Não vi o jogo de ontem, contra o Gil Vicente. Como sempre costumo dizer, não ver um jogo deixa-nos muito mais à vontade para falar sobre ele, sem as limitações da factualidade, da realidade nua e crua. Há sempre quem diga, quem pergunte: como é que se pode falar de uma realidade que se desconhece? O bosão de Higgs foi observado em 2015, mas a sua existência e características tinham sido antecipadas há muitos, muitos anos, pelo tal de Higgs. Há leis gerais que regem o universo, na física como no futebol. É necessário estar atento e compreender os padrões para dele se obterem leis gerais que nos permitam compreender o universo.
Os jogos do Sporting seguem um padrão. Não há uma única equipa que tenha jogado bem contra nós. Ou porque se preocupam de mais connosco ou porque nós nos preocupamos de mais com eles, a verdade é que ninguém joga nada, raspas, contra nós. Não, não estou a dizer que jogamos bem; estou a dizer que asseguramos sempre que os outros jogam mal. Ontem, o Gil Vicente marcou um golo no único remate que fez à nossa baliza. Há uma componente de “karma” que obedece a qualquer coisa errada que fizemos no passado e se reflete sempre no presente. Há também a componente que obedece a uma lei geral: não permitimos oportunidades de golo ao adversário. Podemos dizer que isso não é necessariamente jogar bem. Para o Rúben Amorim também não é condição suficiente, mas é condição necessária.
A compreensão desta lei geral permitiu-me continuar calmo e tranquilo a bebericar um brandy quando um dos meus amigos de jantar me anunciava que estávamos a perder por um a zero a dez minutos do fim. Disse-lhe para estar tranquilo que íamos ganhar. Como é que sabia? Não jogar com nenhum avançado fixo obriga os centrais a andar a correr de um lado para o outro à procura das marcações. Os centrais do nosso campeonato não têm vida para isso e, tarde ou cedo, dão o berro. Os golos do Sporting são resultado desse estoiro com direito a pirotecnia e tudo. Alguém acredita que no início do jogo a triangulação na lateral que dá o primeiro golo acontecia? Alguém acredita que no início do jogo o Sporar ganhava a bola dividida com o central depois de uma correria que dá o segundo golo? Alguém acredita que no início do jogo o jogador do Gil Vicente recebia mal a bola e não tinha pernas para a recuperar ou impedir a progressão e o central deixava fazer o que deixou ao Pedro Gonçalves no terceiro golo?
O Rúben Amorim assegurou o que sempre assegura, que os adversários poucas ou nenhumas oportunidades conseguem. Assegurou o que também assegura sempre que necessário, que no final muda tudo como se tudo ficasse na mesma e vamos a eles como tarzões. Os jogos, aqueles que nos enchem a alma e nunca nos esquecemos, ganham-se com o coração e coração é coisa que não nos falta. O problema, o verdadeiro problema é que existe uma lei geral que nos impede de, no fim, vencer. O Sporting é a equipa do campeonato que menos faltas faz e a que tem mais cartões amarelos. Esta lei não é sequer como o bosão de Higgs, observamo-la desde sempre e ano após anos, quaisquer que sejam os presidentes, os treinadores ou os jogadores. Contra esta lei geral é que o Rúben Amorim, como antes o Paulo Bento ou o Leonardo Jardim, nada pode.