quarta-feira, 12 de junho de 2019

Como um discurso do 10 de junho

Foi pena a final da Liga das Nações não se realizar no dia seguinte – 10 de junho – o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Dificilmente se arranjaria um outro evento que melhor evidenciasse a psicossociologia de povo português, admitindo que exista uma e distintiva da dos restantes povos. A portugalidade exalta-se pelo labirinto, da saudade, nas palavras de Eduardo Lourenço, ou das pernas e jogadores em todo o campo, na tática do Fernando Santos. O império ou as vitórias europeias são sempre obtidas pela forma como se procura acertar no alvo sem nunca se dar a ideia que se tem esse propósito ou, sequer, propósito algum (não confundir com despropósito). 

A Holanda até entrou em campo disposta a jogar futebol, mas a forma embaralhada como o Fernando Santos dispôs os jogadores no meio-campo rapidamente os desanimou. Uma primeira leitura da disposição dos jogadores em campo poderia levar-nos a considerar que estávamos a jogar em 4x3x3. Mas como o Guedes, embora extremo, passou mais tempo de olho no Raphael Guerreiro, também permitia vislumbrar um 4x4x2. Como o Danilo parecia mais fixo no meio, em alguns momentos parecia estar-se em presença de um 4x1x3x2. Como o Bernardo Silva recuava, também se passava para o 4x1x4x1. Se nós, portugueses, habituados como estamos a ver jogar a seleção nacional, não conseguimos compreender o que vemos e acreditamos pela fé, não é possível para os secularizados holandeses darem conta de um recado que o seu espírito não entende. 

Não se pode afirmar que o Fernando Santos não tenha uma tática, não tem é uma estratégia. A tática é a de jogar em função da necessidade de anular os pontos fortes do adversário, que tanto podem ser individuais como coletivos. Os jogadores são dispostos em campo, uns em marcações individuais, para impedir o jogo de um ou outro dos melhores da equipa contrária, outros em marcações à zona, para ocuparem um determinado espaço relevante para o adversário e darem uma ajuda à defesa, em especial aos laterais. Esta teia gera ensarilhamento de jogadores, de pernas e de ressaltos que leva à desistência de qualquer espírito analítico. 

O ataque não é uma função organizativa autónoma. É o que sobra deste ensarilhamento. Por vezes, recupera-se a bola e não se a perde em seguida. É o momento de avançar. Avançar pressupõe um pontapé para a frente ou uma corrida de alguém como se não houvesse amanhã. Cada um está entregue a si próprio e tem de se desenrascar, aquilo que o português faz melhor. O desenrascanço confunde-se com o acaso mas não é. É uma filosofia de vida que o Fernando Santos mobiliza, mobilizando em todos e cada um dos jogadores aquilo que é da sua natureza e da natureza dos portugueses. 

O desenrascanço parece improviso mas também não é. É filho do desespero, da solução de último recurso. É correr porque não se tem a quem passar. É chutar quando não se tem outro remédio. E o golo nasce da forma como o Bernardo se desfez da bola para acudir ao chamamento da mãe para lanchar e da incapacidade do Guedes de estabelecer a relação espaço-tempo de Einstein adequada ao necessário passe para o Ronaldo, vendo-se na contingência de rematar à baliza e surpreendendo o defesa e o guarda-redes. De repente, o Cillessen tinha-se transformado no Vlachodimos e estava encontrada mais uma razão para se fazer uma reportagem sobre o Benfica. 

Ganhámos e, no futebol, ganhar aos outros é tudo: o melhor é o que vence. Na vida, temos de nos vencer, na ignorância, no preconceito, na falta de responsabilidade. Derrotarmo-nos no que temos de pior é vencer. Mas não nos vencemos porque existem eles, os outros, os que não nos deixam. Enquanto isso sempre nos podemos considerar os melhores enquanto o futebol nos permitir essa ilusão.

20 comentários:

  1. Parabéns pelo seu magnífico texto. Não só sobre a sua análise futebolística, já de si hilariante e extremamente bem conseguida, em particular a dissecação da tática e/ou estratégia utilizada pelo “mister” Santos e tudo o que isso representou no jogo contra a Holanda, mas a sua capacidade para extrapolar a realidade do futebol e transpor as suas considerações para a natureza ou essência do que é (e o que não é por exclusão de partes) o português.

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    1. Meu caro,

      Obrigado. A seleção nacional é a mais perigosa do mundo no mata-mata, como dizia o Scolari. Não existe uma organização que se vai adaptando em função dos adversários. Existe um pensamento jogo a jogo o que nos torna a equipa mais imprevisível do mundo.

      Com essa imprevisibilidade e o Ronaldo, os adversários não sabem o que nos fazer. Em eliminatórias, entra-se sempre com cautelas. De repente, estão embrulhados na tática marada. Com o jogo embrulhado, são os detalhes de um ou outro jogador que os resolvem. Nesse contexto, nós temos o melhor jogador do mundo a resolver situações encanzinadas.

