sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O Treinador está no Céu

Nunca tinha visto jogar o Lask Linz. Nem sequer sabia da existência de tal clube de futebol. Muito menos sabia que as equipas estavam autorizadas a jogar de pijama. Esta falta de conhecimento nada diz sobre mim. Pareceu-me foi que estavam todos como eu, o treinador, os jogadores, a “estrutura” (seja isso o que for), e isso diz muito sobre eles. 

Em teoria, todas as táticas são boas. Em Portugal, no Sporting, no Benfica ou no Porto todas funcionam, com um, dois, ou três centrais. As restantes equipas estacionam o habitual autocarro e ninguém se atreve a pressionar a saída de bola ou, quando o faz, fá-lo com uma ou duas baratas-tontas a tentar atrapalhar e pouco mais. Como o treinador do Lask Linz não tirou o curso de treinador em Portugal, a sua equipa sabe pressionar, e bem, a saída da bola. A pressão é coletiva, não consiste em correrias de um ou de outro mais afoito. Em bloco, a equipa movimenta-se de forma muito agressiva no sentido da deslocação da bola, fechando linhas de passe em sentido contrário e no meio até encurralar um jogador adversário que acaba rodeado por dois ou três adversários e sem saber o que fazer. A fava calhou ao Mathieu, para nosso azar. Se falha o Mathieu não há Mathieu no centro da defesa para fazer de pronto-socorro. 

A primeira parte foi um sufoco permanente. Com a pressão do adversário e os adeptos a assobiar desde o primeiro minuto, a bola começou a ficar eriçada e cheia de picos. Sem extremos e só com o Bolasie a desmarcar-se para as alas, jogar comprido, em profundidade, como agora se diz, não era bem uma alternativa; era a forma mais simples de cada um que se sentisse apertado se desfazer da bola. 

Para a segunda parte, o Silas tirou o Neto e meteu o Vietto, descendo o Miguel Luís para defesa direito. A única melhoria visível foi a colocação do Mathieu mais ao meio que, em conjunto com o Coates, iam cerzindo os buracos que o meio-campo abria quando invariavelmente perdia a bola. No resto, “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Mesmo assim, fiquei mais tranquilo: a derrota era certa mas podia ser que se evitasse uma goleada histórica contra a Pantera Cor-de-rosa. 

Há, no Céu, um Treinador que estava morto quando teve tempo de serviço necessário para tirar o curso de nível IV a zelar por aqueles que por circunstâncias da sua vida de jogadores só começam esta carreira depois dos quarenta anos. Esse Treinador desceu a Alvalade que nem um raio e que nem um raio se foi, não sem antes deixar o jogo virado do avesso. Canto batido ao primeiro poste (até que enfim!), o defesa a saltar fora de tempo e o Luiz Phellype a enfiar uma marrada na bola para dentro da baliza. Bica para a frente, Bolasie a fazer o seu melhor, atrapalhar-se e atrapalhar o adversário, bola a sobrar para Luiz Phellype desmarcar Bruno Fernandes e bola, desmarcação e Bruno Fernandes na mesma frase conclui-se com golo. Até ao fim do jogo, continuou o “ai Jesus, Nossa Senhora, nos acudam!”, mas o Treinador tinha entregado a sua missão ao Renan Ribeiro, ao Coates e ao Mathieu. 

Ao longo da vida, tive a responsabilidade de negociar recursos importantes com instituições internacionais. À boa maneira portuguesa, nunca se preparavam convenientemente as reuniões. Na parte da manhã, qualquer Pantera Cor-de-rosa nos colocava em sentido. Da nossa parte, nunca se sabia quem devia responder, atropelando-se uns aos outros. Depois do almoço, a conversa melhorava sempre. A tática era sempre a mesma, passar ao Bruno Fernandes e esperar. Funcionou sempre.

9 comentários:

  1. Rui, você é o Bruno Fernandes do mundo dos blogs desportivos.
    Espero que esteja bem amarrado por uma clausula pornográfica.
    Faz bem á minha sanidade mental continuar a lê-lo.

    Um excelente fim de semana para si.

    Saudações Leoninas !
    NPR

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    1. Obrigado, meu caro.

      Daqui a dias ando a chutar à baliza há mais tempo do que o Bruno Fernandes.

      SL

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  2. O futebol é um jogo simples e há coisas que não vale a pena (re)inventar. Até já fomos campeões europeus assim. Tudo arrumadinho lá atrás e passa ao Ronaldo que ele há-de marcar. E, se não marcar, o Patrício há-de defender um dos penalties. O nosso Ronaldo está cá, só falta pôr os de lá de trás arrumadinhos.
    Ontem via o jogo e pensava "este Linz parece o Sporting a jogar no Bernabéu aqui há uns tempos; estamos a levar um banho de bola mas o nosso Ronaldo e Morata cá do sítio ainda arrumam isto, é só esperar pelo livre à entrada da área aos 87min."
    Afinal, enganei-me, não foi preciso esperar pelo minuto 87 e marcou primeiro o Morata e só depois o Ronaldo.
    Tivemos uma sorte descomunal, como jornadas atrás de jornadas, desde que me lembro de ser gente, vimos os outros ter contra nós.
    Agora, venha de lá o debate "como melhorar o futebol português, que isto na Europa é só derrotas". Ou então não é preciso, em Maio ganham os do costume e está tudo bem outra vez.

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  3. onde é que viste o SCP levar banho de bola no barnabeu ???

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    1. Suponho que a pergunta seja para mim. Acreditava que a analogia era clara, mas parece que não fui bem entendido. No Barnabeu, o Sporting esteve muito bem e deu, durante quase os 90 minutos, um banho de bola ao Real. A lei do orçamento mais forte veio ao de cima e levámos 2 golos em cima do fim do jogo, livre do Ronaldo e cabeçada do Morata. 2-1 e mais uma "derrota moral" no bucho.
      Ontem, como no Barnabeu, a equipa da casa levou um banho de bola da equipa forasteira, de orçamento muito menor.
      Então como agora, a equipa da casa acabou com 2-1 no bolso.
      SL

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    2. Nesse jogo em Madrid Cristiano Ronaldo "cavou" um livre que converteu. Mas, mesmo assim, teriamos ganho se o Mestre da tática não estivesse castigado!
      - Jogamos como nunca , perdemos como sempre.
      - Na segunda feira , não jogamos a ponta.....ganhamos como nunca. Prefiro esta modalidade. Há os que não gostam, preferem Madrid de JJ,
      Os consultórios de Psiquiatria estão a abarrotar,

      João Balaia

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    3. Meu caro,

      Tenho para mim que, nesta fase, é fazer uma opção à Paulo Bento: defender bem, jogar o possível e deixar o resultado ao cuidado do levezinho do momento, Bruno Fernandes. É para o que dá e não vale a pena inventar muito para já. Se der para mais, logo se vê.

      SL

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  4. Há uns anos quando das crises desportivas associadas às directivas "jornaleiros" principalmente da Bola usavam o termo Belenisação do Sporting...ela ai está na equipa de futebol! Como já foi referido aqui faz-nos bem lê-lo,parabéns! SL

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    1. Meu caro,

      Não podemos entrar em processo de belenensização. Podemos entrar em processo de sportinguização e a verdade é que entrámos há muitos anos e continuamos por cá. O divertido disto tudo é que não se conhece o futuro e é por isso é que pensamos sempre: "desta vez é que é!".

      SL

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