domingo, 24 de abril de 2011

Das Escolas aos Seniores: Um Único Sistema de Jogo?


À primeira vista, a ideia de adoptar o mesmo modelo táctico dos infantis aos seniores parece atractiva, quer para os admiradores da escola do Ajax de Amesterdão (como eu próprio), quer mesmo para engenheiros ou para gestores profissionais.
Confesso, no entanto, que, face ao que venho assistindo nos últimos anos de futebol jovem ao nível nacional, tenho cada vez mais dúvidas em relação a esta opção. Com efeito, os jogos nos escalões jovens são cada vez mais parecidos com os seniores. Os miúdos estão, desde muito novos, completamente condicionados pela necessidade de cumprir tácticas cada vez mais complexas e estereotipadas, sem tempo, nem liberdade, para poder expressar todo o seu talento.
As equipas jovens do Sporting, apesar de seguirem essa tendência geral, são, dos três grandes, aquelas em que, ainda assim, é dada alguma margem de liberdade aos miúdos para não ficarem amarrados a esquemas tácticos muito rígidos. Regra geral, podem arriscar mais, podem até errar mais, enquanto passos decisivos para serem melhores que os demais.
Na minha opinião, essa tem sido, tradicionalmente, uma das grandes vantagens do Sporting. Quem viu evoluir nos escalões jovens miúdos predestinados como Paulo Futre, Figo, Dani (este falhou, mas por razões que nada têm a ver com futebol), Ricardo Quaresma, Cristiano Ronaldo, Nani, ou aquele que eu antecipava (e, apesar do seu feitio especial, ainda espero) que venha a tornar-se a próxima pérola leonina (Diogo Rosado, um “molengão” irascível tipo Pedro Barbosa, com uma visão de jogo e um pé esquerdo absolutamente geniais - actualmente emprestado ao Penafiel, uma localidade demasiado perto… do Porto), acredita que eles dificilmente poderiam ter singrado, se, desde os infantis, tivessem sido obrigados a marcar o lateral contrário, a estar sempre obcecados com compensações defensivas, a não arriscar o um para um, o um para dois, o um para três para não provocar desequilíbrios defensivos na equipa e por aí adiante.
Coisa distinta é o treino da técnica individual de cada um dos miúdos, sobretudo, em relação aos movimentos mais habituais da posição em que joga (isso, independentemente, do sistema ser 4-3-3, 4-2-3-1, 4-4-2, em losango, quadrado ou qualquer outra combinação aritmética ou geométrica). Aí sim, julgo que há muito a fazer na formação leonina. Não, não estou a falar de novas fintas, toques de calcanhar, ou remates de letra, mas sim de técnicas, aparentemente, muito mais elementares que, surpreendentemente, a generalidade dos miúdos chega ao seniores sem saber fazer com as necessárias espontaneidade e perfeição (nalguns casos, sem saber fazer de todo) - situações como o remate de meia distância, o cabeceamento, o cruzamento tenso, ou o timing certo para o passe.
São situações em que, mesmo os jogadores mais criativos e tecnicamente mais evoluídos, necessitam ser trabalhados, de forma mais individualizada, sistemática e, diria eu, mesmo obsessiva (como insistia em fazer o grande Mirko Jozic nos seniores). Figo, por exemplo, já era no Sporting um jogador com elevadíssimo potencial, mas, na minha opinião, só com Johan Cruyft, aprendeu, quer a técnica do remate (com os pés, já que o cabeceamento foi sempre um dos seus pontos fracos – lembram-se daquela recarga ridícula da meia final Portugal-França do Mundial 2006?), quer a cruzar e a passar no momento certo. A história repete-se com Cristiano Ronaldo, que, apenas com Ferguson, começou a rematar daquela forma brutal, ou a fazer os seus passes ou cruzamentos letais. Nani é outro exemplo evidente do génio de Ferguson para fazer evoluir, de forma impressionante, aqueles decisivos gestos técnicos.
A nossa escola de formação, uma das melhores do mundo na prospecção de talentos, necessita de, no treino desses gestos técnicos, adoptar, pois, a velha máxima de Aristóteles: “nós somos o que fazemos repetidamente - excelência não é um feito, mas sim um hábito”.

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