Hoje não é fácil ver uma partida de futebol. Não é fácil ver e ainda mais difícil dizer o que quer que seja sobre ela. O comum dos espetadores não dispõe das necessárias habilitações, é um facto. Tudo começou com a novilíngua do “bloco baixo”, do “bloco alto”, das “transições defensivas” ou das “transições ofensivas” misturada com umas alegorias de gosto assim-assim [inicialmente] desenvolvidas pelo Luís Freitas Lobo. Estamos, agora, na fase da inteligência emocional e da liderança. Sem uma análise à liderança e à motivação [ou um simples palpite, que seja] não se consegue explicar uma tática ou um simples remate à barra. Não me restou alternativa que não fosse ir folheando um par de livros do Daniel Goleman enquanto via o jogo [do Sporting] contra o Benfica.
Devidamente autorizado pelo Frederico Varandas, o Rui Borges pôde ser o Rui Borges e, assim, acabou com as táticas maradas do Ruben Amorim, colocando a equipa do Sporting a jogar como as outras, num género de 4-4-2, que mudava um pouco de configuração tática quando atacava. Esta alteração não é simples, não pela dificuldade da tática em si mesma, mas pela necessidade de convencer os jogadores a pô-la em prática. Este exercício de convencimento pressupõe liderança ou é a [própria] liderança, não sei bem. A transformação do pináculo da perfeição tática numa simples tática de algibeira surpreendeu tudo e todos, especialmente o Bruno Lage. Não se pode pedir a quem parece dispor do carisma de uma amiba que compreenda a liderança praticada desde tenra idade em Mirandela.
Na primeira parte o Bruno Lage foi o Bruno Lage e o Rui Borges foi o Rui Borges. Pode-se pensar que se cada treinador foi o que é, então, o Rui Borges é melhor do que o Bruno Lage ou, de outra forma, não se compreende a superioridade do Sporting. Há uma explicação mais simples, mas é tão vulgar que não nos permite compreender este jogo nesta dimensão mais emocional. Há uns anos, estaria a explicar que o Tomás Araújo foi um passarinho e não se pode ser um [esvoaçante] passarinho quando anda o Gyökeres por perto, que o diga o Otamendi. Se o Quenda e o Trincão não fossem uns passarinhos também, o jogo estaria resolvido ao intervalo.
O princípio da segunda parte foi um tormento para o Sporting. O Bruno Lage surpreendeu pela liderança [não confundir carisma com liderança, embora possa existir liderança carismática e, por oposição, liderança não carismática], explicando aos seus jogadores que se deviam deixar de tretas e pressionar um pouco mais alto. O Rui Borges continuou a ser o Rui Borges, mas o Morita deixou de ser o Morita e o caos instalou-se na defesa e no meio-campo. Goste-se ou não, é preferível que o Morita seja o Morita do que o Rui Borges seja o Rui Borges. Se o Morita for o Morita, o Rui Borges pode ser o João Pereira ou, até, o Silas. Se o Morita não for o Morita, de pouco serve que o Rui Borges seja o Rui Borges [a não ser que o Gyökeres seja o Gyökeres].
Sofreu-se a bom sofrer durante cerca de meia hora, até a pilha do Di Maria se finar e o Bruno Lage começar a tirar jogador de trás para meter avançados. Quando o Rui Borges tirou o Trincão e meteu o Harder passámos a ter superioridade em número e armamento e não marcámos mais um golo ou dois porque o Sporting é o Sporting e é preciso sofrer do princípio até ao fim, sem um minutinho de descanso sequer [ontem o culpado foi o Geny Catamo, mas amanhã será outro qualquer]. Moral da história: a notícia da morte do Sporting era manifestamente exagerada como é manifestamente exagerada a notícia da sua ressurreição. É regressar ao jogo a jogo e ao onde vai um vão todos!