Como qualquer cidadão de um país ocidental, vou assistindo com preocupação à onda de destruição das nossas democracias liberais. Estivemos sempre convencidos que o liberalismo de Locke e Tocqueville e a democracia representativa andavam de mão dadas, confundindo-se. Como nos explica Yascha Mounk (“Povo vs Democracia”), está em ascensão a democracia iliberal como contraponto ao liberalismo antidemocrático. O populismo e a plutocracia, à falta de melhores definições, são duas faces da mesma moeda.
O exercício da cidadania não é exclusivo da política. A cidadania exerce-se todos os dias, nas mais diversas áreas da vida social. Não somos liberais e democratas para umas coisas e não o somos para outras. Ou somos ou não somos. De acordo com os relatos, a última Assembleia Geral do Sporting foi uma rebaldaria. Confundem-se adversários com inimigos e opiniões diversas com ataques pessoais, não se respeita quem pensa diferente mesmo em minoria e as minorias não respeitam os resultados democráticos.
É muito tentador o “impeachment”. É a forma de se destituir quem é eleito, aproveitando uma determinada conjuntura e desrespeitando os resultados eleitorais. Mas “impeachment” não se aplica nestas circunstâncias, aplica-se se e só se existe violação grave das regras instituídas com dolo, com intenção. É necessário demonstrar essa violação e essa intenção. Quando não se concorda, discorda-se, faz-se valer pontos de vista diferentes, não se destitui.
É necessário que a Presidência do Sporting saiba ouvir os associados e disponha de competência para os representar e defender os seus interesses. É necessário que os associados respeitem os resultados e os ciclos eleitorais. Em Portugal, o futebol ocupa demasiado espaço na nossa vida coletiva. Pouco a pouco, a forma como se discute futebol vai contaminando toda a discussão pública. Se é para isso que serve o futebol, então prefiro que se acabe com ele.
Caro Rui,
ResponderEliminarEm tese concordo com o seu texto. sabendo que muitas vezes me apeteçe correr com a actual direcção ao pontapé, A verdade é que não o devemos fazer. Os sócios têm que entender o alacance da desisão que tomaram, e se isso passar por ver o clube ser gerido por um bando de incompetentes (outra vez), pois que assim seja. Daqui a três anos cá estaremos para apanhar os cacos. Até lá vamos caindo no habitual "eu não votei neles" dito por cada vez mais pessoas. O habitual.
Não posso no entanto deixar de comentar a sua definição de impeachment pois parece-me que no nosso clube não foi levada à letra, tendo existido uma distorção do conceito, visto que como todos sabemos a razão do dito não foi obviamente o alegado "atropelo aos estatutos", mas sim uma suspeita (até hoje) não provada. Por esta mesma razão temo que, uma vez aberta a prática, esta se possa vir a tornar uma normal. Valham a esta direção bons advogados, coisa que parece ter faltado á anterior...
Z
Meu caro,
EliminarEscrevi este "post" por preocupações mais gerais e pela futebolização do nosso espaço público.
Uma coisa é a discordância, outra a legitimidade. A AG não é um parlamento onde estão representadas as oposições. A "governance" pressupõe vários órgãos de prestação de contas pela Direção e a AG é um deles.
Percebo bem o seu ponto de vista, mas não considero as situações equivalentes. Nem sequer vou entrar no plano jurídico, embora tenha de respeitar essas decisões. Anteriormente, tínhamos metade da Direção demissionária e os restantes órgão sociais também demissionários. Foi o próprio Presidente da AG, escolhido pelo BdC, que protagonizou o "impeachment" e é ele que preside ao órgão que representa todos os associados.
O problema é a ingovernabilidade. Se nos habituamos a isto, este processo nunca mais tem fim.
SL
Este texto foi escrito em 2018?
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarPercebo a sua ironia. Agora, não considero as situações equivalentes. O BdC foi destituído por iniciativa de órgãos sociais que ele próprio escolheu. Esses órgãos têm legitimidade própria e distinta da Direção. São eleitos para assegurar adequada prestação de contas da Direção.
SL