      No fundo, o Fernando Santos simboliza o tuga que há em todos nós. Não nos organizamos, procrastinamos e estamos sempre há espera que num momento, num desespero, as coisas se resolvam. Em muitas áreas da vida económica e social as coisas não funcionam assim. No futebol, nestas circunstâncias, parecem funcionar.

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  2. Caro Rui,

    como diz um amigo meu, um losango é um quadrado menos atlético. Desta vez jogamos com o quadrado mais atlético em 4x4x qualquer coisa. É preciso fé e vendar o Félix que parece estar mais complicado.

    Abraço

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    1. Caro Gabriel,

      O Fernando Santos na segunda parte, quando estávamos a ganhar, chegou a alinhavar uma linha defensiva com seis jogadores. Os extremos jogavam ao lado dos laterais e e encontravam mais dentro. Nessa altura chegámos a jogar um 6 x qualquer coisa. No final, resulta tudo. O homem é um génio, português, mas um génio.

      Um abraço

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  3. Caro Rui Monteiro, é quase sempre, e até agora sempre, estar de acordo com o que escreve. quando escreve: "A tática é a de jogar em função da necessidade de anular os pontos fortes do adversário (...)", é bem verdade e é a nossa estratégia principal. O desenrascanço é o trunfo do português, transversal a tudo o que faça, seja no futebol ou na astrofísica. Não são pequenos ou grandes problemas, que nos param. Por isso, no que diz respeito ao futebol, nunca percebi a linguagem futebolística, dos 442, 433, 4123 (etc), a minha e a nossa táctica é: anular os pontos fortes do adversário e o desenrascanço. Por isso, não sendo um génio, Fernando Santos corre o risco de nenhum outro igualar o seu palmarés. É que ele é português 100%.
    J.Oliveira. SL

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    1. *onde se lê: é quase sempre, deve ler-se: acontece quase sempre.
      J.Oliveira. SL

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    2. Caro J. Oliveira,

      O Fernando Santos é um génio. É um génio português que percebe a única genialidade portuguesa: o desenrascanaço. Com a trapalhada e o Ronaldo à mistura, somos imbatíveis. Dificilmente outro treinador que não fosse português e não tivesse treinado no estrangeiro, teria compreendido ao nossa genialidade que é a dele também.

      SL

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  4. O Rui Monteiro consegue algo que julgava impossivel, descomplicou a tática(?) de Fernando Santos. Mas atenção: ele tinha uma linha fundamental : jogar para o Ronaldo marcar ou mandá-lo bugiar com 2/3 holandeses atrás e deixar o Guedes(grande golo) e o Bruno Fernandes(quase marcava) arriscar. Fernando Santos é um pé quente, as benzidelas resultam mais que o Nhegana do Benfica(estes tem outros argumentos).
    E....Portugal arrisca-se a ganhar o Euro e o Mundial, Ronaldo vai estar nas 2 competições e o Engenheiro também-
    Gosto do Engenheiro na seleção, ja gostava dele quando nos deu o titulo do Inácio. Foi o único treinador que não ganhou com Jardel.
    SL

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    1. Caro João,

      Devemos muito ao Fernando Santos. Nenhum outro treinador conseguiria perder o campeonato com o Jardel daqueles tempos.

      O homem pensa primeiro no adversário e só depois na sua equipa e nos seus jogadores. Os seus jogadores servem para indrominar os outros. Depois de indrominados, ficam sempre no ponto e algo acontece. Umas vezes o Ronaldo outras vezes outro qualquer.

      SL

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  5. Rui,

    dou por mim, frequentemente, sentado no sofá, a ver os confrontos da nossa selecção e a imaginar um jogo de xadrez. Não um jogo qualquer, mas um imprevisível, onde as variantes tradicionais são ignoradas e a colocação das peças frequentemente desafia os cânones, o que nos aproxima tanto da genialidade como da anarquia completa, do caos. (Por vezes parece que quem orienta as peças se ausenta, tipo Fisher em Reiquiavique.)

    Outras vezes, lembro-me do Alice in Wonderland e daquela cena do Chapeleiro Maluco, tudo isto enquanto beberico um cházinho de camomila para acalmar os nervos. Nesse transe, o Chapeleiro vai colocando várias adivinhas (enigmas) durante o jogo. Imagine-se o recente Portugal-Holanda:o jogo começa e Portugal está a usar um 4-3-3, com 3 médios de perfil, em 3 linhas. Subitamente, ouve-se uma voz:
    - Em que táctica estou eu agora a jogar? - , pergunta o Chapeleiro, enquanto cruza os olhos esbugalhados.
    Uma pessoa olha para aquilo e agora vê William a par com Bruno, formando um triângulo com Danilo. Uns minutos de repouso ao intervalo e volta-se a ouvir uma voz:
    - Hehehehehe, e agora, qual a táctica - volta a perguntar o Chapeleiro, com um olhar esgazeado.
    A trama adensa-se, hesito entre um 4-4-2 em losango ou um 4-5-1 consoante a posição do Bernardo. O William agora faz o vértice mais adiantado do eventual losango, mas só quando a Holanda tem a bola. Entretanto, ao Guedes, na esquerda, pedem-lhe que faça várias séries de 100 metros. Começa uma pessoa a pensar que é uma pena não terem levado o Obikwelu, quando o Guedes, pumba! Golo!
    Depois disso, a Holanda entra na mesma onda, provoca o caos. Futebol directo, já que não dá com um de Jong, tenta-se com outro, mais alto e espadaúdo. É o tudo ao molho e fé em Deus. Neste transe escapo-me por uma porta num tronco de uma árvore e volto à Sala de Estar e ao meu cházinho. Estou exausto. Qual Mastermind, qual quê, existe lá algum exercício para o cérebro mais exigente do que analisar a forma como Portugal (não) joga? Com isto tudo até nos esquecemos de ver o jogo propriamente dito...

