foi fundamental para segurar o chapéu do Horta.
    .Os 3 centrais: que grande jogo, todos tiveram cortes em que apareceram rapidíssimos, do nada, a resolver lances potencialmente bem complicados.
    .Porro: que a vaquinha para accionar a cláusula de compra esteja em andamento, que grande regularidade tem tido.
    .N Mendes: já bem melhor que nos jogos recentes.
    .Nuno e Pedro: ambos meio fora do jogo, mas determinantes no golo. O toque de calcanhar é delicioso, o remate é na medida exacta.
    .João Mário: pareceu-me, de muito longe, o melhor jogo desde que regressou. Óptimas notícias.
    .Sporar: boa entrada.
    .Matheus: acabou com a disputa do jogo, segurando o lado direito com uma força e mestria notáveis.
    Amorim: o arquitecto disto tudo. Jogamos com uns putos, uns velhotes repescados de Espanha, e uns tugas muito bem sacados. Como disse o Rui, “dedo, mão e braço”.

    SL, Miguel

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    1. Caro Miguel,

      O Ádan chega a ser assustador quando a bola lhe chega aos pés. Nota-se é que é um guarda-redes experiente e nunca faz cara de fraco. Nos momentos decisivos, quando aparecem no um contra um, mantém a serenidade e a frieza.

      Os três centrais vão dando conta do recado. Quando começa o chuveirinho é quando se sentem mais à vontade, especialmente o Coates. Os laterais são a pedra de toque do sistema. Ou funciona ou se não funciona o sistema emperra. O Palhinha muito vezes tem de estar em todo o lado. O João Mario serve para a equipa ter a bola e não a perder, expondo-se. O ataque tem dias. Agora, a classe está lá, especialmente no Pedro Gonçalves. Estava a fazer um mau jogo mas no momento certo apareceu e resolveu, com a simplicidade dos craques. Outro teria rematado com toda a força, enquanto ele se limitou a colocar a bola em contrapé ao guarda-redes com precisão.

      SL

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  10. Caro Rui Monteiro
    Só agora li o seu excelente artigo ( como sempre ). Não concordo consigo quando diz que a primeira oportunidade foi do Braga. Ora, segundo a minha visão do jogo - posso estar errado - o Braga só fez o primeiro remate à baliza do Sporting aos ...19,50 minutos. O Sporting tem a primeira oportunidade aos 7 minutos com um penalti descarado que o árbitro marcou falta sobre o guarda redes do Braga por um colega seu. Mas desta vez, o vídeo árbitro, o Pinheiro de Viatodos, não viu os três penaltis a favor do Sporting. Nem podia ver, pois estava fixado no Coates, pensando ainda nos três penaltis que lhe marcou no jogo com o Rio Ave, em Alvalade. Ora, o homem não tem o dom da ubiquidade como o Santo António, ou estava a olhar para o Coates, ou para os defesas do Braga.Aqui temos de reconhecer que o VAR esteve bem...
    Um abraço e bom ano.

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    1. Meu caro,

      É fantástico quando o VAR não vê nada em contraponto ao jogo de época passada que viu tudo o que era contra o Sporting. Nesse jogo esqueceu-se só de ver um "penalty" do tamanho da Torre dos Clérigos contra o Rio Ave. No ano passado, nesse jogo, o Sporting estava em primeiro também e foi a partir daí que começou o descalabro.

      O Braga fez um bom jogo. Só que a partir de certa altura esqueceu-se que do outro lado estava uma equipa que adora jogar em contra-ataque, em contragolpe com ataques rápidos. Quando deu por ela, estava a perder. Pensei que tinham percebido. Afinal não: foi a eficácia, diz o Carvalhal como se não tivesse nada a ver com o caso.

      SL

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