quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Caviar é uma ova

O sportinguista é bicho estranho, esquisito, muito esquisito. É um iconoclasta ao contrário, não desvaloriza os méritos alheios mas os seus. É aristocrata, falido mas aristocrata. Pode estar a morrer de fome mas não come uma sardinha de conserva na lata de conserva da sardinha, exigindo uma lata de conserva de esturjão, de caviar. Nem tudo lhe serve, é pobre e mal-agradecido. Esta ladainha vem a propósito do último jogo contra o Marítimo e a eliminação da Taça de Portugal. 

Habituado a comer sardinha em latas de esturjão, os sportinguistas rasgaram as vestes e concluíram que o plantel não tem profundidade, alternativas para estar em muitas frentes. Por defeito e feitio, tenho sempre alguma dificuldade em fazer reflexões emocionais, não envolvendo a componente analítica. Para estes sportinguistas, a profundidade é autorreferente e normativa; está escrito na pedra que o Sporting deve ter uma equipa com tantos jogadores, distribuídos por estas e aquelas posições em quantidade e qualidade bem definidas. Quando assim penso, vem-me à cabeça o Jorge Jesus e o conjunto de sérvios, albaneses, croatas, macedónios, brasileiros, argentinos, congoleses que era preciso contratar sob risco de uma maldição. Os que estavam, os da formação nunca serviam. Quem quiser voltar a esse passado sabe o que lhe espera e espero que tenha bom proveito.

Como considero que a profundidade não é autorreferente, analiso-a relativamente aos nossos principais adversários. Ora, está bom de ver que por lá pululam alternativas e mais alternativas que, sendo tantas, nem sequer precisam de contratar mais e, jogue quem jogar, será sempre uma jogatana. O Benfica e o Porto têm jogado pouco ou nada e, nesta eliminatória, ficámos a conhecer a profundidade, as alternativas da equipa do Porto. Não sei se podemos contratar um rapaz como o que apresentaram no jogo contra o Nacional, muito habilidoso, com bom toque de bola, capaz de neutralizar os jogadores adversários e ao mesmo tempo de marcar o golo redentor, o golo no último minuto que o Sporar não foi capaz de marcar. 

O que espero do Sporting, do Rúben Amorim e dos nossos rapazes é que continuem como até aqui, que não pensem se esta jornada vão ficar mais à frente ou mais atrás dos adversários; que não tenham medo de perder e medo de perder a vantagem que dispõem no campeonato. Espero que continuem a jogar com a mesma alegria, com a mesma vontade de ganhar, jogo a jogo como até aqui, sem nenhuma outra responsabilidade que não seja a de jogar um jogo de cada vez. Eu não lhes peço mais nada. 

Talvez pedisse jornalismo desportivo mas isso é o mesmo que pedir a paz, a felicidade, a convivência entre os povos. O jornalismo acabou e em sua substituição ficou o entretenimento, seja isso o que for, com diretos, muitos diretos, e debates, muito debates. Há dias ouvi uma entrevista de Juca Kfouri, grande jornalista brasileiro. Afirmava que os operadores televisivos e os clubes e a federação brasileira tendem a associar-se e isso explicava a razão para a inexistência de jornalismo desportivo e de visão crítica quanto ao futebol praticado, especialmente na televisão. Como contraponto, colocava o exemplo clássico da compra de um carro em segunda mão. Quando alguém compra um carro, o carro passa a ser dele e dele pode dizer o que entender e de quem lho vendeu. Se o carro é mau, dirá que é mau e que o vendedor o aldrabou. 

Não estou de acordo com Juca Kfouri. O exemplo do carro em segunda mão também se aplica exatamente aos operadores que compram os direitos de transmissão. Os operadores não compram os direitos para ficar com eles, mas para os revender de imediato aos telespetadores e assinantes. Compram um carro em segunda mão para o revender de imediato a outros que necessitam de um carro em terceira mão. Para o revender de imediato, não podem dizer mal dele. Ninguém espere que os canais e os jornais desportivos que vendem este entretenimento venham dizer-nos que se joga tão mal em Portugal que até dói e que as arbitragens são de ir às lágrimas. Talvez se esperasse mais dos canais públicos e dos jornais generalistas, mas não tem sido possível. Os primeiros, porque estão entretidos nas guerras de audiência e a imitar os outros, os segundos porque já estão quase em extinção e a fazer jornalismo sem jornalistas. 

[O título deste “post” é uma simples homenagem ao Gregório Duvivier, ator, humorista, guionista e escritor brasileiro. O Porta dos Fundos e o Greg News ajudaram-me a manter a sanidade mental no confinamento de março. Não sei se encontrarei substituto à altura para o confinamento que hoje se inicia] 

6 comentários:

  1. Caro Rui, neste confinamento, até ver, mantém-se o campeonato em andamento, sempre entretém qualquer coisa :)
    É como diz, faltam-nos outras profundidades ao plantel. Para os lados da ponte do Freixo, uns dois amarelitos fariam toda a diferença: a (não) expulsão de R. Baró em Guimarães e a expulsão de anteontem com o Nacional viraram 2 derrotas em 2 vitórias. Estariam fora da Taça e a 7 pontos. Só com estes dois amarelos, que nem ao VAR vão.
    É tramado ser Sportinguista, mas “os rapazes” que envergam a camisola este ano estão a fazer um trabalho notável para virar a coisa e nos trazer mais alegrias. A eles, leões.

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    1. Meu caro,

      Hoje só vi uma parte do jogo. Não sei bem a razão para se andar a jogar durantes os dias úteis. Estamos confinados mas a trabalhar.

      Não jogámos um caracol contra o Rio Ave mas, lá está, aparentemente ficou mais um "penalty"por marcar. Se ganhássemos, a jogar bem ou mal, não interessa, a conversa era outra. Os outros também não jogam pevide, mas nós somos mais adeptos dos seus jogadores e treinadores do que dos nossos.

      SL

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    1. Meu caro João Miguel,

      Veja o que se passa consigo ou com o seu computador urgentemente. Ou é disléxico ou está com o teclado encravado (ou as duas). Assim, não ficamos a compreender nada das coisas magníficas e interessantes que nos quer transmitir.

      As melhoras, para si ou para o seu computador

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  3. desléxico é o companheiro que escreve torto por linhas direitas

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    1. Caro João Miguel,

      Que surpresa! Está muito melhor. Esqueceu-se foi de nos transmitir as coisas magníficas e interessantes que pretendia da primeira vez.

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