    Um abraço

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    1. Caro Pedro,

      Bem compreendo o que descreve! Para não me aborrecer com os jogos, procuro vê-los a dois tempos. Quando vejo com os olhos vejo com um atrasado mental. Grito, emociono-me e digo o que me vem à cabeça. Acabado o jogo procuro encontrar um entendimento para o que vi. Tento encontrar um propósito para a colocação dos jogadores, para as suas movimentações e uma explicação para os acontecimentos.

      Com os jogos da seleção é mais complicado. A minha relação emocional com a seleção nacional não é muita. É Ronaldo, Pepe e pouco mais. Entender o que passou é mais fácil e difícil ao mesmo tempo. É mais fácil porque o Fernando Santos pensa sempre em função dos adversários. A trapalhada é sempre o resultado de marcações e de trocas de marcações. É mais difícil porque não se conseguem explicar os resultados. Não consigo explicar o caos e sobretudo a forma como o caos conduz sempre ao mesmo resultado continuando a ser caos.

      Um abraço

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  6. C’est un gars qui est affublé d’un tic très marqué: il cligne de l’œil droit tout le temps. Ce gars est justement en train de postuler pour une place de commercial, et en ce moment, il passe son entretien d’embauche.
    L’employeur lui dit :
    C’est incroyable. Vous êtes diplômé des meilleures écoles de commerce, vos recommandations sont excellentes, et votre expérience est sans commune mesure par rapport à celle des autres candidats… Normalement, je vous embaucherais sans réfléchir… Pourtant, je pense qu’un commercial affublé d’un tic comme le votre aurait tendance à perdre des clients en leur faisant peur. Je suis désolé, mais je ne peux pas vous embaucher.
    Le gars répond :
    Attendez, mon tic disparaît si je prends deux aspirines. Je vous assure !
    Vraiment ? Je ne demande qu’à vous croire. Montrez-moi !
    Alors le gars fourre les mains dans ses poches et commence à en sortir toutes sortes de préservatifs des rouges, des bleus, des fluorescents, des parfumés…. et finalement, il sort une boite d’aspirine. Il l’ouvre, prend deux comprimés, les avale, et hop, les clignements de l’œil cessent peu à peu.
    Le patron est assez surpris :
    Eh bien, vous avez dit vrai. Cependant, je suis le patron d’une compagnie respectable, et je n’ai pas l’intention d’employer quelqu’un qui court les filles parmi tout le pays !
    Courir les filles ? Que voulez-vous dire ? Je suis marié et très heureux en ménage !
    Alors comment expliquez-vous tous ces préservatifs ?
    Ah ça ?! Vous êtes déjà entrés dans une pharmacie, en clignant de l’œil, et en demandant de l’aspirine ?

    Esta é uma história que conheço há muitos anos mas que me veio à cabeça enquanto assistia hoje na RTPi ao quarto jogo Sportig-benfica em futsal. De facto pareceu-me que um dos comentadores gaguejava o que não é grave para um desenhador. Também eu conheço mal as regras do futsal mas tenho a sorte de não ser comentador televisivo. Como ex-português (oficialmente) tenho vergonha pelo desempenho da n(v)ossa TV-serviço público.
    Em prova de paciência tentarei assistir à "negra" no domingo.

    SL

    Aboím Serôdio

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    1. Caro Aboím Serôdio,

      Depois de ler o seu comentário, fui ver o jogo, que não tinha visto. O homem é irritante e mais irritante é por fazer comentários selectivos. Comentava umas faltas e calava-se noutras. Era muito assertivo nos comentários a umas e evasivo noutras. Enfim, mais do mesmo.

      SL

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  7. Mas atenção, João Félix também é campeão da Liga das Nações. Contra a Suíça ajudou com as trapalhadas. Mas é campion, carago

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    1. Caro João,

      O João Félix faz parte da trapalhada com uma característica distintiva. Segundo o LFV, é a parte da trapalhada mais cara. Nunca um banco esteve decorado com este luxo asiático.

      SL

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  8. Bom dia!

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