quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Lições de gestão e Rúben Amorim

Ao longo da minha vida profissional não fiz outra coisa do que gerir equipas de trabalho. Dei também aulas de gestão, embora sempre considerasse que a gestão não é uma ciência, quanto muito, um ofício, que se aprende fazendo. Não há nenhum livro, nenhuma teoria que habilite ninguém a tratar com uma pessoa em particular. Os livros ajudam a construir grelhas de leitura para melhor se lidar com pessoas, mas não nos ensinam a tratar com todas e cada uma e é sempre de pessoas que trata a gestão. 

Não sei se o Rúben Amorim alguma vez estudou gestão. Porventura, não estudou e, por isso, é que se trata de um bom gestor. Na prática de gestão aprende-se que uma organização que não faz bem o básico, o banal, o habitual está sempre condenada ao insucesso. O sucesso começa no dia-a-dia, no trivial, naquilo que ocorre e acontece bem que nem nos damos conta que ocorreu e aconteceu bem. No futebol, esse dia-a-dia, o banal, o trivial, é a defesa. É a defesa no duplo sentido. É defender bem coletiva e individualmente e, tratando-se de um jogo, ser capaz de neutralizar os pontos fortes do adversário. O Rúben Amorim começou por aí e tem sido a partir daí que a equipa tem evoluído. 

O que conta, o que verdadeiramente conta, é o método. O meu pai tinha uma expressão que reproduzia até à náusea, que não sei se era da cabeça dele ou a tinha encontrado em algum lado: “O método é o caminho lógico para a descoberta de verdade”. O esquema tático do Rúben Amorim está estabelecido e os jogadores conhecem-no como ninguém. Quando o método é bem conhecido e interiorizado por todos, a flexibilidade aumenta, parecendo que não. Quando todos conhecem o método, o lateral esquerdo pode jogar à direita ou no meio-campo. Quem geriu equipas sabe que assim é e é assim que tem de ser. Os recursos são sempre escassos e a flexibilidade e a adaptação são virtudes. O sistema de três defesas tem várias alternativas, podendo ser protagonizados por vários jogadores e com posicionamentos relativos entre si diferentes, conforme as circunstâncias do jogo. Já vimos vários jogadores a fazer o trio de defesas, mesmo durante o decorrer do jogo, conforme se pretenda um balanceamento mais ofensivo ou defensivo. A tática dos três defesas é que nunca muda.

As duas premissas são condição necessária mas não suficiente. Há uma parte que está no acreditar. Uma das coisas mais importantes que aprendi na vida é que as expetativas são autorrealizáveis. Pela negativa é que não há dúvidas nenhumas. Se não acreditarmos, não vamos fazer e não fazer alimenta a descrença e a descrença leva-nos a confirmar que sempre tivemos razão para não acreditar. É um círculo vicioso que se autoalimenta e não há forma de o quebrar. Pela positiva, as coisas são mais difíceis mas o círculo virtuoso também acontece. Se acreditarmos, vamos fazer e, ao fazer, se fazemos acontecer reforça-se a crença. Acreditar não é fé. É tentar que todos compreendam que é possível chegar a um objetivo, a um resultado, que transcende cada um. Há quem lhe chame visão, embora o enunciado das visões que se veem por aí seja de chorar às lágrimas. A liderança tem neste contexto um papel fundamental. Acreditamos se acreditarmos em quem lidera. É isso que nos faz melhor, que faz com que cada um se sinta parte, que um avançado recue mais depressa para ajudar um defesa, que um defesa guarde as costas do avançados. E conforme se fazem as coisas acontecer maior é a crença e quanto maior a crença mais se faz acontecer. É o que se está a ver com Rúben Amorim.

A gestão não é uma ciência e, portanto, nada nos garante que se se fizer o que é suposto fazer-se os resultados vão sempre acontecer. A gestão não é física: a maçã às vezes cai, outras não, cai com a aceleração da gravidade, outras não, não cai e fica a planar. O desempenho de gestão não envolve exclusivamente os recursos internos. Depende da envolvente externa que não se controla, as ameaças e as oportunidades que a famosas análises SWOT sempre sublinham. O problema do Rúben Amorim está nessa envolvente externa: sobram ameaças e faltam oportunidades. Quando assim é, por muito bom gestor que se seja, nem sempre se consegue. Quando não se consegue, nem sempre a culpa é do gestor. Como costumava dizer o nosso ex-primeiro-ministro e atual Secretário-geral da ONU: é a vida!         

6 comentários:

  1. Boa noite Caro Rui, uma vez mais com a inteligência e verve que o caracterizam, tornou simples o segredo desta caminhada surpreendente do nosso clube.
    O treinador, o seu discurso, a coerência entre as suas palavras e ações são a base deste percurso, so dar.
    Também concordo que as ameaças serão mais que muitas e sobretudo que os nossos pontos fortes estão limitados ao treinador, táctica e na crença dos jogadores em ambos.
    Importava a direção fazer o trabalho de casa e agir nos timings e órgãos certos.
    Mas que dá gozo ver a equipa a jogar este ano dá. Imagine como seria com um ponta de lança contundente...
    Saudações Leoninas

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    1. Caro Miguel,
      O principal ponto forte é mesmo o Ruben Amorim. Temos bons jogadores mas os nossos adversários, em teoria, têm melhores. É o Ruben Amorim que faz com que os nossos parecem tão bons ou melhores.

      O famigerado "sistema" assegura sempre que o vencedor está encontrado antes de se começar o campeonato. É uma fatalidade ou será que não é, desta vez?

      SL

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  2. "Liderança é baseada em imaginação, não dominação;em cooperação, não intimidação"
    William Arthur Ward

    Rúben Amorim é um lider, colocou a equipa que o Rita da Bola chamou passarada a jogar como leões. Deu esperança aos jovens da formação, está como diz a potenciá-los. Dá realmente gosto ver jogar este Sporting, mesmo sem as estrelas do primeiro ano de JJ.
    O Sporting desta época conta para o totobola, já se percebeu pelos ataques das "nádegas"e dos "reverendos".
    SL

    João Balaia

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    1. Caro João,

      A melhor forma de se perceber que contamos é ver os primeiros ataques e os Luís Godinhos e Soares Dias desta vida. É não desistir e ver no que dá.

      SL

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  3. Caro Rui... muito bom como sempre...mas tive má impressão ou fiquei com a ideia de que o Rui"acredita" que o factor interno se pode superar pela positiva, mas náo tem crença nenhuma numa vitória final devido aos tais factores externos? Não seria, como diz, de os pensar pela positiva tal como o seu texto sugere? Afinal, será sempre um problema de gestáo. Eu não acredito em milagres decorrentes apenas da nossa vontade. Mas acredito que "só a sorte que se procura é que um dia nos bate à porta". Ou como dizia o Vandré "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Creio que o seu determinismo sobre a importancia do chamado factor externo, que deixa claro sempre nos seus textos, é verdadeiro mas esse factores também podem ser "geridos..." sem mudarmos, lá está, a nossa ideia base.
    SC

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    1. Caro Sol Carvalho,

      A minha tónica é a do sportinguista escaldado que até de água fria tem medo. O que a vida me ensinou é que muitas vezes devemos dizer para nós próprios: “e porque não?!”. Cada um nas suas simples vida quando se interroga e se interroga convictamente melhora alguma coisa, mas há sempre obstáculos.

      No futebol português temos o famigerado sistema do qual faz parte uma opinião pública e um jornalismo desportivo que é tudo menos livre e independente. Mesmo assim, o Ruben Amorim está a mudar alguma coisa. As pessoas começam a estar fartos dos Jorges Jesus e dos Conceiçãos desta vida, que se acham mais espertos do que os outros, que acham que são eles que ganham os jogos através de mind games, que estão sempre zangados. O Ruben Amorim está a gerar simpatia e, mesmo, empatia. Tem carisma. Não tem a do Klopp, mas para lá caminha.

      Será que esta empatia continua? Será que resiste a maus resultados? Se continuarmos jogo a jogo a ganhar e se não se fizer maus resultados contra o Benfica e o Braga, o contexto pode mudar alguma coisa na segunda volta, mesmo contra o “sistema”. É não fazer muito barulho e ir ganhando essa simpatia, essa empatia da opinião pública. Às tantas até se pode ver com interesse uma vitória do Sporting. As pessoas esperam novidade e o Ruben Amorim está a oferecer novidade.

      SL

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